Atingidos por Balbina (AM) ainda lutam por direitos

No Mab

Já faz 30 anos do início das operações da usina hidrelétrica de Balbina, no Amazonas. No entanto, centenas de famílias atingidas não receberam nem indenização nem reassentamento. Desabrigadas, foram alocadas nas casas de madeira construídas provisoriamente para alojar os funcionários da hidrelétrica no período das obras e, até hoje, não possuem documentação das casas. Para piorar, há quase dez anos passaram a pagar tarifa de eletricidade, apesar de receberem energia diretamente da hidrelétrica, sem passar pelo sistema de distribuição.

Os atingidos moram na vila Atroari, no distrito de Balbina, localizado no município de Presidente Figueiredo (AM). Quando foi construída, a vila contava com 1000 casas para o alojamento de trabalhadores. Em 1992, após a construção da hidrelétrica, a construtora Andrade Gutierrez retirou a maioria das casas e enviou para outra obra em Roraima. Vizinha à Vila Atroari está a Vila Waimiri, onde vivem os funcionários de maior qualificação que até hoje trabalham na usina, em 250 casas de alvenaria.

Mário Pantoja, um dos moradores da vila dos atingidos, relata que foi recrutado pela Andrade Gutierrez em 1981 para trabalhar na retirada de madeira (cedro e mogno). Após três anos, foi demitido e passou a viver com sua família na região à jusante da barragem. Com o fechamento do reservatório, ficou desabrigado. “Como nós morávamos à jusante, então a situação ficou ruim lá, porque secou o rio todo. E quando abriram as comportas pra fazer o teste da barragem, alagou tudo, morreu peixe demais. O fedor de peixe morto era muito grande, isso deu aquele impacto social e todo mundo ‘correu pra cima’ e ocupou a vila”.

Pantoja explica que parte das famílias ocuparam as casas que estavam vazias na vila dos trabalhadores. Outras famílias foram levadas pela própria Andrade Gutierrez. “A empresa não tinha como fornecer água potável para as comunidades à jusante da barragem e por isso começou a ceder as casas da vila Waimiri para as famílias ribeirinhas”.

Segundo Diomar Vasconcelos, morador da vila e coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), os ribeirinhos que moravam à jusante da barragem foram cadastrados com a promessa de indenização ou reassentamento, como foi o caso de sua família.

“Antes de abrirem as comportas, eles montaram uma equipe de assistentes sociais para fazer o levantamento de tudo que a gente tinha. Eles disseram pra gente não se preocupar com os danos que fossem causados, porque eles iam tirar nós do rio Uatumã para morar em uma vila permanente, e quem não quisesse seria indenizado e poderia morar em outro lugar”, diz Diomar. Nada disso se concretizou e as famílias vivem até hoje na vila, em situação irregular.

Cobrança pela energia

Os atingidos da vila Atroari contam que inicialmente não pagavam energia elétrica. Eles explicam que a energia da comunidade funciona como uma espécie de “bateria”: caso dê alguma pane em Balbina, ela é utilizada para acionar a primeira turbina. A eletricidade da vila é conectada diretamente à usina, sem passar pela subestação no município de Presidente Figueiredo. Há cerca de 10 anos, no entanto, os moradores começaram a receber contas de energia para pagar.

Segundo o ranking da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Amazonas Energia S.A, responsável pela distribuição de energia elétrica no Amazonas, cobra a tarifa de energia mais cara do Brasil entre as concessionárias. No próprio site da empresa é possível constatar a evolução da tarifa (R$/MWh) nos últimos cinco anos. Em 2014, os amazonenses pagavam R$320,81 pelo MWh e em 2018 chegaram a pagar R$706,6/MWh.

A distribuição de energia no Amazonas foi recentemente privatizada. No ano passado, os atingidos fizeram uma série de protestos contra a privatização da hidrelétrica. Em agosto de 2018, a ANEEL aprovou a separação da Amazonas Energia (Eletrobrás) em distribuição e a outra parte em geração e transmissão. No dia 10 de dezembro, a Amazonas Energia Distribuição foi vendida para o consórcio Oliveira Energia Atem. A Amazonas Energia atende 897.041 consumidores de 62 municípios. A parte de geração e transmissão permanece sob controle da Eletrobrás. 

Fernanda Nogueira mora na vila Atroari há 17 anos.  Ela reclama do preço da tarifa de energia elétrica e conta que a empresa instalou medidores sem a permissão dos moradores. “Isso é uma forma de pressionar a saída dos atingidos aqui da vila, já que não temos condições de pagar a energia”.

Ela ainda diz que a maioria dos moradores da vila estão desempregados e “a empresa não dá suporte nenhum; ela prefere trazer pessoas de fora para trabalhar nas empresas terceirizadas do que pegar pessoas do distrito de Balbina”.

Mário Pantoja conta que uma das maiores lutas já feitas na comunidade foi contra o desligamento da energia elétrica de 192 famílias, há alguns anos. “Nesse dia nós fizemos um movimento que repercutiu até em Brasília”, diz.

Outras lutas dos atingidos são por políticas públicas. Na semana passada, a comunidade se uniu para protestar contra o fechamento do hospital do distrito de Balbina. Além disso, exigiram a reforma da escola da comunidade, que está com o telhado quebrado. A estrutura do hospital e da escola ainda estão sob gerência da Eletrobrás, mas a prefeitura de Presidente Figueiredo iniciou recentemente as tratativas para recebimento dos equipamentos. 

Histórico

A hidrelétrica de Balbina foi construída para barrar o rio Uatumã, afluente localizado na margem esquerda do rio Amazonas, alagando uma área de planície com 2,5 mil km² para uma geração potencial de 250 MWh de energia elétrica. Ela fica localizada no município de Presidente Figueiredo (AM) e pertence à Eletrobrás-Eletronorte. Custou na época US$ 1 bilhão e foi construída com a justificativa de abastecer a Zona Franca de Manaus.

A obra de construção civil foi iniciou em 1981, no período da ditadura militar, sob responsabilidade da empreiteira Andrade Gutierrez. Em 1987 iniciou o período de enchimento do lago, que durou dois anos. Em 1989, Balbina foi inaugurada e desde então é considerada como um grande crime ambiental por ter alagado uma área imensa e produzir pouca energia. A título de comparação, a hidrelétrica de Tucuruí (PA), construída no mesmo período, tem 2,8 km² de área alagada e capacidade de geração de 8.370 MWh.

No período de construção da hidrelétrica de Balbina, a região era habitada pelos indígenas Waimiri Atroari (autodenominados Kinja) e por ribeirinhos que moravam às margens do rio Uatumã. A terra indígena Waimiri Atroari fica localizada entre os estados do Amazonas e Roraima, e teve parte de sua área alagada pelo reservatório de Balbina. Entre as décadas de 1960 a 1980, os Waimiri Atorari sofreram um processo de extermínio com a construção de grandes obras na Amazônia, como a abertura da BR 174 (que liga Manus-AM a Caracaraí-RR), construída pelo exército entre 1970 a 1977.

Outro grande projeto foi a extração de cassiterita realizada pela empresa Paranapanema, que em 1981, articulada com o Ministério de Minas e Energia, retirou a reserva indígena da área onde havia o mineral. Dados da FUNAI revelam que em 1972 havia 3000 indígenas da etnia Waimiri Atroari, e em 1974 restavam apenas 600 indígenas.

Imagem: Uma das casas da vila Atroari, construída para abrigar os trabalhadores das obras da hidrelétrica provisoriamente, mas que virou moradia definitiva para família ribeirinha atingida

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