Lideranças de dezoito povos participaram de encontro inédito na terra que apresenta o maior aumento de desmatamento dentre as áreas protegidas do estado
Por Patrícia Bonilha, do Greenpeace, e Tiago Miotto, CIMI
Com o lema “Defender a terra é defender a vida dos povos indígenas”, lideranças de 18 povos de Rondônia, do noroeste do Mato Grosso e do sul do Amazonas participaram, entre os dias 2 e 6 de abril, do I Encontro da Terra Indígena Karipuna. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Greenpeace apoiaram o encontro que teve como objetivo “fortalecer a luta e a resistência do povo Karipuna na defesa de sua terra tradicional”.
Segundo o cacique André Karipuna, o encontro superou as expectativas que eles tinham. “Nós, povo Karipuna, estamos animados com a presença de tantos parentes guerreiros que vieram de longe e se comprometeram com a proteção do nosso território, que está sendo destruído pelos invasores. Nós somos poucos aqui e este apoio pode fazer toda a diferença para garantir a proteção das nossas florestas e das nossas vidas”.
Problema sistêmico
Ao compartilharem os relatos do que acontece em cada um de seus territórios (alguns ainda sem demarcação), os indígenas concluíram que a realidade que o povo Karipuna enfrenta é, essencialmente, a mesma de outras terras indígenas de Rondônia e de toda a Amazônia. O aumento das invasões, do desmatamento, da grilagem, das ameaças e da violência contra as lideranças e, por outro lado, a omissão do Estado brasileiro em garantir a proteção territorial são situações disseminadas nas terras indígenas da região amazônica.
“A presença de lideranças de vários povos, de outras partes do estado, ajuda a perceber que o problema enfrentado pelos Karipuna não é isolado. É comum a todas as terras indígenas, seja no caso das já demarcadas, seja no caso, ainda mais desafiador, dos grupos que estão lutando para reconquistar sua terra”, avalia Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho. “Só conjugando forças podemos ter perspectiva de preservar as terras e o direito de viver dos povos indígenas nesse país”, complementou.
Para a representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Eva Canoé, o momento de diálogo e vivência na Terra Indígena (TI) Karipuna foi importante para que as lideranças presentes refletissem sobre os desafios que o atual cenário impõe.
“Se perdermos esse território, vamos perder outros também. Por isso, nosso grande desafio é lutar para defender todas as terras com invadidas para que possamos garantir a sobrevivência de nossas futuras gerações”, avalia a liderança. “Essa situação deixa a todos nós muito preocupados, mas também muito conscientes do que devemos fazer: resistir, resistir e resistir”.
Estado deve proteger
No contexto de extrema pressão a que estão submetidos os povos indígenas da Amazônia, os participantes do encontro consideram que a determinação do povo Karipuna de não aceitar a violação de seu território tradicional soa como um sinal de alarme para que o Estado brasileiro reaja diante do crime organizado que, há tempos, promove a invasão e a pilhagem das terras indígenas.
“Nesse sentido, é urgente que o Estado combata o avanço da conjuntura anti-indígena que viola os direitos e territórios por toda a Amazônia. Para tanto, além de promover os direitos indígenas cabe ao Poder Público restaurar a ordem e pôr em prática um plano de proteção territorial capaz de garantir a integridade dos territórios indígenas de todo o Brasil”, afirma Danicley de Aguiar, da campanha Amazônia do Greenpeace.
Terra grilada
No terceiro dia do encontro, as lideranças fizeram uma caminhada pela mata da terra indígena, guiada pelo cacique André Karipuna, nas proximidades da aldeia Panorama. Na primeira meia hora, já se depararam com diversas picadas – marcações de lotes abertas pelos invasores dentro da TI Karipuna. Segundo o cacique, há indícios de que algumas dessas picadas estão sendo renovadas, e a atividade dos invasores deve se intensificar novamente quando terminar o inverno, como é chamado o período de chuvas que costuma se estender de dezembro a meados de junho.
Na avaliação de José Luís Kassupá, coordenador geral da Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, noroeste do Mato Grosso e sul do Amazonas (Opiroma), o fato deste I Encontro ter ocorrido justamente dentro da TI Karipuna, num contexto político de profundo retrocesso e ameaça aos direitos indígenas explicita que os povos não só de Rondônia e da Amazônia, mas de todo o Brasil, precisam se articular para resistir às promessas do atual governo de abertura das terras tradicionais para a exploração das mineradoras e o arrendamento, dentre outras.
Pra todo mundo saber
Mesmo diante de todos os desafios que enfrentam, as lideranças afirmaram na mensagem final do encontro: “Nós resistiremos sempre!”. E com o propósito de enviar uma mensagem ao governo brasileiro e ao mundo que ilustra esta atitude de resistência, eles realizaram a atividade registrada no vídeo abaixo.
Clique aqui para baixar a Mensagem Final do I Encontro da Terra Indígena Karipuna ou leia abaixo:
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MENSAGEM FINAL DO I ENCONTRO NA TERRA INDIGENA KARIPUNA
Com o tema “Defender a terra é defender a vida dos povos indígenas”, nós, 18 povos indígenas de Rondônia, noroeste do Mato Grosso e sul do Amazonas (Arara, Canoé, Kassupá, Kujubin, Guarasugwe, Juma, Kaxinawa, Mamaindê, Migueleno, Oro Mon, Parintintin, Piripkura, Puruborá, Sakyrabiar, Tawaende, Tupari, Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna), junto a nossas entidades representativas (Associação Apoika – povo Karipuna; Associação Maxajã – povo Puruborá; Associação Jupaú – povo Uru-Eu-Wau-Wau; Associação Paygap – povo Arara; Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – Coiab; Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e sul do Amazonas – Opiroma; Organização Oro Wari; Centro Acadêmico Intercultural Indígena – CAII) e nossos apoiadores (Ministério Público Federal, Conselho Indigenista Missionário – Cimi e Greenpeace), reunidos de 2 a 6 de abril, nos solidarizamos com a luta e a resistência do povo Karipuna, que há anos vem denunciando as constantes violações de seus direitos.
Os povos indígenas presentes, sensibilizados com a gravidade das invasões na Terra Indígena Karipuna e nas demais terras indígenas do estado de Rondônia, noroeste do Mato Grosso e sul do Amazonas, denunciamos a omissão do governo e dos órgãos competentes, que não vem fazendo a proteção do território Karipuna e demais terras indígenas.
Diante dessa omissão, as terras indígenas estão sendo invadidas, causando impacto social e ambiental e, no caso do povo Karipuna e dos povos isolados presentes em seu território, a iminência do risco de um genocídio.
Apesar das inúmeras denúncias, as poucas ações realizadas até o momento foram ineficazes para coibir as invasões e ameaças à integridade territorial, cultural e física dos povos indígenas. Os povos presentes neste primeiro encontro vem fortalecer a luta e a resistência do povo Karipuna na defesa de sua terra tradicional.
Nós, povos presentes, exigimos do Estado brasileiro agilidade na retirada dos invasores e do crime organizado que age impunemente neste território. Que os envolvidos sejam criminalizados na forma da lei, civil e penalmente. Que o Estado brasileiro cumpra seu dever de acordo com a Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no que tange ao direito à vida, ao território e à cultura.
A terra é a base de toda a nossa existência. Essa base se sustenta através da cultura praticada no nosso dia a dia. Reafirmamos que a terra é mãe, é vida, é onde preservamos a memória dos nossos antepassados e garantimos a vida das nossas gerações presentes e futuras.
Nós resistiremos sempre!
Terra Indígena Karipuna
6 de abril de 2019