Abandonado pelo governo estadual, terreno em Mogi Guaçu (SP) era ocupado por agricultores sem-terra desde 2018
Juca Guimarães, no Brasil de Fato
Policiais militares realizaram na manhã desta terça-feira (23) a reintegração de posse da fazenda Campininha, em Mogi Guaçu (SP), onde estava localizado o acampamento Paulo Kageyama, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A ação, baseada em uma liminar judicial expedida no início do mês, deixou 400 famílias camponesas sem casa. A área pública, que pertence ao Estado de São Paulo, estava abandonada e era cenário de incêndios e assaltos a caminhoneiros que passavam pelo local. Desde julho de 2018, data da ocupação, as famílias acampadas plantam maxixe, quiabo, feijão, milho, mandioca e melancia para sobreviver.
Durante a campanha eleitoral, o então candidato a governador João Doria (PDSB) taxou o MST como “movimento terrorista”. Esta foi a primeira reintegração de posse em territórios ocupados pelo movimento desde o início de seu mandato, em 1º de janeiro de 2019.
Wilson Aparecido Lopes, coordenador do acampamento, explica que a área tem 4,5 mil alqueires, dos quais 1,45 mil são de reserva ecológica e 3,05 mil de reserva experimental. Segundo ele, há informações de que o terreno será privatizado para empresas de monocultura, e estaria na mira da International Paper, de embalagens, da Cutrale, que produz cítricos, e de uma indústria de cana de açúcar. Nem a International Paper nem a Cutrale confirmam a intenção de utilizar a área.
Judicialmente, segundo Lopes, o terreno continua em disputa para a reforma agrária, mas a reintegração de posse aumenta o risco de uma derrota nos tribunais. O coordenador do acampamento acrescenta que a Defensoria Pública estadual mostrou-se empenhada em conseguir o uso social do terreno para que as famílias tenham o direito à moradia.
Mutirão
Na última semana, as famílias haviam sido informadas de que a reintegração de posse aconteceria na tarde de segunda-feira (22). Após uma tentativa de negociação, a ação policial foi adiada em algumas horas. Por volta das 3h30 da madrugada, cerca de 70% dos barracos haviam sido derrubados e as famílias reuniam mantimentos para preparar o último café da manhã no acampamento.
Os objetos que os camponeses não conseguiram desmontar e guardar foram queimados em pequenas fogueiras, que serviram para iluminar o trabalho de retirada dos sem-terra. A cada barraco que era destruído, mais pessoas se reuniam em mutirão para tentar preservar os móveis, telhas, lonas e tábuas de madeiras. Até os pregos eram guardados para utilizar no próximo acampamento – cujo local ainda não foi divulgado pelo movimento.
Às quatro da manhã, foi retirada a placa com o nome do acampamento. Ela homenageava um professor que defendia a agroecologia e o uso consciente da terra, princípios que nortearam a convivência das famílias nos últimos nove meses.
Memórias
Enquanto aguardavam a organização de um comboio para deixar a área, os sem-terra relembraram como era o terreno da fazenda no dia 29 de julho de 2018, data em que chegaram. Segundo eles, o cenário era de devastação e abandono: árvores nativas queimadas e solo prejudicado.
Camponeses que moram na região há décadas contam que a área, antes do acampamento, era conhecida pelos assaltos e até assassinatos de caminhoneiros, que ocorriam nos limites da fazenda: “Era uma área muito perigosa, tinha até um cemitério para desova de carros roubados”.
As famílias que montaram o acampamento recuperaram as plantas nativas, salvaram as árvores que resistiram ao fogo, dividiram os lotes e, usando a água da mina que nasce a pouco mais de um quilômetro e meio de distância do local, iniciaram o plantio para subsistência e venda do excedente.
Aos poucos, conforme o relato emocionado dos camponeses, as aves voltaram a cantar na antiga fazenda do Instituto Florestal, órgão do estado que fez o pedido judicial de reintegração de posse da área.
O comboio, com mais de 30 carros, deixou o local por volta das 4h40. Às 6h10 da manhã, foi oficializada a reintegração de posse, na presença do Conselho Tutelar, de três oficiais de Justiça e dois representantes do Instituto Florestal – em meio às ruínas dos barracos e à sombra das árvores nativas.
Edição: Daniel Giovanaz.
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Imagem: Área tem 4,5 mil alqueires, dos quais 1,45 mil são de reserva ecológica e 3,05 mil de reserva experimental. / Juca Guimarães