Indígenas se reúnem em Brasília sob forte tensão com o Governo Bolsonaro

Acampamento Terra Livre começa marcado ofensiva do Planalto contra políticas indígenas. Força Nacional atuará nas intermediações do evento, que ocorre todo ano na capital federal

Por Marina Rossi, no El País

O Acampamento Terra Livre (ATL) começa nesta quarta-feira sob forte clima de tensão. O evento ocorre anualmente no mês de abril em Brasília e reúne lideranças e representantes para chamar atenção para as demandas da população indígena. Desta vez, porém, o cenário de animosidade, que vem se agravando desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro, deve marcar o encontro que ocorre até sexta-feira, 26.

Por diferentes frentes, o Governo vem se preparando para o evento há dias. Primeiro, em uma live no Facebook, Bolsonaro chamou o acampamento de um “encontrão de índios” financiado com dinheiro público. “Quem vai pagar a conta dos 10.000 índios que vêm pra cá? É você [contribuinte]”, afirmou o presidente, preparando o terreno ideológico para o que viria em seguida: na semana passada, Bolsonaro autorizou o uso da Força Nacional pelos próximos 33 dias na região da Praça dos Três Poderes e da Esplanada dos Ministérios, onde o evento ocorre.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o acampamento, negou, por sua vez, que o evento acontecerá com dinheiro público. Por meio de nota, a entidade afirmou que o encontro, que ocorre há mais de 15 anos “em caráter pacífico”, é “autofinanciado com a ajuda de diversos colaboradores”. Por meio de sua conta no Twitter, Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB, chama a portaria que autorizou o uso da Força Nacional de intimidatória. “Como sempre, seguiremos na resistência”, escreveu.

Esse jogo de forças entre o Governo e as lideranças reforçaram o caráter de bomba-relógio na qual se transformaram as políticas indígenas desde janeiro. Logo no primeiro dia como presidente, Bolsonaro assinou o decreto que retira da Fundação Nacional do Índio (Funai) o poder de identificar e demarcar as terras indígenas. Essas atribuições passaram a ser do ministério da Agricultura, comandado por Tereza Cristina da Costa (DEM), uma das lideranças da bancada ruralista até o ano passado. Com a mesma caneta, Bolsonaro autorizou a retirada da Funai da aba do ministério da Justiça, colocando o órgão sob o guarda-chuva da pasta das Mulheres, Família e Direitos Humanos. Essa decisão é um dos alvos de protesto do acampamento deste ano.

Nessa mesma esteira, as sucessivas críticas do presidente, tanto à Funai, quanto a outros órgãos como o Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio), enfraquecem seus poderes de fiscalização. Na semana passada, o presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, pediu demissão após ficar três meses no cargo, alegando “questões pessoais”.

Cabo-de-guerra

Em alerta, e vivendo no país mais perigoso para os defensores dos direitos indígenas segundo a ONU, os povos da floresta estão mobilizados: no ano passado, a primeira deputada indígena da história, Joênia Wapichana (Rede-RR), conquistou uma vaga na Câmara. Fora de Brasília, milhares de indígenas organizaram protestos pelo país no último mês depois que o Governo ameaçou  extinguir a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Do saguão da Prefeitura de São Paulo, ocupado pelos guarani, à comunidade Maturacá, na fronteira com a Venezuela, foram registradas mobilizações. Diante da crise, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, recuou da decisão.

Mas o capítulo da vitória durou pouco neste cabo-de-guerra entre índios e o Governo. Na última semana, Bolsonaro anunciou a extinção de centenas de conselhos sociais com participação popular, dentre eles, os que tratam das questões indígenas. Ao EL PAÍS, especialistas avaliaram que a decisão coloca em risco as políticas para minorias.

Apesar da ofensiva da atual gestão contra os indígenas, a tensão entre o asfalto e a floresta é uma constante, ora em maior, ora em menor grau. No acampamento indígena de 2017, a Polícia Militar usou bombas de gás, balas de borracha e spray de pimenta para impedir que os índios entrassem no Congresso. Em resposta, os indígenas, que protestavam contra o Governo de Michel Temer, atiraram flechas contra os policiais. Quatro deles foram detidos.

ATL 2015. Márcio Kaingang e a Constituição de 1988, até hoje (e cada vez mais) desrespeitada. Foto: Fábio Nascimento /MNI

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