Educação do Campo: conquistas e resistência popular

A construção de escolas no campo, do Pronera e do Fórum Nacional de Educação do Campo são referências da luta dos trabalhadores e trabalhadoras

Por Wesley Lima, na Página do MST

Só há conquistas se houver organização, resistência e luta. Essa premissa acompanha a história do MST e a educação do campo. Construída dentro do Movimento como um instrumento de formação e emancipação dos sujeitos, a premissa é marcada por processos e conquistas importantes.

Uma conquista da luta pela Reforma Agrária em torno da educação são as escolas públicas no campo. Hoje, nas comunidades rurais organizadas pelo MST, de acordo com o setor de educação do Movimento, existem cerca de 120 escolas de ensino médio, 200 escolas de ensino fundamental completo e mais de 1 mil escolas de ensino fundamental para os anos iniciais, espalhadas em 24 estados.

Outra conquista importante é o número de crianças, jovens e adultos que estudam nessas escolas. Vale destacar que essas escolas são frequentadas pelos moradores dos assentamentos e acampamentos e também por comunidades vizinhas. No total, cerca de 200 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos estão cadastradas hoje nestas escolas.

Além disso, as estruturas escolares geram renda complementar às famílias que vivem onde as escolas estão instaladas, a partir da contratação de educadores, merendeiras, secretários e etc. Atualmente, cerca de 10 mil trabalhadores e trabalhadoras ligados à educação atuam nas escolas dos assentamentos e acampamentos.

Ao analisar tantas conquistas, Erivan Hilário, da direção nacional do MST, diz que tudo isso só é possível porque a educação tem sido uma bandeira central dentro da organização e complementa: “[As escolas] ajudam não só no processo e desenvolvimento dos assentamentos, mas também na elevação do nível cultural e do conhecimento dos assentados, dos acampados, das nossas crianças, dos jovens e adultos”.

Erivan explica que a educação do campo é resultado de um esforço coletivo dos trabalhadores e das trabalhadoras, que vai muito além do MST, ou seja, é um processo organizado por diversos movimentos sociais do campo para lutar por educação pública no campo. “No caso do MST, a nossa escola nasce em áreas de luta, resistência e organização”, destaca.

“Vale lembrar que um dos grandes marcos dessa proposta educacional para o campo se dá na década de 90, surgindo como uma denúncia para situação da educação no campo. Em muitos casos não havia escolas e, em outros, as estruturas estavam precarizadas. Surge daí um movimento de denúncia, mas ao mesmo tempo de anúncio, de articulação dos movimentos sociais para pressionar o Estado, para que de fato se construa, nesta relação com a sociedade, políticas públicas para o campo.”

Ele conta ainda que, desde então, houveram várias conquistas que podemos destacar, como a criação do Programa Nacional de Educação nas áreas de Reforma Agrária (Pronera), que já escolarizou mais de 160 mil jovens e adultos; e a construção do Fórum Nacional de Educação do Campo, com o objetivo de monitorar, mas também denunciar ações contra às escolas do campo.

Pronera

Criado em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria Nº. 10/98, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária efetivou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), vinculado ao Gabinete do Ministro que aprovou o Manual de Operações.

No ano de 2001, o Programa foi incorporado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Nesse mesmo período, foi editada e aprovada a Portaria/Incra/nº 837 um novo Manual de Operações.

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Programa tem como objetivo apoiar cursos desde a alfabetização até a pós-graduação para promover o desenvolvimento. Estes cursos são destinados para atender jovens e adultos de assentamentos criados ou reconhecidos pelo próprio Instituto, além de comunidades quilombolas e trabalhadores rurais acampados cadastrados. Além disso, atende os beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário.

Porém, o Pronera que conhecemos hoje é fruto de muita luta no campo. Um dos espaços centrais para consolidação do Programa foi a realização do 1º Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (Enera).

O encontro aconteceu em julho de 1997 e foi resultado de uma parceria entre o Grupo de Trabalho de Apoio à Reforma Agrária da Universidade de Brasília (GT-RA/UnB), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Fundo das Nações Unidas para a Ciência e Cultura (Unesco), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do próprio MST.

Uma das conclusões encaminhadas no Enera foi a construção de uma articulação entre os trabalhos de educação em desenvolvimento, bem como sua multiplicação, dada a grande demanda dos movimentos sociais por educação no meio rural e a grave situação de oferta educacional no campo, agravada pela ausência de uma política pública específica no Plano Nacional de Educação.

Além disso, no dia 02 de outubro do mesmo ano, representantes de diversas universidades de três regiões do país reuniram-se na UnB para discutir a participação das instituições de ensino superior no processo educacional nos assentamentos.

Ao fim do encontro, um grupo foi eleito para coordenar a produção do processo de construção de um projeto educacional das instituições de ensino superior nos assentamentos. Só então, foi elaborado um documento apresentado no 3º Fórum do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, nos dias 6 e 7 de novembro de 1997, dando materialidade ao Programa que seria criado no ano seguinte.

Atualmente, só com o Pronera, 39 Instituições de Educação Superior desenvolvem cursos de licenciaturas em Educação do Campo e diversas graduações, onde estudam em torno de 5 mil pessoas dos povos do campo, como os Sem Terra, Quilombolas, Pequenos Agricultores, Indígenas, além de professoras e professores que atuam nas escolas e ainda não possuem formação superior.

Fórum Nacional de Educação do Campo

O Fórum é uma articulação que reúne movimentos populares, estudantes, docentes e instituições de ensino, construído com foco na organização das escolas do campo.

Criado no mesmo período do Pronera, o Fórum tem ampliado o processo de articulação entre diversas organizações e tem sido um instrumento de fortalecimento das políticas públicas para a educação do campo e pautado direitos em diversos âmbitos da escolarização para os povos do campo.

Em 2018, após 20 anos de sua criação, o Fórum lança a Carta-Manifesto “20 anos da Educação do Campo e do Pronera: Educação é Direito. Não é Mercadoria”. No documento, alguns programas são reafirmados e considerados conquistas importantes para o conjunto dos movimentos e organizações do campo, como o próprio Pronera, a Residência Agrária, o Procampo – Licenciaturas em Educação do Campo, o PRONACAMPO, Saberes da Terra, PNLD Campo, Observatório da Educação do Campo, PIBID Diversidade, Escola da Terra, PET Campo e as bolsas específicas para estudantes indígenas e quilombolas, entre outras, que mesmo com limitações na sua aplicação garantem o direito à educação dos trabalhadores.

Nesse sentido, Erivan pontua que o MST é um dos movimentos que ajudou historicamente na construção do que chamamos de luta pela educação do campo. “As conquistas dessas lutas estão em cada experiência pedagógica, na construção de novas escolas públicas e na escolarização de cada criança, adolescente, jovem ou adulto assentado ou acampado no campo”, concluiu.

Estudantes da Turma Eugênio Lira se formam em Direito pelo Pronera, na Bahia. Foto Divulgação MST

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