Fala de Eduardo Viveiros de Castro na sessão solene de posse dos novos membros da Academia Brasileira de Ciências

“Agradeço o convite do presidente Luis Davidovich, e através dele, a todas e todos aqui presentes, para  falar em nome dos dezoito novos membros titulares da Academia Brasileira de Ciências e dos três membros correspondentes. Como antropólogo, aprendi que falar em nome dos outros é sempre difícil e perigoso, pois acaba-se inevitavelmente falando em seu próprio nome. Tanto mais que não consultei os demais novos membros para saber se tenho seu assentimento.

Mas devo falar. Talvez seja desnecessário, mas nem por isso menos importante, chamar a atenção para o que está acontecendo agora, neste dia de hoje, nas ruas de centenas de cidades grandes, médias e pequenas pelo Brasil afora. Pois o que está acontecendo tem uma relação imediata com as condições de exercício de nossa atividade como educadores, cientistas e pesquisadores, e com a própria razão de ser da Academia Brasileira de Ciências.

Minha mulher, professora universitária, e minha filha, estudante de mestrado, não estão aqui prestigiando seu marido e seu pai porque estão na Candelária, participando da imensa manifestação popular contra o desmonte das políticas públicas para a educação, a ciência e a cultura de nosso país. Vamos assistindo, entre bastante perplexos, gravemente preocupados e veementemente indignados, a um ataque sem precedentes ao sistema educacional brasileiro: ao ensino público em especial, e à universidade pública sobretudo. Vamos assistindo, na verdade, à disseminação junto a diversos setores da população, e a seus representantes no Legislativo e no Executivo, de um desprezo arrogante pelo conhecimento, pelo saber, pela formação de uma consciência crítica informada, pelo exercício de uma liberdade real de pensamento. Estamos diante de uma celebração inaudita da ignorância; de um ataque, enfim, à ciência, no sentido mais amplo e generoso desta palavra. Ataque agravado por atitudes irresponsáveis de negação das mudanças de origem antrópica que vão deslocando o chamado “Sistema Terra” para um estado desconhecido na história da espécie humana, e para o qual a devastação galopante dos biomas nacionais vem dando uma perigosa contribuição. Devastação que tem o beneplácito paradoxal, ou melhor (ou pior), o estímulo explícito dos órgãos estatais de formulação e implementação das políticas de proteção ambiental.

Não podemos deixar de lembrar que os novos membros da Academia Brasileira de Ciências tomam posse em uma conjuntura marcada pelo “contigenciamento” de 42% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e pelo “bloqueio” de 30% do orçamento discricionário das instituições federais de ensino e pesquisa imposto pelo Ministério da Educação. Não podemos deixar de mencionar a “Carta de Sobral” da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, divulgada em 30 de março passado, por meio da qual a Sociedade se manifesta, eu cito, “firme e decididamente em defesa da educação pública de qualidade, da ciência e da democracia no País”. Não podemos deixar de secundar o protesto veemente do presidente desta Academia diante dos cortes no orçamento no MCTIC, os quais, eu cito “se não forem revertidos, destruirão a ciência brasileira… Eles representam um ataque sério ao desenvolvimento e à própria soberania nacional”. Não podemos deixar de registrar que o Ministério Público Federal considerou inconstitucionais as medidas anunciadas pelo MEC contra as instituições federais de ensino superior, por ferirem, eu cito, “o princípio da separação de Poderes e a autonomia universitária em sua tripla vertente: didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”.

Não preciso detalhar as consequências de todas essas medidas para a formação de novos pesquisadores, e para muito mais que isso — para a formação de novos cidadãos, pois as medidas contra a Universidade e a pesquisa científica vêm acompanhadas de propostas sinistramente obscurantistas de encilhamento ideológico em todos os níveis do sistema educacional. Em suma, estamos diante de uma catástrofe educacional, científica, social, ambiental, cultural e econômica em pleno andamento: uma “tempestade perfeita”. Confio que muitos dos aqui presentes concordarão que a missão mais urgente e intransferível da Academia Brasileira de Ciências é a de se colocar na linha de frente do combate contra esta catástrofe.  

Eduardo Viveiros de Castro

Professor titular de Antropologia Social Museu Nacional – UFRJ

Foto: Bruno Fuji / Público

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