Por Luciano Costa, no Extra
SÃO PAULO (Reuters) – A estatal Eletrobras e a privada Alupar prometem mobilizar uma equipe de 200 pessoas para monitorar e fiscalizar os limites da terra indígena Waimiri Atroari durante as obras de uma enorme linha de transmissão de eletricidade entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR) que atravessará áreas da tribo, segundo documento com mais de 400 páginas visto pela Reuters.
O tamanho da equipe que ficará responsável por monitoramento e fiscalização das ações na terra indígena, em busca de mitigar o impacto da obra, dá ideia do tamanho do desafio do projeto, numa área ambientalmente sensível, que para alguns possui também grande potencial mineral.
O chamado “componente indígena” dos estudos sobre o licenciamento ambiental do linhão, definido pelo governo do presidente Jair Bolsonaro como um projeto “de interesse nacional”, foi entregue à Fundação Nacional do Índio (Funai) na semana passada, projetando diversas medidas para mitigar impactos do empreendimento.
Além de cruzar 122 quilômetros dentro das terras dos Waimiri Atroari, que quase foram extintos durante a ditadura militar no Brasil, o linhão de 720 quilômetros que conectará Roraima ao sistema elétrico interligado do Brasil ainda verá parte de seu traçado passar a 7,5 km do limite da terra indígena Pirititi, interditada devido à presença de índios isolados.
Os estudos de impacto apresentados pelas empresas à Funai apontam planos para a implementação de novos postos de fiscalização nas áreas indígenas, incluindo na região da área interditada de Pirititi, onde já existe atualmente um posto.
“Muitos madeireiros invadem áreas para extração ilegal, sendo que a área interditada devido à presença dos Pirititi já apresenta diversas estradas no entorno e até mesmo chegando ao interior. Uma grande apreensão de madeira ocorreu recentemente naquela área, onde foram contadas mais de 8 mil toras”, aponta o documento, assinado pela consultoria Preservar Arqueologia e Meio Ambiente.
Visto como vital pelo governo brasileiro em momento em que a Venezuela suspendeu exportações de energia para Roraima devido à sua crise financeira, o linhão teve a concessão licitada ainda em 2011.
Desde aquela época, no entanto, Eletrobras e Alupar vêm tentando obter as licenças ambientais necessárias para a construção, em um processo que enfrentou dificuldades adicionais devido ao traçado que passa pelas terras dos índios.
Com a entrega dos estudos sobre o componente indígena, o Ministério de Minas e Energia espera que o projeto possa obter todas autorizações ambientais até no máximo julho, iniciando obras no segundo semestre, segundo o secretário de energia da pasta, Ricardo Cyrino.
CUIDADOS EXTRAS
A produção do estudo de impacto sobre os índios exigiu diversas reuniões com os Waimiri Atroari, que se auto-denominam como “Kinja”, nas quais o projeto foi apresentado a eles com interações em sua própria língua e com ajuda de maquetes e desenhos, segundo relatado no plano ambiental.
O material detalha diversas precauções que as empresas se comprometem a tomar para reduzir impactos da obra sobre os nativos, o que passa pela instalação de torres de transmissão com até 109 metros de altura para minimizar o desmatamento.
Está prevista, ainda, a criação de uma equipe formada por índios para realizar o controle ambiental da obra, acompanhando e fiscalizando as medidas de mitigação, com possibilidade até de penalidades se identificadas “não conformidades” durante a construção.
“Quando os supervisores identificarem alguma situação controversa ou temerária (do ponto de vista ambiental e indígena), eles poderão exigir a paralisação temporária de uma determinada frente de obra, até que se encontre uma solução adequada para aquela situação”, afirma o material.
Além disso, os profissionais responsáveis pela realização de sondagens geotécnicas, que envolvem perfurações profundas no solo, deverão assinar um “termo de sigilo” no qual se comprometerão a não disseminar “boatos relacionados à presença de minério na terra indígena”.
A área ocupada pelos Waimiri Atroari é vista por alguns como de grande potencial para mineração, o que explicou em parte a pressão sobre os índios na época do regime militar no Brasil –a etnia, que registrava 2 mil pessoas nos anos 1960, foi reduzida a 332 indivíduos em 1983, segundo o professor da Universidade de Brasília Stephen Baines.
As empresas afirmam ainda que colaboradores envolvidos na implementação do empreendimento só poderão ingressar na área indígena após “treinamentos específicos”.
O plano ambiental prevê também que a construção buscará “evitar áreas sagradas” para os nativos, com priorização para atividades em áreas já degradadas da região que eles ocupam.
O traçado do linhão seguirá um caminho nas terras dos nativos já aberto nos anos 1970 pelas obras da BR-174 –ao final, devem ser implantadas 250 torres na área dos índios.
INTERNET E PROGRAMAS
Os empreendedores propõem também providenciar informações sobre o andamento da obra aos índios por meio de informes digitais, o que envolverá a instalação pelas empresas de acesso à internet em 24 aldeias Waimiri Atroari ainda não conectadas –atualmente, 32 aldeias da terra indígena já estão online.
Outros programas previstos no programa ambiental envolvem atividades de gerenciamento de resíduos, controle de ruídos e da qualidade da água e ações de resgate e manejo de fauna, além de medidas de reposição florestal, recuperação de áreas degradadas e apoio à saúde indígena.
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Indígenas Waimiri-Atroari. Foto: Mário Vilela /Funai