Helena Besserman e a máxima do “peixinho”

Por Álvaro Nascimento

Ontem, ao assistir no Jornal Nacional o economista Sergio Besserman Vianna (ex-Presidente do IBGE, intelectual que apesar de divergências políticas tinha o meu respeito e que sempre vi como um democrata) defender os cortes do governo Bolsonaro que atingem a realização, pelo IBGE, do Censo de 2020, me veio à mente a figura exemplar de sua mãe, a psicanalista Helena Besserman Vianna, já falecida.

Helena ficou nacional e internacionalmente conhecida por seu importante papel – ao lado de seu marido, o médico Luiz Guilherme Vianna – na luta contra a ditadura militar brasileira instaurada em 1964. Ela arriscou a vida ao denunciar, ainda em 1973, em plena ditadura do General Médici, o médico Amílcar Lobo como participante de sessões de tortura a presos políticos. A função de Amílcar era diagnosticar a capacidade do preso seguir sendo torturado ou se ele chegara ao limite de sua resistência física, podendo morrer na tortura. Na época, Amílcar pleiteava uma vaga de psicanalista na Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro (SPRJ). Helena enviou à Associação Psicanalítica Internacional denúncias contra o médico e sua atitude levou à cassação do registro profissional de Amílcar, o que só ocorreu em 1986.

Além de ter recebido do grupo Tortura Nunca Mais a Medalha Chico Mendes de Resistência, Helena escreveu vários livros e foi figura de destaque no congresso “Os Estados Gerais da Psicanálise”, realizado em Paris, por ocasião da publicação na França de seu livro “Não Conte a Ninguém”, sobre o caso Amílcar Lobo.

Helena já atuava nas lutas democráticas ainda estudante, foi presa após o golpe de 1964 – “Defendi o João Goulart na rádio e fiquei dois dias no Doi-Codi”, contava ela – e nos piores anos da ditadura, sua casa e de Luiz Guilherme Vianna era ponto de encontro de intelectuais, que trocavam energias para conseguir enfrentar aquele momento obscuro que o País vivia.

Até a cassação de Amílcar, Helena sofreu muito com ameaças por telefone e descobriu a tempo uma bomba colocada embaixo de seu carro, em 1974. “Ouvi um barulho, chamei o mecânico e ele viu a bomba”, contou ela na época.

Por estas idiossincrasias inexplicáveis que só a fragilidade de caráter pode tentar explicar – passados alguns anos da morte de uma figura exemplar como Helena, que serviu, serve e seguirá servindo de parâmetro ético a quem acompanhou sua trajetória-, é repugnante ver seu próprio filho defender medidas perpetradas justamente por um defensor da odiosa tortura que ela corajosamente denunciou, cujos carrascos inclusive tentaram matá-la através de um atentado torpe e covarde.

Sergio Besserman surpreende a todos que conhecem a história de sua mãe. E joga por terra a máxima segundo a qual “filho de peixe, peixinho é”.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Cristina Ayres.

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