Povos tradicionais da Bahia debatem situação do Velho Chico

Por Irpaa

Integrantes de comunidades tradicionais ribeirinhas da Bahia debateram a situação do Velho Chico durante a mesa redonda “A voz e a vez de quem conhece o Rio São Francisco”. O evento, realizado pelo Centro de Referência para Recuperação de Áreas Degradadas – CRAD, aconteceu na última segunda (27) no Campus de Ciência Agrárias, da Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf e reuniu agricultoras/es, pesquisadoras/es, estudantes, professoras/es e membros de organizações da sociedade civil.

A pescadora Maria Alice Borges, que mora na comunidade Curralinho, em Juazeiro, foi uma das palestrantes. Ela cita a barragem de Sobradinho como uma das causadoras dos problemas do São Francisco. “Quando ela [a barragem] para de soltar água o rio perde força”, alega. Segundo a pescadora, esse seria um dos principais motivos que contribuem para a formação de bancos de areia no leito do rio, o que chega a fazer surgir “ilhotas” de areia. “Na região onde a gente pesca era um lugar de grande profundidade e hoje, onde a gente passava soltando as redes, não dá nem para fazer a pesca de rede armada”, expõe o estado crítico em que se encontra o rio.

Em meio a tantos locais onde as redes lançadas ao rio voltam quase sempre vazias, existe um pequeno e disputado trecho onde pescadoras/es precisam fazer um rodízio para acessar o Velho Chico e poder tentar a garantia do sustento, uma situação oposta aos tempos de fartura que dona Alice guarda na memória. Hoje até mesmo a tradicional procissão nas águas está ameaçada pela dificuldade de navegação no trecho do rio onde está situada a comunidade.

As lembranças que permeiam a memória de dona Maria José Marinheiro, conhecida como Maria Tumbalalá, também apresentam um rio pujante, de enchentes anuais que renovavam a fertilidade do solo, o que possibilitava boas e diversificadas colheitas. “Nessa época o rio tinha as enchentes… Quando o rio começava secar ficavam as vazantes. Então a gente plantava cana de açúcar, batata, feijão, mandioca. A gente via essa grande efervescência da agricultura”, lembra a indígena do povo Tumbalalá de Curaçá e Abaré.

Para o ambientalista Hermes Novais, de Santa Maria da Vitória, no oeste baiano, o desmatamento e o uso desordenado das águas subterrâneas nas áreas dos afluentes têm dado duros golpes no Velho Chico. “Eu acho que o São Francisco precisa ser compreendido não apenas pelo seu curso [leito do rio]. Para ter esse volume ele recebe água de vários pontos”, explica Hermes, enfatizando a necessidade de preservação e recuperação da Caatinga e do Cerrado, nas bacias dos afluentes do São Francisco, como forma de revitalizar o rio.

Hermes cita o avanço do agronegócio como uma das causas do enfraquecimento do Velho Chico. Para o ambientalista, o problema se dá principalmente por duas ações: o desmatamento, que reduz a capacidade de absorção de água pelo solo e o uso desenfreado (para irrigar culturas como a soja) das águas subterrâneas que antes abasteciam o São Francisco. De acordo com Hermes todos esses fatores precisam ser levados em conta. “É preciso ver o rio São Francisco como um todo. É a Bacia do São Francisco”, detalha.

O agricultor Zacarias da Rocha, da comunidade de Fundo de Pasto Riacho Grande, em Casa Nova, apresenta uma visão semelhante. Segundo ele, as ações de degradação nas áreas de afluentes do São Francisco prejudicam diretamente o rio da integração nacional. Zacarias atribui à ganância a causa de tantos males ao Velho Chico. “A água e a terra hoje são vistas como mercadoria, como fonte de lucro. Isso gera ambição nesse povo que só pensa em lucro”, expõe o agricultor. Ele conta que empresas de energia eólica, energia solar, agronegócio e mineração pregam o desenvolvimento, mas na realidade efetivam ganhos para os mais ricos, deixando um rastro de destruição que impacta na vida das comunidades. “Esse desenvolvimento não favorece as comunidades. Esse projeto não é para nós”, afirma Zacarias.

Imagem: Maria Tumbalalá, indígena do povo Tumbalalá de Curaçá e Abaré – foto: Comunicação Irpaa

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