Decisão sobre Terra Indígena Arroyo Korá beneficia família de prefeito no Mato Grosso

Entre os fazendeiros beneficiados por sentença está o irmão de Asiel Bezerra de Araújo, investigado por improbidade administrativa em Alta Floresta (MT); ambos são sócios de fazenda em Paranhos

Por Maria Lígia Pagenotto, no De Olho nos Ruralistas

O prefeito de Alta Floresta (MT), Asiel Bezerra de Araújo (MDB), teve os bens declarados indisponíveis no dia 09 de abril, a pedido do Ministério Público do Mato Grosso. Doze dias depois, no Mato Grosso do Sul, a 1ª Vara Federal de Ponta Porã anulou um processo de demarcação das terras Arroyo Korá, em Paranhos (MS). Um dos favorecidos foi seu irmão, Marcos Bezerra de Araújo. Ambos têm fazendas no território tradicional indígena.

Há 12 anos Marcos Araújo tentava invalidar o processo envolvendo sua fazenda chamada Potreiro-Corá, em Paranhos, ocorrido em 1998. No dia 22 de abril ele conseguiu. A sentença ignora o relatório de identificação e delimitação do território Guarani, elaborado em 2004 pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que aponta a presença de diversas fazendas em áreas pertencentes aos Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva, na fronteira do Brasil com o Paraguai.

Para o juiz, as terras devem ficar nas mãos dos fazendeiros, pois, segundo avaliou, “não há requisitos necessários para o reconhecimento da reserva”. Marcos Bezerra de Araújo e Renata Gonçalves de Araújo argumentaram no pedido de anulação do processo demarcatório que a região não era de ocupação tradicional indígena.

Tomando por base essa alegação, o juiz proferiu a sentença levando em conta a teoria do Marco Temporal, segundo a qual somente as terras ocupadas na época da promulgação da Constituição Federal de 1988 – apesar das expulsões e migrações compulsórias – seriam consideradas terras tradicionais dos povos originários.

IRMÃOS POSSUEM FAZENDA EM PARANHOS

À frente da prefeitura de Alta Floresta pela segunda vez consecutiva, o médico Asiel Bezerra de Araújo tentou o cargo pela primeira vez em 2008, mas foi derrotado. Em nova tentativa em 2012, venceu com boa vantagem sobre a segunda colocação. Em 2016, Asiel se reelegeu. Nas duas eleições ele declarou uma propriedade de 444 hectares em Paranhos, a Fazenda Shekinah, no valor de R$ 1,76 milhão.

De Olho nos Ruralistas contou, em setembro de 2016, que o político tinha fazenda no Mato Grosso do Sul: “Políticos declaram e exploram terras em áreas indígenas, na Amazônia e no MS“. A declaração é idêntica. Em 2012, porém, ele informa que a fazenda em Paranhos era uma sociedade com Marcos Bezerra de Araújo.

A declaração de 2016 informa que ele possui 932 cabeças de boi. A esta altura ele não possuía mais fazendas no Mato Grosso, apenas no Mato Grosso do Sul. O documento entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra ainda que 423 dos 444 hectares em Paranhos são formados por pastagens, no valor de R$ 252 mil.

Um documento da Associação dos Geógrafos Brasileiros mostra que, entre 17 propriedades identificadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) na área indígena Arroyo Korá está a Shekinah, atribuída a Marcos Bezerra de Araújo.

Jornais do Mato Grosso contam que o prefeito de Alta Floresta está sendo investigado por indícios de sobrepreço e superfaturamento em licitações. A Justiça acatou pedido do Ministério Público do Estado e decretou a indisponibilidade dos bens do prefeito em até R$ 981.342,92.

Avô, tios e primos de Asiel Araújo foram prefeitos em Tuneiras do Norte, no Paraná, onde nasceu o médico ortopedista. Seu pai, Moacir Bezerra de Araújo, foi vereador no município. Outros municípios paranaenses são dominadas pelo clã, que se espalha até Alagoas, estendendo a linhagem para a família Collor de Mello – sua mãe é prima do ex-presidente Fernando Collor e do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).

BISAVÔ DE MINISTRA DISTRIBUIU TERRAS

Em outubro de 2017, uma das colegas de Marco Aurélio no STF, a ministra Rosa Weber, revogou liminares que suspendiam a homologação de parte do território Arroyo-Korá e negou dois mandados de segurança impetrados por proprietários de fazendas de Paranhos. Entre elas estavam os 444 hectares das terras da Potreiro-Corá – mesmo tamanho informado pelo prefeito Asiel Araújo para a Fazenda Shekinah. As liminares haviam sido concedidas em 2010 pelo ministro Gilmar Mendes, então presidente do STF.

Segundo os proprietários, as terras, “produtivas há décadas (desde 1923)”, não eram ocupadas por indígenas até 2001, quando “foram invadidas”. Eles alegam que as propriedades foram concedidas nos anos 1920 pelo governador do Mato Grosso na época, o coronel Pedro Celestino Correa Costa – bisavô da atual ministra da Agricultura, Teresa Cristina Corrêa da Costa Dias, ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O Mato Grosso do Sul só foi criado em 1979.

No caso da atual disputa, de nada valeram os argumentos da Funai, destacando que as terras Arroyo-Korá são originalmente área Guarani e que suas populações foram expulsas da região de forma violenta. Em 2004, data de publicação do relatório sobre o território, havia 132 pessoas vivendo em Arroyo-Korá e outras 272 espalhadas por outras localidades, esperando o momento de retornarem ao seu antigo local de moradia.

“A população tende a ser bem maior do que os números aqui recenseados”, diz o relatório da Funai. “Isto porque a superpovoação das reservas demarcadas motivará muitas pessoas aparentadas com as famílias de Arroyo-Korá a se deslocarem para lá, a partir da atualização das relações de parentesco”.

Em 2012, trinta pistoleiros atacaram acampamento dos Guarani Kaiowá na TI Arroyo Korá. Segundo a Funai, eles destruíram os barracos e atiraram nos indígenas. Uma das fazendas ocupadas era a Shekinah.

Foto: Wilson Dias/ABr

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