Por Guilherme Carvalho, em Macaréu Amazônico
O ar anda carregado. O clima tenso. A negatividade parece dominar as mentes e as energias. O pior das pessoas a quem dedicávamos afeto e considerávamos próximas veio à tona de uma maneira que nos pegou de surpresa. Muitos(as) agora preferem que seus filhos manuseiem armas do que o lápis, que profiram impropérios em vez de palavras construtivas; que sintam orgulho das maldades praticadas contra pobres, pretos(as), favelados(as), gays, lésbicas, indígenas e quilombolas do que defender os direitos humanos, que se deliciem com a destruição da nossa casa comum do que defendê-la contra as atrocidades do capitalismo globalizado. Não esperávamos. Contudo, de alguma forma foi bom que isso tenha acontecido. Máscaras caíram. O “eu” de cada um(a) não consegue mais ser abafado. Para o bem ou para o mal.
Vivemos numa atmosfera envenenada. Porém, o acaso aqui não existe. É meticulosamente construída pelas redes hegemônicas de poder. O medo se consolidou como o instrumento da manipulação mais sórdido da sociedade. Religião, desinformação e armas são vetores da autofagia em massa. O Estado de exceção tem sido naturalizado, coberto por uma aura de legalidade que se sabe falsa. O ônus da prova cabe a quem é perseguido, a quem o direito foi negado. O ardente desejo dos fascistas vai se disseminando, parecendo dar razão ao que nos disse George Orwell em seu livro 1984: “Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”.
Aos poucos uma multidão vai sendo “reeducada” todos os dias a acreditar firmemente nisto. Nessa atmosfera de retrocessos o passado vai sendo reescrito a fim de que não haja futuro para além do sistema vigente. Mais uma vez recorramos a Orwell: “Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”. O maior objetivo do sistema dominante é fazer com que grande parte da sociedade acredite nas boas intenções do “Grande Irmão”.
As redes hegemônicas de poder tentam nos incutir a ideia de que a história acabou, que atingimos o auge. Tal situação busca nos fazer crer que só resta a nós remendar o que existe. Colocar remendo novo em roupa velha, como evidencia um determinado dito popular. Dessa forma, nos condenam a viver numa sociedade do cubículo, sem portas e sem janelas, com o ar se tornando gradualmente mais tóxico. Todavia, às vezes, ao solavanco.
Nesta sociedade do cubículo o presente é a eterna continuidade dele mesmo. Nela a novidade é o novo envelhecido. Muda-se a maquiagem, mas o rosto carcomido do capitalismo é o que se encontra em baixo das camadas de tinturas e cremes. A informação instantânea das redes sociais já se mostra efêmera no próprio ato da sua divulgação. Não ajudam a explicar a complexidade do mundo. Reforça-se as aparências. Sufoca-se os conteúdos.
Para manter-se vivo(a) na sociedade do cubículo é necessário competir, lutar, subjugar, desprezar e abandonar, pois não há espaço para todos(as). Talvez este seja o fundamento da necropolítica de que nos fala Achile Mbembe.
Nesta sociedade os meios de comunicação e de transporte encurtam as distâncias. Contudo, preferencialmente para as mercadorias, não para as pessoas. Ao menos para determinadas pessoas. Uma sociedade em que o núcleo central das estratégias tem como foco derrotar os/as competidores(as).
A maioria das pessoas já vive em diferentes modalidades de cubículos: nas favelas, nas periferias, nos guetos dos centros das cidades, nos fundos dos travessões ou ramais, nos corredores dos hospitais e postos de saúde, apertadas nos ônibus e trens, nas unidades habitacionais construídas pelos governos, nas ruas escuras que colocam a vida das mulheres em risco e na violência doméstica que comumente as imobiliza, nas salas de aula multisseriadas; na demonização da história, da filosofia e da sociologia, buscando tornar nossas mentes um cubículo. Nossa luta é para criar as fissuras, aumentá-las a ponto de um dia romper os cubículos impostos em vista de uma sociedade que não caiba em si mesma.