Na Asa Brasil
Com uma apresentação de aboio feita pela professora e ativista cultural Elissandra de Oliveira, foi finalizada, na tarde desta sexta (07) a oitava edição da Festa Estadual das Sementes da Paixão, no município de Soledade-PB, Cariri Paraibano com a presença de 1.200 pessoas. A Festa teve como tema “Comunidades Guardiãs: Protegendo a Biodiversidade e Garantindo Alimentação Saudável” e desde a quarta-feira (05) reuniu centenas de agricultoras e agricultores familiares em mesas de diálogo, oficinas temáticas, feira de sabores e saberes e atividades culturais.
A Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba) promove há 15 anos as festas, com um intervalo de dois anos entre uma edição e outra. As festas cumprem o duplo papel de celebrar o trabalho das centenas de guardiãs e guardiões das sementes e de denunciar as ameaças à preservação deste patrimônio genético e cultural da humanidade.
Em sua Carta Política, lida durante a plenária final do evento diante de uma mesa de representantes do Governo do Estado, da Secretaria Estadual de Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido, da Secretaria Estadual Executiva de Segurança Alimentar e Economia Solidária, da Frente Parlamentar da Água e da Agricultura Familiar da Assembleia Legislativa, de representantes da Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA Brasil e do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea PB, afirmava: “Comunidades guardiãs são as verdadeiras trincheiras de luta e de afirmação do papel histórico exercido por agricultoras a agricultores na defesa e proteção dos recursos da biodiversidade, da água e da terra”. O documento continua: “Afirmamos que esses recursos são bens comuns que, manejados e conservados pelas mãos das comunidades, se convertem na produção de alimentos fartos, seguros, diversificados e saudáveis”.
As estratégias de proteção das sementes crioulas contra a contaminação dos transgênicos, o papel da conservação das sementes na garantia de uma alimentação saudável e a cobrança por uma política estadual de sementes crioulas vegetais e animais, foram a tônica das discussões nos três dias de evento, que contou ainda em seu segundo dia com cinco oficinas, quatro delas realizadas em comunidades rurais da região, onde os participantes conheceram experiências de bancos de sementes comunitários, fundos rotativos solidários e outros mecanismos de gestão de bens comuns.
“Vamos viver um ciclo com pouca ou nenhuma presença do Estado Brasileiro para a agricultura familiar, por isso precisamos nos voltar para a força das nossas comunidades, nossos bancos de sementes e fundos rotativos solidários”, frisou Marcelo Galassi, da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e da coordenação da ASA Paraíba.
Naidson Quintela, da Coordenação Nacional da ASA Brasil, em sua fala, lembrou os 15 anos de trajetória das Festas das Sementes da Paixão na Paraíba e falou sobre a conjuntura política atual: “A última eleição na Paraíba foi de resistência, vocês escolheram aqui os representantes que vão garantir a vida e não a morte”, disse se referindo ao Governo Federal atual que liberou em seis meses quase 200 novos agrotóxicos no país e continuou: “O recado que a ASA Brasil tem para dar aqui hoje é, não abram mão, continuem brigando, celebrando, festejando e guardando sementes. O governo estadual que vocês elegeram tem a obrigação de dar suporte a esse trabalho, assim como o governo da Bahia que instituiu uma política estadual de agroecologia”.
Contra os Transgênicos, Sementes da Paixão!
Ainda durante a plenária final, logo após os 1.200 participantes terem feito uma caminhada pelo Centro de Soledade-PB, foi feito o lançamento estadual da Campanha “Não Planto Transgênicos para Não Apagar a Minha História”. Criada pelo Polo da Borborema, uma das dinâmicas microrregionais que integram a ASA na Paraíba, a Campanha entra em uma nova fase em âmbito estadual e pretende esclarecer as famílias agricultoras sobre como evitar a contaminação de suas sementes, principalmente as de milho, que devido a polinização aberta, é de fácil contaminação, bem como divulgar os riscos que os transgênicos trazem não só para a saúde humana, mas também para a erosão genética da biodiversidade. Após o ato de lançamento, à plenária foi oferecida a degustação de uma variedade de alimentos produzidos com milho não transgênico, como broas, bolos e biscoitos, que já pode ser encontrado nas feiras agroecológicas na forma de farelo, cuscuz, mungunzá e xerém.
Durante a Festa, foram realizados gratuitamente testes de transgenia adquiridos pela organização do evento. Os testes funcionam de forma semelhante a um teste de gravidez, com tiras sensíveis à sete tipos de proteínas transgênicas. Para aqueles que tinham seus testes com resultado negativo para a contaminação, era entregue um certificado de Livre de Transgênicos. Maria das Dores Medeiros, do Sítio Capoeiras, em Cubati-PB, conta do alívio que sentiu ao descobrir que havia conseguido recuperar suas sementes: “Fizemos o teste aqui e deu negativo, essa era uma semente que já havia dado contaminada, mas através do banco de sementes, a gente conseguiu recuperar e manter livre da contaminação, então eu fiquei muito feliz e aliviada de ter de volta meu milho da paixão”.
As pesquisas participativas e o diálogo de saberes também foram tema de uma das mesas, com a pesquisadora Paola Cortez, da Embrapa Semiárido, de Petrolina-PE. Em sua fala, a pesquisadora ressaltou a contribuição das famílias agricultoras para a conservação da biodiversidade e para a construção do conhecimento, além da importância do diálogo de saberes: “Vivemos hoje uma erosão genética, mas também uma erosão de conhecimentos associados a essas sementes. Por isso é tão importante o diálogo entre os saberes, não existe saber melhor que o outro, os saberes científico e popular se complementam, e é dever da ciência conhecer e valorizar o conhecimento popular”.
A Festa Estadual das Sementes da Paixão é organizada pela Rede de Sementes da ASA Paraíba e tem o objetivo de celebrar as conquistas da rede de bancos de sementes comunitários no estado e seu importante trabalho de preservação das variedades e espécies locais, adaptadas às condições de solo e de clima da região semiárida e cujo manejo e conhecimento sobre elas é de domínio das famílias agricultoras. Outro objetivo é fazer a denúncia dos desafios que ameaçam esse modelo de produção agroecológico.
Leia a Carta Política da Festa.