Nota de retratação foi publicada após Bolsonaro ter sido condenado. Em fevereiro, ministro do STF rejeitou recurso da defesa do presidente e manteve indenização por danos morais.
Por Guilherme Mazui, no G1
O presidente Jair Bolsonaro publicou nesta quinta-feira (13) em suas redes sociais uma nota de retratação na qual pede desculpas à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), após determinação judicial (leia a íntegra ao final desta reportagem).
Bolsonaro foi condenado por ter afirmado, em 2014 – quando ainda era deputado federal –, que Maria do Rosário não merecia ser estuprada porque a considera “muito feia” e ela não faz o “tipo” dele.
Conforme a decisão, o presidente teria que veicular uma nota de retratação, sob pena de multa diária. A Justiça também determinou o pagamento de indenização de R$ 10 mil a Maria do Rosário por danos morais.
Em fevereiro deste ano, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, rejeitou recurso do presidente e manteve a decisão da Justiça do Distrito Federal, que havia determinado pagamento da indenização à parlamentar.
“Em razão de determinação judicial, venho pedir publicamente desculpas pelas minhas falas passadas dirigidas à Deputada Federal Maria do Rosário Nunes”, diz a nota publicada pelo presidente, que acrescenta:
“Naquele episódio, no calor do momento, em embate ideológico entre parlamentares, especificamente no que se refere à política de direitos humanos, relembrei fato ocorrido em 2003, em que, após ser injustamente ofendido pela congressista em questão, que me insultava, chamando-me de estuprador, retruquei afirmando que ela ‘não merecida ser estuprada’’.
Bolsonaro ainda declarou na nota que tem “integral e irrestrito respeito às mulheres” e que as “mulheres brasileiras constituem uma prioridade” de seu governo, o que é demonstrado por meio de “ações concretas”.
Ele também lembrou que, na posse como presidente da República, houve “protagonismo” feminino, com o discurso em libras da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
“Nos primeiros meses de governo reforcei a Lei Maria da Penha permitindo a adoção de medidas protetivas de urgência para mulheres ou a seus dependentes, em casos de violência doméstica ou familiar (Lei 13.827/19). Essas são algumas das nossas ações em tão pouco de governo em prol das mulheres e meninas do nosso país”, diz a nota.
Maria do Rosário
Na noite desta quinta, a deputada Maria do Rosário afirmou que a publicação da nota por Bolsonaro é uma “vitória de todas as mulheres agredidas e ofendidas” pelo machismo.
“Considero uma vitória de todas as mulheres agredidas e ofendidas diariamente pelo machismo em nosso país. Quanto ao teor da nota, cabe aos meus advogados e à Justiça proceder à análise se a sentença que o condenou à retratação foi integralmente cumprida. Que este episódio sirva para fortalecer uma cultura de respeito às mulheres”.
Quando a Justiça determinou o pagamento de indenização e a publicação da nota, em maio, Rosário publicou um vídeo em suas redes sociais e afirmou se tratava de uma “vitória importante”. “É uma vitória do respeito, da dignidade”, disse. Ela afirmou ainda que doará o valor da indenização para entidades que atuam em defesa das mulheres.
À noite, advogados da deputada divulgaram nota (leia a íntegra ao final desta reportagem) na qual afirmam que a nota de Bolsonaro, não atende à determinação da Justiça e que isso será levado ao conhecimento da juíza que deu a decisão.
De acordo com a assessoria jurídica da deputada, a nota contém “informações inverídicas” e é uma tentativa de justificar a conduta de Bolsonaro.
“Após a primeira frase da nota em que consta a palavra “desculpas”, todos os demais trechos se dedicam, em contrariedade à determinação judicial, a tentar justificar a conduta do réu no ano de 2014. Ademais, a nota veicula informações inverídicas, como o fato de que a ofensa dirigida à parlamentar teria sido uma resposta a suposta ofensa proferida pela deputada”, diz o texto
Nota de retratação de Bolsonaro
Leia abaixo a nota divulgada por Jair Bolsonaro em redes sociais.
Nota dos advogados de Maria do Rosário
Leia abaixo a íntegra de nota divulgada pela assessoria jurídica da deputada Maria do Rosário.
Nota da Assessoria Jurídica da Deputada Maria do Rosário
Na tarde de hoje (13) foi publicada “Nota de retratação” de Jair Messias Bolsonaro – presidente da República, em decorrência de condenação judicial nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais movida pela deputada Maria do Rosário (Processo 2014.01.1.197.596-2).
Após a primeira frase da nota em que consta a palavra “desculpas”, todos os demais trechos se dedicam, em contrariedade à determinação judicial, a tentar justificar a conduta do réu no ano de 2014. Ademais, a nota veicula informações inverídicas, como o fato de que a ofensa dirigida à parlamentar teria sido uma resposta a suposta ofensa proferida pela deputada.
O processo atestou a falsidade desse fato e comprovou que as ofensas disparadas por Jair Bolsonaro contra a deputada Maria do Rosário não guardavam qualquer relação com sua atividade legislativa, razão pela qual não se encontravam protegidas pela imunidade parlamentar.
Portanto, não é razoável que, no momento de dar efetivo cumprimento à decisão transitada em julgado, com reparação à pessoa ofendida, o réu se valha dessa oportunidade para renovar os debates sobre os fatos já superados ao longo do processo e subverter aquilo que foi reconhecido pela Justiça. Tampouco é razoável que o réu aproveite essa oportunidade para tentar, uma última vez, justificar sua injustificável e inaceitável conduta.
O processo judicial que resultou em sua condenação se debruçou cuidadosamente sobre os fatos e, diferente do que afirma a nota, entendeu que a conduta de Jair Bolsonaro no episódio, longe de ser justificável, foi ilícita, resultado em ofensa à honra e à dignidade da deputada.
A postura do réu na referida nota, ao tentar justificar conduta considerada ilícita pelo Poder Judiciário, não é compatível com a afirmação de defesa e respeito às mulheres brasileiras.
Diante do exposto, a assessoria jurídica da deputada entende que a “Nota de Retratação” tal como redigida não atende à determinação da Justiça. E por este motivo, essas questões serão levadas ao conhecimento da Exma. Magistrada responsável pelo cumprimento da decisão judicial.
Dr. Cezar Britto
Dra. Camila Gomes
Dra. Yasmin Yogo
Dr. Rodrigo Camargo
–
Jair Bolsonaro grita atrás de Maria do Rosário durante audiência pública na Câmara, em setembro de 2016. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil