Curso de dois meses em Esteio (RS) teve encerramento nesse domingo com participação de Boaventura de Sousa Santos
Fabiana Reinholz, Brasil de Fato
Com uma tarde de sol e casa lotada, encerrou nesse domingo (16), em Esteio, região metropolitana de Porto Alegre, o primeiro curso de extensão “Pedagogias do Sul Global: Aportes para o Diálogo entre Movimentos Sociais e Saberes Insurgentes”. Produzido pela Universidade Popular do Movimento Social (UPMS) Vozes da Periferia, o curso é uma realização da parceria entre a Associação da Cultura do Hip Hop de Esteio, o Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos (IACOREQ) e a Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP). “Estamos em um momento muito complexo no Brasil, ter iniciativas desse tipo é extraordinário”, afirma Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e professor português, mentor do conceito da UPMS.
Em volta de uma tenda montada no pátio da Casa de Cultura Hip Hop, em Esteio, mulheres, homens, idosos, crianças, jovens, famílias, negras, negros, ciganas e demais integrantes dos movimentos sociais, sentados ou em pé, escutaram e dialogaram com Boaventura de Sousa Santos, sobre a importância de ser resistência no atual momento que se vive no mundo, e da relevância de espaços como a UPMS. Nascida no Fórum Social Mundial (FSM), de 2003, em Porto Alegre, a Universidade surge como espaço de encontro e intercâmbio dos movimentos sociais, para articular os conhecimentos diversos, fortalecendo novas formas de resistência e contribuindo para a reinvenção da emancipação social.
Depois da conversa, mediada por Rafael Diogo dos Santos, mais conhecido como Rafa Rafuagi, que “ensinou” Boaventura a cantar o rap, o professor autografou o livro “Rap Global”, que está na sua segunda edição. Também houve intervenções artísticas como a Congada de Osório, e apresentação do documentário Ser Criança, que fala sobre trabalho infantil.
A construção de um local de saber compartilhado
“Sou um otimista trágico, conheço as dificuldades do nosso momento, mas nunca me recuso a pensar que não há alternativa, tem que haver alternativa, ter resistência”, frisa Boaventura, ao explicar as motivações que fizeram com que se construísse a UPMS, que é de unir os saberes acadêmico e popular. Conforme expõe o professor, a universidade tem que ser descolonizada. “A universidade é o espaço de conhecimento dos vencedores, não o conhecimento dos vencidos, e, portanto, o conhecimento dos vencidos, e a história dos vencidos ficam fora da universidade, que perde com isso. Portanto essa grande fratura do conhecimento acadêmico que despreza o conhecimento popular, e o conhecimento popular que tem ressentimento do conhecimento acadêmico sempre nos prejudicou”.
De acordo com a professora de Direito Internacional da faculdade e coordenadora do projeto, Bianca Pazzini, a ideia do Vozes da Periferia é ser um espaço de ensino e aprendizagem que se pauta a partir da construção do saber de uma perspectiva não tradicional. “A ideia desse projeto, desse curso de extensão que é o primeiro da UPMS – Vozes da Periferia, a ideia é trazer a construção do saber não apenas a partir da lógica que se difundiu no ocidente que é de construção de um saber acadêmico, vertical que simplesmente impõe o conhecimento, mas de um saber compartilhado, que tanto o saber acadêmico se manifesta quanto o saber produzido pelos movimentos sociais”, expõe.
Para Maria do Carmo Moreira Aguilar, historiadora e integrante do IACOREQ, que atua no Estado há mais de 20 anos prestando assessoria a comunidades remanescentes dos quilombos, o importante do curso é ter visado o encontro de epistemologias. “Tivemos formadores acadêmicos, ativistas e mestres quilombolas, indígenas, que trouxeram para os cursistas os seus saberes, saberes que são invisibilizados pelo colonialismo, saberes que não estão dentro da academia. Esse foi o papel fundamental do curso e acho que conseguimos cumprir com isso, que é a união dos saberes. Tivemos quilombolas falando, dando aula, os alunos fizeram vivência em uma comunidade quilombola e puderam ver a relação dessas pessoas com seu território, a cultura, os saberes das comunidades, o contato com outros saberes”, conclui.
Suelen Aires Gonçalves, 32 anos, socióloga de formação, foi uma das 40 alunos do curso, composto de forma bem heterogêneo, idades que vão dos 17 aos 60 anos, entre eles, trabalhadores do comércio, juiz, advogado, sociólogos, antropólogos e sindicalistas. Para ela o principal motivador de ter se somado ao projeto é a possibilidade de pensar a partir das realidades, da construção do subglobal, contato com outras realidades. “Hoje se encerra um ciclo não só de conhecimento, mas de compartilhamento de outras experiências, que também são saberes. Também reflete a necessidade ter essa aliança da produção acadêmica intelectual, com a união da produção de conhecimento e das intelectualidades dessas militâncias dos movimentos sociais, de negros, feministas, indígenas” aponta.
Para Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, professora aposentada da Universidade Federal de São Carlos, a importância de cursos como o da “Pedagogias do Sul Global: Aportes para o Diálogo entre Movimentos Sociais e Saberes Insurgentes”, está justamente na troca de saberes e na valorização de iniciativas não formais. “O conhecimento não é produzido somente nas instituições de pesquisa, ou dentro de estabelecimento de ensino, aliás, boa parte dos conhecimentos que estão na universidade é oriunda da vivência das pessoas, das comunidades, então esse curso é importante. Mais do que nunca é preciso cursos dessa natureza que não tenha o papel de trazer informações, mas de criar informações, de criar conhecimento”, conclui.
Segundo Bianca, essa é primeira iniciativa de várias. “Nosso objetivo é construir um curso de graduação. A ideia é, pelo menos, no segundo semestre, lançar mais um curso de extensão como preparativo para essa graduação”.
Para conhecer melhor a proposta da UPMS:
Edição: Marcelo Ferreira.
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Imagem: “Estamos em um momento muito complexo no Brasil, ter iniciativas desse tipo é extraordinário”, disse Boaventura / Fotos: Fabiana Reinholz