‘O que gente vive na Ilha da Maré é racismo ambiental’, denuncia Eliete Paraguassu

Denunciada por quilombolas e pescadores, contaminação da Baía de Todos os Santos já foi revelada em estudos acadêmicos

Por Lucas Veloso, em Alma Preta

Eliete, moradora da Baía de Todos os Santos, foi com algumas pessoas até o Rio São Paulo. Quando chegou lá, desejou não estar, por conta do que viu: o rio e o mangue cheio de petróleo. “Sai agoniada, porque a gente veio, mas lá ficou assim, cheio de contaminação onde a gente pesca”, relembra ela, com o semblante triste.

Contaminação da água, pesca com bombas, empreendimentos que poluem o meio ambiente e causam mortandade de peixes e dos mariscos, além disso, atingem a saúde da população, causando doenças como o câncer. Esses problemas todos acontecem na Ilha de Maré, uma comunidade negra e rural, na Baía de Todos os Santos, Salvador.

“Estamos expostos à grave violência, sofrendo uma contaminação química crônica, com danos irreparáveis à saúde e ao modo de vida tradicional, com mortes e doenças, afetando especialmente crianças e idosos”, relata Eliete Paraguassu, uma das lideranças na região.

A própria Eliete já foi processada por fazendeiros da região e pela Petrobrás por conta de sua militância, contrária à exploração ambiental do lugar, onde cerca de 90% da população vive da pesca.

No final de maio, a Coordenação da Colônia de Pescadores da Ilha de Maré de Salvador apresentou uma denúncia ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em que denunciam a exposição química a que estão expostos, além de pedir ações de solução.

No documento, o grupo afirma que o governo brasileiro é omisso perante a situação e que não há compromissos sérios para enfrentar a vulnerabilidade causada pelos problemas ambientais.

“O Estado brasileiro tem sido omisso diante desta realidade, conivente com as irregularidades praticadas pelas grandes empresas e insensível diante do sofrimento das comunidades afetadas. Os estudos ambientais feitos pelo Estado e pelas empresas são maculados pelos interesses políticos”, apontam os quilombolas e pescadores.

Ao cobrar providências, sugerem uma visita in locu no local para conhecer a realidade, escutar as lideranças e realizar visitas e audiências junto aos órgãos públicos responsáveis pelos vários temas envolvendo os direitos humanos da região.

Nominalmente citam o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgãos públicos responsáveis pelo licenciamento de empreendimentos localizados no Porto de Aratú.

O Alma Preta entrou em contato com a assessoria de imprensa do Governo do Estado da Bahia e Petrobras, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.

Histórico

Foi na década de 1950 que algumas indústrias foram instaladas ali. O objetivo inicial foi atrair empresas derivadas. No decorrer dos anos, o Complexo Industrial de Aratu (CIA), o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC) além do Porto de Aratu-Candeias, responsável por 60% de toda a carga marítima no estado da Bahia, fator importante da economia.

Com toda a movimentação, a população começou a sentir as primeiras consequências, como o lixo industrial, vazamento de óleo e espécies que, naturalmente não eram daquele ambiente.

Estudos

Em 2013, Neuza Miranda, professora da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA) recebeu um prêmio no Congresso Brasileiro de Toxicologia. O motivo do prêmio foi uma pesquisa feita pela docente e que já mostrava as crianças da Ilha de Maré contaminadas com níveis altos de chumbo e cádmio lançado por indústrias locais.

“Ambiente enfermo”, esse foi o título dado à ilha na pesquisa de Neuza. O levantamento identificou intoxicação de 116 crianças de até 6 anos. A fonte da contaminação era o chumbinho, espécie de molusco que é a principal fonte de proteína dos menores, mas com alta concentração de metais pesados, cerca de 0,2 a 16,2 microgramas por grama, atestou o estudo.

No mesmo ano, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou um livro com o mapa dos conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no país. A Ilha da Maré apareceu como espaço que lutava para “afirmar identidade, titular territórios quilombolas e combater práticas de racismo e degradação ambiental, bem como atividades portuárias e industriais que põem em risco a alimentação e sobrevivência de 500 famílias”.

Racismo ambiental

“O que nós enfrentamos é racismo ambiental, institucional e tem cor: é preto”, atesta Eliete. “Se tem uma coisa que tenho visto é a lei do meio ambiente, que deve ser respeitada, mas está sendo rasgada em nome do dinheiro, da ganância”, completa.

O reverendo Benjamim Chavis foi assistente de Martin Luther King Jr. e atuou junto com ele no movimento pelos direitos civis. Também foi quem empregou o termo ‘racismo ambiental’ pela primeira vez.

Para ele, o termo deve ser usado quando há discriminação racial nas políticas ambientais. “É discriminação racial na escolha deliberada de comunidades de cor para depositar rejeitos tóxicos e instalar indústrias poluidoras. É discriminação racial no sancionar oficialmente a presença de venenos e poluentes que ameaçam as vidas nas comunidades de cor”, definiu.

“E discriminação racial é excluir as pessoas de cor, historicamente, dos principais grupos ambientalistas, dos comitês de decisão, das comissões e das instâncias regulamentadoras”, escreveu o líder religioso.

“Devemos respeitar quem cuida do meio ambiente. Não podemos rifar o meio ambiente em nome da ganância, como se a vida das pessoas não importasse”, enfatiza Eliete.

Imagem / Divulgação

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