Por Nathalia Passarinho, enviada da BBC News Brasil a Osaka
Uma das reuniões mais aguardadas da agenda do presidente Jair Bolsonaro no G20, uma reunião bilateral reservada com o presidente francês, Emmanuel Macron, aparentemente só existiu no cronograma do governo brasileiro.
Do lado da França, segundo disseram à BBC News Brasil membros da delegação de Macron, só havia a previsão de uma breve conversa informal com Bolsonaro, após o almoço dos líderes, que de fato aconteceu. Mas, na agenda do presidente brasileiro, havia uma reunião bilateral formal marcada para as 14h25.
Na manhã desta sexta-feira (28), o Itamaraty e a Presidência informaram que a reunião bilateral havia sido cancelada, mas não deram motivo. A BBC News conversou com dois integrantes da delegação francesa em Osaka, no Japão, que mostraram a agenda de Macron e afirmaram:
“Nós soubemos pela imprensa que havia reunião bilateral. Nunca houve essa previsão. O que há é uma conversa informal, após o almoço, num ambiente comum.”
Questionado sobre por que uma reunião bilateral havia sido marcada, depois cancelada e transformada num encontro informal, o porta-voz da Presidência, general Rego Barros, afirmou que as duas delegações estavam negociando uma reunião formal entre Bolsonaro e Macron para a tarde desta sexta.
Mas, segundo ele, o governo francês teria ligado para a delegação brasileira sugerindo que o encontro ocorresse às 23h de quinta, horário que teria sido considerado muito tarde pelo governo do Brasil.
“O presidente declinou e ficamos ao longo do dia buscando uma possibilidade de viabilizar esse bate-papo. Conseguimos um encaixe de horário e esse bate-papo ocorreu. Sob o ponto de vista diplomático (o encontro bilateral) não ocorreu”, declarou.
A imprensa brasileira fez uma série de perguntas para tentar esclarecer por que a reunião bilateral foi cancelada e por que a delegação francesa disse não ter sido informada sobre a reunião.
O porta-voz, então, disse que não responderia mais a perguntas sobre o tema por considerá-lo irrelevante diante de outras questões relacionadas ao G20.
As reuniões bilaterais entre presidentes ocorrem em sala reservada, na presença dos dois líderes e dos membros das delegações que forem selecionados para participar. Normalmente, há espaço para que a imprensa faça fotos e grave imagens.
Conforme havia dito a delegação francesa, após o almoço dos líderes do G20, Bolsonaro e Macron tiveram uma conversa informal de cerca de 20 minutos.
Segundo o porta-voz da Presidência, durante a breve reunião Bolsonaro convidou o presidente francês a “conhecer a Amazônia” e teria reforçado que o Brasil continua a fazer parte do Acordo de Paris.
“O objetivo dessa visita (de Macron à Amazônia) seria colaborar à narrativa verdadeira sobre o esforço que o presidente Bolsonaro vem realizando para que o meio ambiente seja preservado, mas que tenhamos a possibilidade de agregar a esse processo o desenvolvimento econômico”, disse Rego Barros.
Acordo comercial
O encontro entre Bolsonaro e Macron era considerado importante porque o Mercosul e a União Europeia estão negociando um acordo comercial de amplo interesse do Brasil.
A França é justamente quem mais tem imposto restrições a fechar o entendimento, sob o argumento de que o governo brasileiro não tem se mostrado comprometido com o Acordo de Paris – pelo qual as nações se comprometem a assumir metas de redução de gases poluentes.
Na quinta-feira (27), em conversa com jornalistas ao chegar a Osaka, Macron disse que a França se recusará a assinar um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia se o Brasil deixar o Acordo de Paris.
Alcançar o acordo de comércio entre os dois blocos é uma das principais missões do Ministério de Relações Exteriores do Brasil. O ministro Ernesto Araújo tem dito que um entendimento está perto de ser firmado, e Bolsonaro afirmou recentemente que o acordo seria assinado “em breve”.
Mas ambientalistas têm pressionado países europeus a não assinarem o acordo, em protesto contra a pauta do governo Bolsonaro sobre meio ambiente.
“Se o Brasil deixar o acordo de Paris, no que nos diz respeito, não poderemos assinar um acordo comercial com eles”, disse Macron a repórteres no Japão.
Perguntado sobre o motivo, ele respondeu:
“Por uma simples razão. Estamos pedindo aos nossos agricultores que parem de usar pesticidas, estamos pedindo a nossas empresas que produzam menos carbono, o que tem um custo de competitividade.”
Durante a campanha, Bolsonaro disse que tiraria o Brasil do Acordo de Paris, seguindo os passos do presidente americano, Donald Trump. Mas, depois que tomou posse, ele recuou e afirmou que, “por enquanto”, o país permaneceria.
Na manhã desta sexta-feira (28), em reunião antes da cúpula do G20, os países que integram os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) divulgaram comunicado conjunto declarando compromisso com o Acordo de Paris.
“Continuamos comprometidos com a plena implementação do Acordo de Paris, adotado sob os princípios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC)”, diz o documento, também assinado por Bolsonaro.
Mas os líderes das cinco nações também aproveitaram a oportunidade para cobrar dos países ricos compensações aos países emergentes e pobres pela preservação.
“Instamos os países desenvolvidos a fornecer apoio financeiro, tecnológico e de capacitação aos países em desenvolvimento para aprimorar sua capacidade em mitigação e adaptação. Esperamos que a Cúpula de Ação Climática da ONU, a ser realizada em setembro deste ano, produza resultados positivos.”
Críticas de Merkel
Macron foi o segundo líder europeu a adotar, nesta semana, um tom crítico em relação à política ambiental do governo Bolsonaro.
Na quarta (26), em sessão do parlamento alemão, em Berlim, a chanceler Angela Merkel disse que está “muito preocupada” com a atuação do presidente brasileiro na área de meio ambiente e afirmou que considera a situação “dramática”.
Ela havia sido questionada pela deputada do Partido Verde Anja Hajduk sobre se o governo alemão deveria continuar investindo nas negociações por um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul em um momento em que ambientalistas e defensores dos direitos humanos denunciam a deterioração de direitos relacionados a essas questões no Brasil.
“Eu, assim como você, vejo com grande preocupação a questão da atuação do novo presidente brasileiro. E a oportunidade será utilizada, durante a cúpula do G20, para falar diretamente sobre o tema, porque eu vejo como dramático o que está acontecendo no Brasil”, respondeu Merkel.
A chanceler, no entanto, disse que é contra impedir que o acordo com o Mercosul seja firmado por causa da posição brasileira em relação ao meio ambiente.
“Não acho que não levar adiante um acordo com o Mercosul vá fazer com que um hectare a menos de floresta seja derrubado no Brasil. Pelo contrário”, ressaltou Merkel.
“Eu vou fazer o que for possível, dentro das minhas forças, para que o que acontece no Brasil não aconteça mais, sem superestimar as possibilidades que tenho. Mas não buscar o acordo de livre comércio, certamente, não é a resposta para essa questão”, completou a chanceler.
‘Alemanha tem muito a aprender com Brasil’
Na quinta (27), ao chegar a Osaka, Bolsonaro criticou a declaração de Merkel e disse que a Alemanha tem “muito a aprender” com o Brasil sobre meio ambiente.
O presidente também afirmou que o Brasil precisa ser respeitado e que o governo brasileiro não está no G20 para “ser advertido”.
“Nós temos exemplo a dar à Alemanha sobre meio ambiente. A indústria deles continua sendo fóssil, vem parte do carvão. E a nossa não. Eles têm muito a aprender conosco”, disse.
Visivelmente irritado durante e entrevista coletiva com jornalistas em Osaka, Bolsonaro disse que o atual governo não “aceitará” tratamento que, segundo ele, presidentes anteriores receberam de líderes de países desenvolvidos.
“O governo do Brasil que está aqui não é como os anteriores que vieram aqui para serem advertidos por outros países. A situação é de respeito com o Brasil”, disse.
“Não aceitaremos tratamento como alguns chefes de Estado anteriores receberam antes.”
Perguntado se encarou como desrespeitosa a fala de Merkel, Bolsonaro aproveitou para por em dúvida a credibilidade da imprensa em geral.
“Eu vi o que está escrito. Lamentavelmente grande parte do que a imprensa escreve não é aquilo”, disse.
“Foi a imprensa alemã que escreveu”, rebateu um jornalista.
“A gente tem que fazer a filtragem para não se deixar contaminar por parte da mídia escrita principalmente”, continuou o presidente.
A fala de Merkel foi televisionada – ocorreu dentro do parlamento, durante uma sessão pública.
Desgaste para Brasil
A política ambiental do governo Bolsonaro tem se revelado o ponto de maior desgaste para o Brasil durante o G20 deste ano.
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que o governo insistirá na mensagem de que é preciso explorar as possibilidades econômicas da Amazônia, diversificando as atividades dentro e no entorno da floresta.
Ele ainda disse que o governo brasileiro vai exigir que países ricos paguem compensações a produtores rurais brasileiros se quiserem que o Brasil conserve mais a floresta.
Mas a imagem negativa do Brasil na política ambiental já provoca problemas para o governo até em negociações comerciais. O governo francês tem sido o mais duro nas tratativas sobre o acordo de comércio entre Mercosul e União Europeia, usando como argumento o fato de que o Brasil não parece comprometido com o Acordo de Paris.
A Floresta Amazônica é essencial para o controle das mudanças climáticas já que ela absorve e transforma, por meio da fotossíntese, parte significativa do CO2 da atmosfera.
Mas, por trás dessa postura do governo francês, também está a preocupação de que produtos agrícolas brasileiros prejudiquem a competitividade dos produtores rurais do país.
Meio ambiente também pode afetar negociação da OCDE
O diretor do grupo de estudos do G20 da Universidade de Toronto, John Kirton, também adverte que o Brasil terá que adotar um discurso “mais respeitável” em relação ao combate às mudanças climáticas, se quiser o apoio da União Europeia para o pleito de integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).
Entrar para esse seleto grupo integrado pelas mais ricas economias mundiais é um dos principais projetos do governo brasileiro. Fazer parte da OCDE funciona como uma espécie de selo de boas práticas comerciais e de desenvolvimento.
Um dos primeiros ganhos da nova relação do Brasil com os Estados Unidos foi conseguir apoio formal dos americanos para entrar na OCDE. Mas o governo brasileiro ainda precisará convencer os outros membros do grupo.
“O Brasil quer entrar na OCDE e praticamente todos os países que integram o grupo, com exceção dos Estados Unidos, acreditam numa solução multilateral liderada pela ONU para controlar as mudanças climáticas”, destacou Kirton em entrevista à BBC News Brasil.
“Se o Brasil quer avançar no seu desejo de fazer parte da OCDE, vai ter que adotar uma posição mais respeitável sobre mudanças climáticas, o que Bolsonaro não tem feito até agora.”
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Emmanuel Macron, Presidente de França. Foto: Yves Herman /Reuters