Do Informe Ensp
O Brasil é campeão mundial de uso de agrotóxicos, sendo que, em 2019, sua liberação foi significativa. Publicada na edição de junho de 2019 da revista Ciência Saúde Coletiva, uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) sugere que a exposição crônica a pesticidas de organoclorados (CO) e certos pesticidas não persistentes poderia levar à redução no número de diferentes glóbulos brancos de população agrícola de Farroupilha (RS).
Segundo a pesquisa, cerca da metade da população em foco relata mais de vinte e cinco anos de trabalho agrícola, 55% tinham misturado ou aplicado pesticidas há mais de dez anos, e 37% tinham pesticidas mistos / aplicados com uma frequência média maior ou igual a 60 dias por ano. As classes de pesticidas mais usadas pelos agricultores, na época da entrevista, eram herbicidas e fungicidas, e um terço dos entrevistados estava usando dois ou mais pesticidas, simultaneamente.
Os autores do estudo Camila Piccoli, Rosalina Koifman e Sérgio Koifman (in memoriam), da Ensp/Fiocruz, Cleber Cremonese, do Centro Universitário da Serra Gaúcha, e Carmen Freire, do Institute of Biomedical Research of Granada, Espanha, relatam que 56% dos participantes do estudo eram do sexo masculino, sendo a idade média dos participantes de 42 anos, e 87% deles (92% dos homens e 81% das mulheres) estavam diretamente envolvidos nas atividades agrícolas. Os participantes que não faziam parte dessas atividades eram parentes de fazendeiros que viviam em fazendas (filhos, filhas, esposas e outros não diretamente envolvidos em atividades de campo). Quase todos os participantes eram brancos (99,3%). Em relação à história médica, apenas um indivíduo relatou história de doença hematológica, enquanto 4 homens e 2 mulheres tinham história familiar de doença hematológica em primeiro grau.
Conforme o estudo, o herbicida glifosato e paraquat são os mais comuns já utilizados pelos agricultores, enquanto o mancozebe (um fungicida ditiocarbamato) e o sulfato de cobre são os fungicidas mais utilizados. “Fungicidas e ditiocarbamatos são as classes de pesticidas que apresentam o maior número de anos de exposição ao longo da vida, ou seja, utilizados por mais de vinte anos em mais de 40% dos indivíduos do estudo”.
A pesquisa menciona que a exposição humana a pesticidas tem sido associada a vários efeitos prejudiciais à saúde, incluindo desordens endócrinas, defeitos congênitos, efeitos neurológicos, hepáticos, respiratórios, imunológicos e câncer. “Essa ampla gama de resultados adversos sugere que os pesticidas exercem efeitos tóxicos sobre a saúde humana por meio de vários mecanismos de ação”. A esse respeito, completa o estudo, dados experimentais disponíveis indicam que muitos pesticidas também podem possuir propriedades hematotóxicas, levando à hematopoiese deprimida.
Também foi descrito, pelos pesquisadores, que as populações agrícolas nos países em desenvolvimento estão expostas a quantidades crescentes de misturas de pesticidas em altas concentrações e frequência, incluindo pesticidas severamente restringidos e proibidos nos países industrializados. Eles citam uma pesquisa realizada entre 2012 e 2013 em trabalhadores rurais e suas famílias em Farroupilha, cidade com 69 mil habitantes, localizada na Serra Gaúcha, no Estado do Rio Grande do Sul. De acordo com ela, ocorreram associações de exposição cumulativa a pesticidas, especialmente herbicidas e fungicidas ditiocarbamatos, com efeitos semelhantes aos do hipotireoidismo e pior qualidade espermática em trabalhadores agrícolas do sexo masculino na Serra Gaúcha, uma região agrícola familiar no sul do Brasil.
Com base na hipótese de que tanto os agrotóxicos persistentes como os não persistentes possam ter a capacidade de causar distúrbios hematológicos em humanos, os pesquisadores buscaram avaliar a relação das práticas de trabalho agrícola, uso de agrotóxicos não persistentes e níveis séricos de agrotóxicos com parâmetros hematológicos em residentes da fazenda na região.
A população agrícola da região está envolvida em atividades relacionadas ao plantio, poda e colheita de ameixas, pêssegos, uvas e kiwis. Assumindo uma taxa de participação de cerca de 90% e pelo menos três adultos por domicílio, 90 residências foram selecionadas, aleatoriamente, da lista de domicílios rurais do Secretaria Municipal de Agricultura para atingir o tamanho amostral estimado. Todas as pessoas com idade entre 18 e 69 anos morando nos domicílios selecionados foram convidadas a participar do estudo, representando o total de 301 pessoas.