Por Guilherme Carvalho, Macaréu Amazônico
Ando pelas ruas de Belém e é visível o clima de tristeza, sofrimento. É enorme a quantidade de pessoas nos faróis pedindo esmolas: velhos, crianças, indígenas venezuelanos…. A cidade está suja, esburacada, mal sinalizada, violenta. O lixo toma conta das ruas. À prefeitura inoperante se soma parte expressiva da população que se descompromissou com a cidade. O trânsito caótico é também lugar das arbitrariedades seja do Estado, seja dos próprios condutores. O desrespeito às regras ganha força. O “clima” da cidade reúne sentimentos diversos e, algumas vezes, conflitantes. Insatisfação, medo, revolta, desesperança. A baixa estima parece ter tomado conta de mentes e corações.
Aliado a isso há toda a situação do país. As instituições do Estado estão em frangalhos, resultado do golpe midiático-empresarial-partidário-jurídico-civil-militar que não somente contribuiu para a descrença generalizada, ao ódio à política e aos que pensam diferente, como levou ao chão a economia e à destruição de políticas públicas inclusivas e de instâncias de participação da sociedade civil. Por outro lado, nossa capacidade de reação enfrenta muitos obstáculos. Tudo está conectado.
A democracia representativa foi capturada pelas grandes corporações. Se tornou uma mera formalidade. Na verdade, com todos os seus limites, ela própria se constituiu num estorvo ao grande capital. Bolsonaro, Trump, o governo italiano, Macri e outros são expressões dessa decadência. Não há qualquer virtude neles e nos seus blocos de poder. Quer dizer sua única virtude é mostrar sem qualquer máscara, sem tergiversar, a sua sanha em destruir os pactos construídos ao longo de quatro séculos que resultaram no princípio de que todas as pessoas têm direito a ter direitos. Mesmo com todas as contradições existentes, tal ideia orientou ações governamentais e aprovação de tratados internacionais, entre outras iniciativas. Contudo, é justamente a noção de solidariedade que vem sendo atacada, desmontada, destruída. As pessoas sentem isso na pele, nas ruas, nas periferias, nos bancos dos hospitais, no aperto dos ônibus e trens, no abandono dos asilos e dos postos de saúde.
O professor Marildo Menegat em seu livro A crítica do capitalismo em tempos de catástrofe nos mostra de maneira objetiva que para o sistema capitalista uma parte considerável da humanidade já não tem serventia alguma. São pessoas cuja existência se tornou um estorvo ao sistema. Uma conclusão crua, dura, mas verdadeira. O desmonte da previdência, a extinção de direitos adquiridos, o aval para que os instrumentos de coerção do Estado sejam empregados até à despeito da lei, entre tantas outras situações, são provas cabais de que a barbárie está sendo naturalizada, sob aplausos de uma gama considerável da população. Os “bolsominions” não me deixam mentir.
Vejo crianças abandonadas pelas ruas e cá com os meus botões fico me perguntando: Quantos cérebros estamos desperdiçando? Quantos músicos? Quantos(as) cientistas? Quantos(as) professores(as)? E aí me dou conta de quanta alegria jogada fora. Quanto orgulho subtraído de um país. Quanta paz lançada ao limbo. Quanto afeto não vivido. Mas as ruas continuam sujas e esburacadas, as pessoas estressadas no trânsito, os postos de saúde cheios e sem estrutura. Precisamos reconstruir nossas formas de socialização. Isto é um ato revolucionário.