por Tyler Strobl, em RioOnWatch
Antes de 2010, os moradores do Metrô-Mangueira, favela próxima ao estádio Maracanã na Zona Norte do Rio, foram abordados por supostos funcionários da prefeitura—com a alegação que estavam no local para colher dados de quem precisava do Bolsa Família. Ansiosos para receber assistência, muitos moradores da comunidade “se inscreveram, dando suas informações pessoais para os ‘assistentes sociais’”. Mal sabiam eles que essa missão de coleta de informações não era para o propósito de registrar famílias para o programa federal; em vez disso, o processo de inscrição iniciaria um período de vários anos de remoção em massa da comunidade.
Segundo a prefeitura, nos quatro anos seguintes, 685 famílias foram removidas do Metrô-Mangueira. Quase imediatamente após o início das pressões do governo, 108 famílias foram intimidadas a aceitar abruptamente uma mudança imediata para condomínios do Minha Casa Minha Vida (MCMV) em Cosmos e Santa Cruz, na extrema Zona Oeste do Rio, a duas horas de distância. A maioria das famílias sobreviveu à tentativa inicial de remoção e se organizou sob a liderança de uma nova Associação de Moradores formada para resistir a uma pressão maior. Essas famílias (mais de 550 delas) resistiram com sucesso. No entanto, a demolição das 108 casas de seus vizinhos, espalhadas pela comunidade—intencionalmente deixando destroços, juntamente com o corte de eletricidade, água e coleta de lixo para tornar suas vidas um inferno—trouxe uma era de criminalidade, novas ocupações e riscos à saúde para a comunidade. Na época, segundo o jornal The Guardian, a comunidade se tornou uma “cidade fantasma”.
Nesse momento, os moradores começaram a lutar por um reassentamento próximo, e não por um deslocamento distante. Dois prédios habitacionais do MCMV, inicialmente destinados a indivíduos de renda média, que haviam sido construídos nas proximidades, tornaram-se o alvo. Os revistos esforços de resistência dos moradores foram recompensados: de 2012 a 2013, 246 famílias se mudaram para o complexo habitacional chamado Mangueira I e 217 para o complexo Mangueira II. O Mangueira I e II são condomínios quase idênticos situados ao lado um do outro, ambos ao pé do Morro da Mangueira. Enquanto isso, as últimas 92 famílias foram transferidas para o Bairro Carioca, em Triagem, um complexo do MCMV localizado a poucas estações de metrô, também muito melhor localizado em comparação com Cosmos ou Santa Cruz. Na época, o RioOnWatch foi informado pelos moradores de que os que estavam em Triagem foram reassentados por último por terem demorado mais na organização de sua papelada frente à burocracia.
Avançando para 2019. Apesar do brutal processo de remoção, o Metrô-Mangueira continua de pé. Rumores de que o local seria usado para construir um estacionamento para a Copa do Mundo—ou, posteriormente, um polo automotivo e área de lazer para as Olimpíadas—nunca foram realizados.
Enquanto isso, os destroços das demolições deixados pelas casas destruídas pelos tratores da prefeitura nunca foram recolhidos. E as demolições posteriores foram ainda mais grosseiras: buracos nas janelas e telhados, portas arrancadas, porém sem demoliram completamente as casas. Como resultado, desde então, ocorreram três ocupações distintas no Metrô-Mangueira: as casas em ruínas ainda permanecem e continuam ocupadas. Em dois casos, a polícia removeu novos ocupantes da comunidade e, embora um bom número tenha sido removido, a área ainda contêm vários pequenos comércios.
Enquanto isso, os moradores da Mangueira, nas proximidades, caminham diariamente pela área para chegar às estações de metrô e trem. Muitos ex-moradores, agora nos complexos habitacionais Mangueira I e II, evitam a área, pois serve como um lembrete diário do trauma da remoção.
Depois de vários anos morando nesses condomínios públicos originalmente destinados a pessoas de maior poder aquisitivo, a maioria dos moradores está satisfeita porque a Mangueira I e II são mais seguros, têm melhor acesso ao transporte público e estão mais conectados a serviços públicos como água e eletricidade do que as casas antigas.
Dito isto, muitos moradores lutam para se manterem firmes. “Falavam que iriam vir contas e mais contas. Quando nós viemos para cá, as contas só chegaram para a gente depois de três anos. Até então, a gente achava que não vinha conta nenhuma. A única coisa que a gente tinha que pagar era luz, gás e condomínio. Isso aí, ele [o prefeito] falou com a gente, que nós iríamos pagar. Mas essas outras contas aí, IPTU, taxa de incêndio, as parcelas dos nossos apartamentos, se você ler todas as cláusulas [no documento de reassentamento] nós somos isentos. Então, como é que nós vamos pagar uma coisa se no próprio documento que a própria prefeitura deu para a gente, nós estamos isentos. Quando chega as contas, a gente fica desesperada”, comentou Evalda “Val” Bezerra Alves.
Val está descrevendo um fenômeno muito familiar para os moradores de favelas removidos para unidades habitacionais. Moradores de favelas que não têm condições de pagar essas contas são repentinamente atingidos por despesas inesperadas que não faziam parte do acordo de reassentamento. Esta não é simplesmente a conseqüência infeliz da regularização fundiária. São promessas não cumpridas—possivelmente nunca legalmente codificadas, mas feitas no início—que caracterizam os negócios. Negociações viabilizadas por meio do mau uso da política nacional de moradia do MCMV, que supostamente assiste aqueles que precisam desesperadamente de moradia adequada. No caso do Metrô-Mangueira, uma comunidade de décadas com reivindicações dos moradores que resistiram a uma remoção brutal e prolongada, a moradia do MCMV era uma compensação por seu reassentamento. Eles tinham casas com revindicações de direitos e as entregaram em troca da moradia do MCMV. As prestações para pagar os apartamentos estão em clara violação deste entendimento.
Condomínios Mangueira I e II
Os condomínios Mangueira I e II não foram originalmente construídos para os moradores do Metrô-Mangueira, muitos dos quais se enquadram na Faixa de Renda 1 (que ganha de zero a duas vezes o salário mínimo mensal—até R$1.600 por mês). Em vez disso, os condomínios Mangueira I e II destinavam-se a famílias que se enquadram na Faixa de Renda 2—moradores que ganham entre R$1.600 a R$3.275 por mês, ou duas a quatro vezes o salário mínimo mensal. Liderados por moradores como Val e Madalena Aparecida de Assis—que agora faz parte do Conselho do Condomínio Mangueira II—os esforços de resistência da comunidade foram fundamentais para garantir o reassentamento de centenas de famílias para o local vizinho e uma moradia pública considerada melhor do que as de outros locais.
Como um programa habitacional federal, o Minha Casa Minha Vida não foi desenhado para dar suporte à remoções locais forçadas; destina-se a dar suporte as pessoas de baixa renda que não possuem moradia própria adequada. O programa atribui pagamentos mensais com base na faixa de renda da família. No entanto, os moradores do Metrô-Mangueira deveriam estar isentos dessas parcelas mensais em vigor porque já possuíam casas que foram dadas em troca. Em suma, eles não se inscreveram para o programa; foram forçados a se inscreverem. No entanto, em dezembro de 2018, os moradores começaram a receber mais uma conta—desta vez, da Caixa Econômica Federal. “[A conta] da Caixa começou a chegar em dezembro do ano passado. Esta [conta] é para nós pagarmos o apartamento. Dá para entender que a prefeitura vinha pagando até setembro, mas depois a prefeitura parou e a Caixa quer receber e jogou para gente”, lamentou Val.
“Nós não pedimos para sair de lá. Foram eles [o governo] que tiraram a gente de lá. Então, a gente não tem que pagar nada. O certo é esse. Foi uma promessa que fizeram para a gente. Depois mudou de prefeito, e esse novo prefeito [Marcelo Crivella] não está pagando”, acrescentou Madalena. Segundo Val e Madalena, os moradores conseguiram rastrear os pagamentos até setembro de 2018, quando a prefeitura pareceu parar de desembolsar os recursos. Val e Madalena informam que agora são cobrados R$54 e R$32 por mês, respectivamente, enquanto alguns moradores recebem contas de até R$100 e R$200. Esses valores correspondem aproximadamente ao cronograma tradicional de amortização do Minha Casa Minha Vida (ajustado em 2014), segundo o qual as prestações mensais são definidas como iguais a 5% da receita bruta mensal das famílias que se enquadram na Faixa de Renda 1.
Embora isso não pareça muito, acrescenta peso extra aos ombros das famílias do Mangueira I e II. De acordo com Val, ela gasta aproximadamente 80% de seu salário mensal apenas nas contas. E ela sabe que para muitos moradores é pior do que para ela. Segundo Daniela Ferreira de Oliveira—engenheira urbana da UFRJ que pesquisou uma faixa de indivíduos assentados em Mangueira I e II e Triagem—a maioria dos que foram removidos eram mulheres, e indivíduos entre as idades 26 e 39. Daniela observou que grande parte dos removidos eram adultos jovens e, portanto, indivíduos em idade ativa. Dos trabalhadores entrevistados, a maioria não completou o 8º ano, sendo que 37% ganhavam até duas vezes o salário mínimo mensal e 53% ganhavam de duas a quatro vezes o salário mínimo mensal. Isso coloca 90% dos moradores trabalhando diretamente dentro das Faixas de Renda 1 ou 2. No entanto, dividir a renda familiar total pelo número de membros da família dá uma imagem mais precisa: 49% têm renda per capita entre R$0-500 e 39% entre R$501-1.000.
O Impacto das Remoções
Enquanto pode-se dizer que os moradores removidos do Metrô-Mangueira saíram com uma situação relativamente melhor do que muitos removidos de suas casas em favelas cariocas na última década, a autora citada acima comentou: “Considerando outra realidade socioespacial, os condomínios do MCMV e todos os custos dos serviços que vêm associado a eles, essa renda acaba não sendo tão adequada”. Val e Madalena refletiram esse sentimento e afirmaram que famílias específicas lutam mais que outras, especialmente no Mangueira I, que foi concluído em primeiro lugar e que abriga muitas famílias que ficaram desesperadas para sair do Metrô-Mangueira por a comunidade ter sido deixada quase em ruínas. O desespero é, portanto, fruto de situações históricas de pobreza de alguns moradores e exacerbado pelas horrendas condições deixadas pelo governo ao destruir partes da comunidade em um esforço para remover moradores.
“Tem gente aqui que nem tem condições para sobreviver. Como irão ficar pagando contas? Tem gente que recebe menos de um salário mínimo e têm filhos pequenos dentro de casa. Eles nem têm condições de pagar alimentação no dia a dia. Tem um exemplo aqui do lado, ela tem três filhos. O marido dela trabalha na feira vendendo peixe. Ela só recebe Bolsa Família. Eu pensei que tinham abandonado o apartamento porque está sem luz. Tem gente vendendo apartamento por preço de banana, quase dado porque não está conseguindo pagar as contas, e está voltando para outras favelas. Eu paguei mês passado R$550, só de conta”, refletiu Val.
A situação aponta para a ineficácia da remoção como política pública de habitação, especialmente quando implementada em conjunto com o programa federal Minha Casa Minha Vida. Tem sido demonstrado que o MCMV pode reproduzir as desigualdades sociais e a favela do Metrô-Mangueira é um caso emblemático. Em um esforço para “mudar este cenário de vulnerabilidade e oferecer condições mais dignas de vida aos moradores”, o governo, com efeito, trancou os moradores em um ciclo no qual a mobilidade ascendente é quase impossível, forçando muitos a viverem em más condições e outros a voltarem para favelas e começar de novo. Sem apoio contínuo ou recursos do governo, os moradores notaram que sua torre de água, que contém água para o Mangueira I e II e foi doada por uma parceria com o governo alemão, está em péssimo estado. Os moradores não foram treinados em manutenção ou gerenciamento. Os condomínios também têm aquecedores de água movidos a energia solar, mas o equipamento conta com a capacidade de pessoas de fora em vez dos próprios moradores.
O prefeito Crivella planeja construir vários outros condomínios do MCMV na região da Mangueira nos próximos anos, alguns dos quais abrigarão indivíduos removidos. Mangueira I e II têm, indiscutivelmente, alguns dos melhores resultados quando se trata de remover moradores para moradias populares: os moradores se sentem mais seguros, estão perto de onde viviam antes e têm melhor acesso aos serviços públicos. No entanto, mesmo nas proximidades de Triagem, uma menina de 11 anos foi atingida por uma bala perdida quando os combates começaram entre facções de traficantes e policiais. Outras comunidades vivenciaram situações significativamente piores em moradias públicas sendo transferidas para a extrema Zona Oeste—longe de serviços, de suas vidas antigas e, em alguns casos, em regiões controladas por milícias. O caso Metrô-Mangueira exemplifica as dificuldades enfrentadas por moradores após a remoção, mesmo quando as autoridades garantem um “melhor cenário”. A prefeitura faria bem em cumprir suas promessas antes de iniciar a construção de novas moradias públicas na área. Como Val descreveu, resumindo a situação dos moradores: “Aqui você tem que correr atrás. Hoje em dia a gente chora quando as contas vêm”.