Há 50 anos, uma universidade brasileira desenvolve, na reserva indígena, experiência rara de descolonização do saber. Quase ignorada, ela pode agora ser acessada, numa série de vídeos. Outras Palavras tem a satisfação de apresentá-los
por Peripécia Filmes / Outras Palavras
O Parque do Xingu foi a primeira terra demarcada para os indígenas no Brasil, em 1961. Hoje, com o nome de Território Indígena do Xingu, tem uma área equivalente à do estado de Alagoas, onde vivem 16 etnias distintas porém muito articuladas entre si — e que resistem há décadas a constantes ameaças do agronegócio. Ainda nos anos 60, a Escola Paulista de Medicina, encabeçada pelo professor Roberto Baruzzi, começou a fazer expedições para tratar dos indígenas que ali moravam, e explorar a região. Ele foi um dos primeiros a perceber a importância de não utilizar o local apenas como fonte de pesquisa, mas que era necessário dar alguma contrapartida às aldeias.
O Projeto Xingu, hoje tocado pela Unifesp, é constituído por três áreas: assistência à saúde, pesquisa e ensino. Foi muito importante, ao longo dos últimos 50 anos, para conter doenças, aumentar a expectativa de vida e diminuir a mortalidade infantil dos indígenas. Mas, ao longo do tempo, os cientistas perceberam que para além de “levar o conhecimento”, era necessário estabelecer uma troca entre as comunidades e a universidade. Antes de tudo, porque não basta levar medicamentos e transferir conhecimento — é preciso criar um vínculo com as etnias, compreender como cada uma vive, trabalha e se organiza, e qual sua relação com a doença.
Há também espaços ambulatoriais e hospitalares na Unifesp para receber os indígenas em São Paulo — onde há, inclusive, um enriquecedor diálogo entre eles e os pesquisadores e alunos. Mas não é apenas para tratar a doença que eles vêm. Há projetos que trazem lideranças indígenas para dar palestras e aprender sobre a medicina branca, formando agentes indígenas de saúde, que depois voltam para trabalhar com seus povos. O processo de saúde é construído por médicos, mas também por pajés, benzedores, rezadores, parteiras.
Defender a ciência e o conhecimento, em tempos em que a extrema direita põe em dúvida ideias básicas como as vacinas, o formato da terra e o recenseamento demográfico, não é apenas proteger a produção acadêmica, ou elegê-la como superior. É também compreender o mosaico de saberes provenientes da diversidade cultural de um país como o Brasil — e poder desenvolvê-los em conjunto. A série de vídeos Universidade Pública, Conhecimento Público celebra os 25 anos da Universidade Federal de São Paulo, mas também exalta e defende o conhecimento produzido por cientistas e pesquisadores brasileiros — pilar importante que ajuda a sustentar o país, e se empenha em transformá-lo em tempos de escuridão.
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Foto: Nádia Pontes/Deutsche Welle