“É preciso mudar o sistema e não o clima”
Reunidos entre os dias 26 e 27 de julho de 2019, no Convento São Francisco, em Salvador (BA), aproximadamente 80 representantes das Pastorais Sociais, Povos Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhos, Pescadores e Pescadoras, Moradores de Rua, Movimentos Populares, Entidades do campo e da cidade, professores e estudantes, participaram do Seminário Regional: “Mudanças climáticas – impactos e reações das populações da Bahia e Sergipe”, evento promovido pelas Pastorais do Campo do Regional Nordeste 3 da CNBB (CPT, CIMI, CPP, Cáritas) e a Rede Jubileu Sul Brasil, com apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE.
O seminário teve como objetivo principal proporcionar um espaço de troca de experiências e de formação, bem como planejar ações conjuntas. Também se buscou fortalecer a ação do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social da Bahia e Sergipe.
Percebemos nas reflexões e debates do seminário que os modos de produção capitalista e seus modelos de desenvolvimento, definidos e implantados no Brasil pelos chamados “donos do poder” desde a invasão em 1500, é excludente e predador, agride e violenta a Mãe Terra. Ao longo da história ele apenas de forma multifacetada foi mudando de nome, se contrapondo e tentando destruir os projetos de vida dos povos, que neste território já viviam e os povos sequestrados da Mãe África, que resistiram e resistem há mais de 519 anos.
Hoje as propostas de produções de matrizes energéticas, como as usinas nucelares, parques eólicos, placas solares, os desejos e ataques do agro e hidro negócios, mineração, empreendimentos turísticos, monoculturas do eucalipto, soja, algodão, cana, a mercantilização da natureza, dentre outras. Também no meio urbano o racismo estrutural, ambiental e religioso, aumentando o esfacelamento do tecido social. Tanto no campo como na cidade a negação das espiritualidades ancestrais em sobreposição ao comércio da fé e da religião espetáculo, a criminalização das lutas e das lideranças, o assassinato sistemático e premeditado da juventude em especial a negra e empobrecida.
Repudiamos a continuidade do violento processo de colonialismo com a postura fascista do Governo Federal, com sua política de desmonte das políticas sociais e da participação cidadã nos Conselhos de Direitos, criminalização das lutas sociais e da pobreza. O congelamento dos gastos sociais, reforma trabalhista e a reforma da previdência, vão no caminho da precarização e escravização dos trabalhadores e trabalhadoras, em especial das mulheres do campo. Ou seja, ataca frontalmente os direitos humanos e sociais duramente conquistados ao longo da história, e se soma a esta situação a postura insensível e descomprometida do governo da Bahia em relação aos ataques que vem ocorrendo as populações indígenas e tradicionais do Estado, o que vem a agravar ainda mais este quadro já relatado.
Denunciamos também os países ditos desenvolvidos e ricos, que financiam estes projetos de morte, para se manterem como detentores de alta qualidade de vida, as custas do suor e sangue e das vidas das populações, que continuam “invadindo e massacrando as populações indígenas”, como no sul da Bahia, no ataque do empreendimento Vila Galés ao território do Povo Tupinambá, bem como os grandes projetos do hidronegócio, agronegócio, mineração, energias eólicas em todo o Estado da Bahia e Sergipe. Visando barrar a implementação desta agenda de retrocessos, de retirada de direitos e de entrega do patrimônio nacional pelo governo Federal e dos Estados, os participantes do encontro acreditam que é preciso rearticular as ideias de cidadania, soberania popular e soberania alimentar. As reflexões do Seminário Regional conclamam a toda a sociedade o engajamento na luta e defesa da democracia e a se mobilizarem na vigilância da retomada e manutenção do Estado Democrático de Direitos, bem como na construção da Soberania Alimentar como uma questão de toda sociedade brasileira e não só dos camponeses e camponesas.
Diante deste quadro assombroso, nos preocupamos, mas não nos abatemos e nem nos amedrontamos. Aprendemos com os Povos Indígenas a resistir, nos forjamos nas lutas e rebeldia dos povos negros e ainda por cima somos sertanejos e sertanejas acostumados com as “pelejas” que a vida nos ensinou. Percebemos a necessidade de descolonizar o saber, de apostar e fortalecer as diversas e inúmeras experiências do Sumak Kawsay, Suma Qamana, Teko Pora[i], Bem Viver, de investir ainda mais nas incidências e denúncias internacionais, favorecer e potencializar os processos de organização e formação priorizando as juventudes, estabelecer agendas conjuntas de lutas. Ter as espiritualidades ancestrais como fontes inspiradoras das lutas, reforçar e aprofundar as concepções da importância da terra/água e dos territórios como espaços primordiais das lutas e da resistência. Ir para além do processo de resistir…
É preciso revisitar as nossas práticas de enfrentamento e resistência, realimentando nossa esperança e com criatividade e alegria construirmos um novo projeto de sociedade para o Brasil que queremos, tendo a Terra Mãe como nossa referência maior, respeitando seus direitos.
Por fim reafirmamos e apoiamos os encaminhamentos e reflexões já feitas durante o Seminário Laudato Si realizado em Feira de Santana em 2017, bem como, as estratégias definidas pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social.
É preciso resistir para existir….
Pelourinho/BA, 27 de julho de 2019.
[i]Expressões para designar o “Bem Viver”, projetos de vidas dos povos indígenas, nas suas próprias línguas. Disponível em: http://ne3.caritas.org.br/carta-seminario-regional-mudancas-climaticas/
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Haroldo Heleno.