Quebrando o tabu? Ou o quê? Por Alceu Castilho

Alceu Castilho

Marcelo Freixo conversando com Janaína Paschoal. Bom. Vamos lá. E tentemos respirar enquanto estamos sendo estrangulados. Não deveria ser problema um político conversar com uma política. O que se questiona é a postura. E a capitulação da esquerda ao discurso da “polarização”, como se a esquerda no Brasil tivesse assumido o poder e promovido uma caça à direita – ou tivesse ido às ruas para espancar bolsonaristas e héteros.

Eu vejo Freixo tirando perguntas em papeizinhos e chamando Janaína de Jana. Nome lindo, Janaína. Mas Janaína Paschoal não foi um personagem diminuto nestes anos terríveis em que a violência – a violência contra excluídos – ganhou naturalizações fascistas. E políticas. E midiáticas. Carinho com Jana é carinho com quem avalizou a chegada de milicianos e apoiadores da tortura ao poder. Um flerte com o obscurantismo.

Caímos na velha esparrela de ter de sentar com o algoz. Como naquela aberração do jornalismo isentão, que coloca uma vítima do holocausto para debater com o oficial nazista. Com uma espécie de Marília Gabriela a mediar o encontro, olhando de modo equânime para os dois, a legitimar os dois lados. “Davi e Golias, por favor, agora chacoalhem suas mãos”. Como aquele irmão menor – que acabou de ser espancado – obrigado a abraçar o irmão mais velho.

O movimento de Freixo não é o único. O Sakamoto começou a participar de um programa no YouTube onde discute com um suposto liberal. Certo, também não deveríamos questionar o fato de um jornalista debater com outro. O problema embutido é que existe em todos esses casos não somente uma força gravitacional da direita a pautar o debate, mas uma órbita da barbárie. Queremos conversar, que legal, mas talvez o verdugo queira apenas promover um simulacro.

Como se estivéssemos voltando às condições normais de temperatura e pressão com esses bons modos e essas intenções louváveis, retomando alguma “festa da democracia” nunca realizada. E não participando de um banquete canibal, onde o cardápio movido a sangue tenha sido devidamente escolhido e printado por sociopatas a quem subitamente decidimos nos dirigir com salamaleques e ponderação compungida.

Enquanto isso, o terror. O pavor imposto por polícia e milícias – por máfias – nas periferias e nas comunidades indígenas.O desmatamento a 120 por hora encoberto pela mentira e pela absoluta falta de escrúpulos. O medo vivido por gays e lésbicas, o extermínio de travestis e presidiários. A condenação de dezenas de milhões a uma velhice subtraída. Toda essa nossa história vexaminosa multiplicada por promotores de fake news com quem agora, parece que decidimos, temos de sentar para conversar.

Como se negociar no limite da extrema direita fosse nos trazer de volta alguns centímetros de contornos civilizatórios. Como se os filhos dos plutocratas e os manipuladores a serviço dessa gente estivessem dispostos a nos conceder de volta os territórios subtraídos, territórios subtraídos mediante rapina e coação. Apenas porque decidimos mostrar novamente que somos bons moços, olhem aqui nossos sorrisões, vejam como nós somos resilientes, fazemos até de conta que tudo isso não é uma farsa.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

19 − 12 =