por Elaine Tavares, em Palavras Insurgentes
Com o fim da exigência do diploma para exercer a profissão e o fortalecimento das mídias digitais os temas da figura do jornalista e a existência do jornalismo têm me perseguido. Observo que as empresas estão contratando “produtores de conteúdo” em vez de jornalistas para as redes sociais ou para seus portais de informação. Digo informação porque não poderia dizer notícias, já que uma notícia exige no mínimo checagem e re/checagem da informação. E o que se vê, na maioria desses portais é o reaproveitamento de textos de outras pessoas, as quais não temos conhecimento se são jornalistas ou gente capacitada a redigir uma boa reportagem.
Aprendi com Adelmo Genro Filho que uma notícia não é apenas um amontoado de palavras a responder as seis perguntas básicas: o que, quem, onde, como, quando, por quê? Uma notícia é uma forma de conhecimento que parte da singularidade de um fato, mas que precisa conter em si a particularidade e a universalidade que envolve o dito fato. Isso é coisa que exige um grande esforço intelectual, capacidade de síntese, densidade de informação. Ou seja, é um fazer que demanda muito da pessoa, exigindo uma formação sólida tanto na técnica, como na teoria e no conhecimento geral. Assim, escrever uma notícia capaz de oferecer toda a atmosfera totalizante que envolve determinado fato é pedreira. Coisa de jornalista.
Mas, com o advento das redes sociais e dos portais eletrônicos, encontrar uma notícia tem sido cada vez mais difícil. Acha-se muito texto superficial, muita bobagem e muita mentira. Mas, uma notícia mesmo, tá difícil, o que me faz pensar na difícil existência do jornalista e do jornalismo nessa selva de artificialidades e desinformação.
Outro dia, vendo TV, algumas pessoas que desconheço, mas que ali estavam dizendo barbaridades, eram apresentadas nos créditos como “fulana de tal, digital influencer”. Dois elementos já me saltaram como ridículos: o nome em inglês (típico do colonialismo cultural) e a situação em si, uma socialite contando de suas aventuras na noite do Rio. Que influência isso pode ter, perguntei-me? Mas, no geral, os canais de TV, sejam abertos ou por cabo ou fibra, são fábricas de ideologia. Então, prestei muita atenção ao que ela dizia. Frivolidades de uma pessoa que vive num Rio de Janeiro muito específico, típico de uma classe alta, endinheirada, que pode andar pelas baladas ou frequentar as “boas praias”. Uma rotina absolutamente descolada da maioria das gentes. E ainda assim a garota é uma influenciadora digital. Dita modas, cria gírias, impõe um padrão.
Nas redes sociais observa-se a mesma coisa. Existem pessoas que têm milhões de seguidores unicamente porque ali estão mostrando seu dia-a-dia, dizendo bobagens. Isso virou uma febre. Não tem a menor importância se o que a pessoa está dizendo tem alguma ligação com a realidade, com a verdade das coisas. Não importa. A pessoa falou, e disse. E forma opinião. E aquilo vai se reproduzindo nos grupos de uatizapi e facebook criando bolhas e bolhas de mentiras e superficialidades. Uma algaravia sem sentido que assume o sentido da verdade. A opinião pública sendo fabricada pelos tais influenciadores digitais.
E o jornalismo? Onde anda? Sequer aparece nos telejornais das grandes redes ou nos espaços de notícias dos grandes portais onde a quantidade de barbaridades e manipulações chega às raias da loucura. Nem mesmo a regrinha liberal de mostrar os dois lados está sendo cumprida. É a deslavada produção da mentira, sem qualquer prurido.
Quando no início do século 21 comecei o mestrado na PUC de Porto Alegre meu adorável orientador, Francisco Rüdiger, me provocava com essa assertiva: o jornalismo morreu. E eu insistia que não, estava vivo, escapava nas grandes redes e vivia pleno nos veículos alternativos, populares e comunitários. Hoje, não sei mais. Mesmo nas propostas de esquerda, vicejam os “digital influencers”, as propostas de “transmissão ao vivo” e também aparecem mentiras. Há pouca mediação jornalística, aquela coisa de produzir conhecimento, análise, baseado em informações seguras, colhidas pelo próprio repórter. Não é sem razão que muitos textos, ditos notícias, podem ser produzidos por robôs.
São questões que têm me assombrado, jornalista que sou. Haverá jornalismo nesses tempos vertiginosos? E se há, como fazer com que chegue às multidões? E se chegar, será bem recebido? Perguntas e perguntas a me torturar!