#ODS_4: O incentivo à leitura forjado em bibliotecas cidadãs

Atitudes de pessoas comuns fazem a diferença em suas comunidades e municípios e são fonte de inspiração em um país no qual o analfabetismo é ainda um desafio a se superar; são exemplos na busca do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS-4), na seara da educação
 

Por Sucena Shkrada Resk, no Blog Cidadãos do Mundo

Algumas histórias fazem a diferença no percurso de vida de milhares de pessoas por este Brasil em um contexto desafiador que revela ainda um número considerável de analfabetos no país: 11,3 milhões de pessoas, que correspondem a 6,8% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na atual Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad contínua). Como de analfabetos funcionais, que representam 30% da população, de 15 a 64 anos, de acordo com o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), coordenado pela Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro, com realização da Ação Social do Ibope. São iniciativas despretensiosas de incentivo à leitura – um dos componentes principais neste processo -, que se traduzem em exemplos de bibliotecas cidadãs em diferentes estados.

O incentivo e acessibilidade a esse contingente de brasileiros se torna cada vez mais necessário, nesta conjuntura. Segundo o Censo Escolar 2018, organizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), no ano passado, houve a queda de 1,5% de matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA) com relação ao ano anterior, o que representa 3,5 milhões de estudantes.

Ao mesmo tempo, o país apresenta a relação de uma biblioteca pública para cada 30 mil habitantes e atualmente no território nacional existem um pouco mais de 7 mil bibliotecas (oficiais) registradas no Sistema Nacional de Bibliotecas, do extinto Ministério da Cultura.

Bibliotecas cidadãs

Com o exemplo protagonizado por estas bibliotecas cidadãs, qualquer tipo de estereótipo cai por terra, pois se trata de uma desconstrução com o objetivo de mostrar que a sociedade também tem um poder incalculável para colocar em prática mecanismos, que servem de exemplo, para atingir alguns dos propósitos do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4, da Organização das Nações Unidas (ODS4/ONU), como o que trata de assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos até o ano de 2030. Atitudes locais que se baseiam em consumo sustentável, o ODS12, e que deveriam ser compromissos permanentes de políticas e gestores públicos.
Uma dessas histórias inspiradoras aconteceu no extremo sul da zona Sul de São Paulo, no bairro de Parelheiros, em 2009, em uma região de proteção ambiental, e envolveu um coletivo de jovens moradores, entre eles, Bruno Souza, Ketlin Santos, Rafael Simões, Sidineia Chagas e Silvani Chagas, com apoio do Instituto Brasileiro de Estudo e Apoio Comunitário (IBEAC). (veja reportagem da TV Gazeta). Lá havia uma biblioteca comunitária instalada na unidade de saúde do bairro, que ficou pequena para abrigar o acervo, com títulos nacionais e estrangeiros, frutos de doações, que hoje chega a mais de 4 mil exemplares. Sem pensar duas vezes, estes estudantes se juntaram para encontrar outro local, tendo em vista que a região é carente desses espaços.

O mais inusitado ocorreu: a nova sede que abriga, deste então, esse universo da literatura, é a casa do antigo coveiro cedida pela administração do cemitério Colônia, do ano de 1829. Sem melindres, crianças e adultos continuam se enveredando pela literatura e o aprendizado, com direito a saraus, e projetos culturais na Biblioteca Caminhos da Leitura. Esses articuladores buscam constantemente apoio de organizações e empresas para aprimorar o projeto, que vêm sendo cruciais para a manutenção da biblioteca, que já tem o reconhecimento da Secretaria Municipal da Cultura. Metaforicamente fogem dos “fantasmas” do descaso com a educação pública.

Outro exemplo vem de Minas Gerais. O que para muitos era lixo, em um descarte irresponsável, se tornou preciosidade nas mãos de membros da Associação de Catadores de Material Reciclável de Mariana (Camar). Nesta garimpagem do dia a dia, encontraram mais de 200 livros, que compõem a biblioteca ou espaço de leitura da organização.

Mais uma vez a zona sul de São Paulo traz uma experiência e tanto no meio das ruas. Na região de Campo Limpo, o cearense Paulo da Silva, que vive em situação de rua, tem um verdadeiro acervo literário. Esta personagem especial foi encontrada pela imprensa e destacada em reportagem recente, deste ano, na revista Época (confira). Com uma maneira, de certa forma, singela, ele usa a “plaquinha” – ‘aceito doações de livros’. Ele empresta e presenteia leitores, como diz o repórter Marcos Vinícius Almeida. Entre os títulos, tem obras de Freud, Lima Barreto e Dostoiévisk. Este senhor andarilho também afirma ser um leitor convicto de Cecília Meireles, de Manuel Bandeira, Khalil Gibran e da Bíblia.

Seguindo para o Centro Oeste brasileiro, em Brasília, o exemplo vem do açougueiro baiano Luiz Amorim, que se alfabetizou aos 16 anos e desvendou os segredos da leitura a partir dos 18. Segundo seu relato à imprensa, tudo começou com sua paixão pelos clássicos da Filosofia, já nos anos 90. A vontade de compartilhar o prazer da leitura começou com uma estante para empréstimo de livros com dez exemplares e as doações só foram aumentando. Chegou um momento, conta, que a Vigilância Sanitária, no seu caso, não achava compatível que tivesse livros em um comércio como o dele. Problema resolvido: a Câmara do Distrito Federal aprovou uma lei que permite atividades culturais em estabelecimentos comerciais.

No ano de 2007, ele levou sua ideia para as paradas de ônibus, na W3 Norte. A iniciativa ganhou patrocinadores e agora, já existem cerca de 40 paradas por onde circulam cerca de 200 mil livros por ano. Não à toa, sua história figura no museu virtual Brasília e já virou inspiração também para projeto no metrô da cidade e para estrangeiros.

E por muitas vezes, as iniciativas estão bem perto de nós. Em São Caetano do Sul, há cerca de um mês, vi uma moradora, que estuda idiomas na mesma escola que frequento, deixar alguns livros no banco em frente à unidade, com recados simpáticos para quem quisesse levá-los. Ela se inspirou na filha, que também se motivou por meio de outra pessoa. O interessante foi observar as pessoas passavam e olhavam um pouco desconfiadas, mas depois folheavam os exemplares. Algumas viam que os assuntos as interessavam e levavam o livro. Doei alguns livros para seu projeto familiar por achar a ideia muito criativa.

Nesta rede de atitudes inspiradoras, a poucas quadras de casa, no parque municipal Guaiamu, também no município, o zelador da unidade fez uma casinha suspensa, na qual a administração da unidade colocou na entrada, para que as pessoas possam doar livros e retirar para leitura. Os usuários aproveitam a natureza do entorno para viajar, inclusive, na natureza das letras. E assim, vimos que pequenos gestos podem ganhar proporções ‘gigantecas’, pois são a essência da “alfabetização” da cidadania. Já o analfabetismo no stricto sensu deve ser extinto até 2024, segundo o Plano Nacional de Educação (PNE). Neste caso, será? 

*Sucena Shkrada Resk – jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.

Imagem: Espaço de leitura do Parque Guaiamu, em São Caetano do Sul. Crédito da foto: Sucena Shkrada Resk

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