Após acordo com Mercosul, empresário sueco promete cruzada contra produtos brasileiros

Em entrevista, empresário revela que está articulando ampliação de boicote entre outros supermercados europeus e lança plataforma para angariar apoio da população ao veto

Por Mariana Simões, Agência Pública/Repórter Brasil

“Um dia de manhã li no jornal que o governo Bolsonaro estava enlouquecendo com os pesticidas e que quase 200 pesticidas tinham sido liberados no mercado. Eu fiquei muito chateado e frustrado” explica, em tom indignado e com um sotaque carregado, o empresário sueco Johannes Cullberg, ao telefone. “Eu decidi que eu não posso apoiar esse tipo de comportamento. Percebi que a única maneira de demonstrar a minha insatisfação é boicotando todos os produtos brasileiros em nossas lojas”.

Johannes Cullberg é fundador e CEO do Paradiset, a maior rede de supermercados orgânicos da Escandinávia. Em junho, as suas lojas começaram a boicotar produtos brasileiros como suco de laranja, cacau, café, uma variedade de melões e outras frutas. Após ler sobre o acordo com o Mercosul, ele agora promete convencer outros varejistas a fazerem o mesmo.

Empresários bem-sucedido do varejo, Cullberg estabeleceu na Noruega a filial da Lidl, uma das maiores redes de supermercado de desconto do mundo. Johannes atuou como Diretor de Compras da Lidl por dois anos e nesse tempo inaugurou 25 lojas com mais de 1200 produtos. Em 2014, e interessou em promover a saúde e a sustentabilidade e por isso decidiu participar ativamente desse movimento.

“Nós temos três redes de supermercados grandes na Suécia e elas são todos muito parecidos. Então há quatro anos atrás eu decidi fundar a minha própria rede,” conta o empresário. “O mercado se chama Paradiset, o que significa paraíso. Eu queria criar um estabelecimento que preza pelos meus valores. Na prática isso significa que as minhas lojas têm menos produtos porque só temos comida de verdade. O foco é a saúde e a sustentabilidade,” conclui.

Com quatro anos de vida, Paradiset já tem 4 lojas e 100 funcionários e a tendência, segundo Johannes, é expandir. Há um ano, o empresário liderou a primeira campanha de crowdfunding do mundo para beneficiar uma rede de supermercados. Levantou quase 2 milhões de euros em apenas 20 dias. Johannes acredita que a crescente influência da sua rede de supermercados vai ajudar a impulsionar a sua campanha contra os produtos brasileiros.

Quando a embaixada do Brasil na Suécia respondeu ao boicote enviando uma carta aberta, Johannes percebeu que a sua iniciativa já estava começando a surtir efeito. A carta frisava que “é preocupante que, embora muitos outros países tem um uso de pesticidas muito mais alto, só o Brasil tem sido mencionado na imprensa e na mídia”. Isso, segundo o comunicado, porque “o Brasil é o quinto ou sétimo colocado no mundo de acordo com parâmetros aplicados a pesticidas em estudos mundiais, sendo que esses rankings se baseiam em volume total por hectare ou por capita.”

A embaixada não mencionou o fato de que, no mesmo estudo mundial, feito pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) em 2013, o Brasil aparecia como líder mundial se considerarmos o total de agrotóxicos usados. Não há dados globais mais recentes.

“Na verdade, eu fiquei contente de ter recebido a carta da embaixada porque demonstrou que eu havia incomodado pessoas de alto escalão. Isso é um bom sinal. Espero que da próxima vez eu receba uma carta do governo brasileiro. Esse é o próximo passo”, diz o empresário.

Johannes decidiu também publicar uma resposta ao comunicado do governo brasileiro. “Deixa-me explicar novamente porque eu acho que um boicote de produtos brasileiros é necessário,” diz a carta. “De acordo com o European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility só em 2016 o Brasil registrou 4,208 casos de intoxicação por exposição a pesticidas e 355 mortes por químicas agrícolas. Eu contesto que esses números estão longe de ser aceitáveis para mim e não deveriam ser aceitáveis para ninguém.”

O boicote ganhou atenção na mídia brasileira e sueca e motivou Johannes a lançar depois uma campanha nas redes sociais com a hashtag #boycottbrazilianfood e uma petição online.

Mas Johannes diz que foi a notícia do acordo entre o Mercosul e a União Europeia que o motivou para elevar a discussão para um novo patamar. “Quando eu vi essa notícia sobre o acordo com a União Europeia e ainda por cima sabendo que a Comissária do Comércio da Comissão Europeia é sueca, eu fiquei muito chateado,” contou Johannes à reportagem.

“Agora eu vou em cima do governo sueco para ver como eu posso agitar as coisas na Suécia e na União Europeia porque me deixa louco que o Bolsonaro pode afetar tanta gente agora que está à frente do governo brasileiro. Se você pulveriza agrotóxicos nas comidas produzidas no Brasil, a gente também está consumindo isso na Suécia.”

Johannes já está começando a trilhar o caminho para levar a sua campanha adiante. O próximo passo, diz, é persuadir concorrentes na Suécia a aderirem ao boicote. “O segundo maior supermercado da Suécia está pensando em aderir ao boicote. Eu conheço os CEOs de todos os mercados. Eu acho que vou conseguir persuadi-los porque a campanha pode ser estrategicamente boa para eles em termos de relações públicas”.

O empresário acredita que os seus mais de quinze anos de experiência vai ajudá-lo a impulsionar o boicote, em relação ao qual ele mantém a determinação.

“Se você não sabe como funcionam as grandes corporações vai ser difícil. Eu já fui CEO de empresas de grande porte cotadas na bolsa de valores. Então eu entendo o que motiva esse tipo de empresa. Eu sei conversar com os CEOs,” diz Johannes. “Eu quero que isso se transforme em uma iniciativa corporativa,” conclui.

Para poder conversar com os seus concorrentes Johannes diz que é importante traçar uma estratégia de divulgação baseada na ciência. Por isso, ele está se alinhando a comunidade científica e construindo com eles a linguagem da sua campanha.

“Estou contando com a ajuda de alguns professores de diversas universidades. Então eu vou juntar todos eles para utilizar o poder e o conhecimento dos especialistas. Eu acredito que é sempre bom utilizar a expertise de quem conhece melhor para poder utilizar uma linguagem [na campanha] que as corporações e outros possam compreender,” diz.

Além de atuar na frente empresarial, Johannes diz querer construir um movimento maior junto a sociedade civil na internet. Ele pretende usar o boicote para lançar luz sobre o uso alarmante de pesticidas na produção agrícola brasileira nas redes sociais e assim mobilizar as pessoas para deixar de consumir produtos brasileiros.

“Eu acho que isso tem tudo a ver com o poder do consumidor. O que eu estou dizendo é que se [os outros supermercados] não aderirem ao boicote agora, nós temos que mostrar a eles que não vamos consumir mais os produtos brasileiros. Então é isso eu estou tentando fazer é construir um movimento de baixo para cima porque acredito que isso é mais eficiente hoje,” diz o empresário.

O dono do Paradiset diz que a sua determinação para lutar contra o uso de agrotóxicos está relacionado com uma profunda preocupação que ele tem pelo estado do nosso planeta. Inspirado pela ativista sueca de 16 anos Greta Thunberg, que lidera um movimento na Europa para frear os avanços das mudanças climáticas no mundo, Johannes diz também querer contribuir para um movimento maior.

“A minha motivação é deixar o planeta em um estado melhor do que eu o encontrei quando nasci. Para isso, vamos precisar tomar medidas sérias. Precisamos impedir homens como o Bolsonaro de fazer o que estão fazendo,” diz Johannes. “Temos que seguir o Acordo de Paris e atingir as metas impostas pela ONU e o que me preocupa é que o Bolsonaro e outros líderes mundiais estão dando meia volta e estão acelerando na direção oposta”.

Imagem: Johannes Cullberg é fundador da maior rede de supermercados orgânicos da Escandinávia – Kate Gabort

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