Aleam corta R$ 65 milhões do orçamento destinado aos indígenas do Amazonas

Em protestos, as lideranças fizeram dois dias de mobilizações contra a decisão, que atendeu pedido do governador Wilson Lima (PSL)

Por Elaíze Farias, no Amazônia Real

Manaus (AM) – A Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) cortou R$ 65 milhões da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2019/2020 do governo estadual que seriam destinados às populações indígenas. Este valor também seria assegurado na Constituição estadual. Agora, o único recurso destinado este ano aos povos indígenas do Amazonas são os R$ 8 milhões do orçamento da Fundação Estadual do Índio (FEI), órgão sem autonomia financeira e administrativa, subordinado à Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc).

A decisão dos deputados atendeu à mensagem da reforma administrativa enviada no dia 3 de julho pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), através do Projeto de Lei N.º 328 /2019. Em dezembro de 2018, os parlamentares do Amazonas aprovaram um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) de autoria do então deputado estadual José Ricardo (PT), atualmente deputado federal, que destinava um percentual de 0,5% da receita líquida do Estado, o equivalente hoje a R$ 65 milhões. Na mensagem enviada à Aleam este ano, Wilson Lima reduziu o percentual para 0,15% da receita tributária, o equivalente a R$ 11 milhões.  

Mas uma emenda coletiva apresentada no dia 12 de julho, onde os deputados se identificaram apenas com suas rubricas, retirou até mesmo este percentual de 0,15% da receita tributária, ficando apenas um texto que destina recursos aos povos indígenas sem garantia orçamentária. A LDO já com essas alterações foi publicada no Diário Oficial do Estado no último dia 5 de agosto. O relator da emenda coletiva foi o deputado estadual Belarmino Lins (PP).

A agência Amazônia Real apurou que dos 24 deputados estaduais, oito foram os autores da emenda coletiva, que cortou integralmente o Orçamento aos indígenas, cujas lideranças queriam que fossem geridas exclusivamente pela FEI. São eles: Cabo Maciel (PR), Alessandra Campêlo (MDB), Josué Neto (PSD), Ricardo Nicolau (PSD), Joana Darc (PR), Mayara Pinheiro (PP), Felipe Souza (PATRIOTA) e Roberto Cidade (PV).

A emenda foi anexada ao projeto do Executivo Estadual para a LDO, que foi aprovado no plenário no dia 12 de julho. Dezessete deputados foram a favor do corte, e dois foram contra. Cinco deputados faltaram à sessão.

Amazônia Real procurou a líder do governo na Aleam, a deputada estadual Joana Darc, para ela falar sobre a emenda coletiva. A assessoria de imprensa da parlamentar disse que ela estava viajando e se manifestaria quando retornasse. O deputado Belarmino Lins foi procurado através de sua assessoria e assim que ele se manifestar sua resposta será incluída nesta reportagem.

A decisão dos deputados estaduais provocou protestos durante a 4ª Marcha dos Indígenas do Amazonas, realizada nesta semana, reunindo cerca de 1.100 pessoas, a maioria vinda das comunidades dos 63 municípios do Amazonas, segundo estimou Yura Marubo, um dos coordenadores da mobilização. Atos aconteceram nas sedes da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e da Aleam, nesta quarta-feira. Nesta quinta-feira (15), a mobilização aconteceu na frente da sede do governo do Amazonas, no bairro da Compensa, na zona oeste da cidade.

Segundo Gersem Luciano Baniwa, assessor técnico do Fórum de Educação e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia), uma das entidades organizadoras da 4ª. Marcha, o percentual orçamentário destinado à FEI seria o primeiro garantido pela Constituição do Estado do Amazonas aos povos indígenas.

As lideranças da marcha também se reuniram com representantes da Seduc e da Sejusc, para buscar soluções diante do corte no orçamento. Na Seduc, os indígenas reuniram-se com o secretário em exercício Luíz Fabian Pereira. Já a titular da Sejusc, Carolina Braz, esteve presente na Chácara Kairós, onde os indígenas ficaram alojados. Nesta quinta, durante o protesto em frente da sede do governo, um grupo de indígenas se reuniu com o governador em exercício, Carlos Almeida (PRTB), quando eles tiveram oportunidade de entregar a cópia de um projeto plurianual destinado às políticas públicas dos povos indígenas.

Gersem Baniwa disse à Amazônia Real que, durante a audiência na Seduc, “não houve progresso na direção do orçamento”, mas houve medidas para a “construção de uma nova gestão e administração para melhorar a educação escolar indígena”.

“Queremos uma coordenação mais funcional e operacional. A ideia é criar uma secretaria adjunta para ter força política e administrativa e financeira”, disse Gersem Baniwa. “A gerência, como é hoje, não tem poder político-financeiro”. Apesar do diálogo com os órgãos do Estado, ele afirmou que a mobilização continuaria porque ainda não há “materialidade de mudanças dos retrocessos que ocorreram”.

“A própria ação [da marcha] forçou o governo a recuar no seu discurso de autodefesa. A visita da secretária da Sejusc foi para tentar amenizar as dificuldades de relação com o movimento, para tentar justificar a posição do governo, mas não justifica. Há uma dificuldade enorme do Estado para atender as demandas indígenas”, disse.

Yura Marubo, membro do Foreeia, lembrou que as demandas dos indígenas já haviam sido apresentadas em abril passado para o governo do Amazonas e que, como nada foi atendido, houve necessidade de uma nova mobilização.

“A gente solicitou a criação de uma secretaria adjunta de educação indígena para canalizar a construção de escolas, formação de área de educação indígena. Nada foi feito. A construção de escolas não se encaminhou. E ainda teve a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) da maldade que eliminou R$ 65 milhões da legislação que garantia o orçamento aos povos indígenas do Amazonas. Isso é inconstitucional e os deputados votaram a favor disso. Queremos entrar com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra esse ato vergonhoso”, disse Yura Marubo.

Retrocesso na política indígena

A votação na Assembleia Legislativa do Amazonas que retirou o percentual da receita tributária destinada aos povos indígenas que havia sido garantido em 2018 surpreendeu as lideranças ouvidas pela reportagem.

Para Gersem Baniwa, a decisão da Aleam mostra que o governo do Amazonas vai continuar com uma “politica de inferiorização, de periferização, e de falta de sensibilidade às demandas indígenas”.

“Estamos num cenário de forte retrocesso não só no governo federal, mas agora no cenário do governo do Amazonas, que era nossa esperança de equilibrar um pouco essas perdas. O cenário é muito ruim, desanimador, porque claramente mostra a insensibilidade e falta de compromisso desse governo estadual. Continua como sempre foi: sem orçamento. Não tem prioridade. São decisões sem diálogo com os índios. São simplesmente soluções e decisões arbitrárias, reduzindo e eliminando os poucos programas que havia aqui.”

Educação indígena deficitária

“O Amazonas tem os piores índices da educação escolar indígena. Quase metade das escolas, em torno de 1.100, não tem prédio próprio. A maioria das comunidades, cerca de 90 por cento, não tem escola de ensino médio para atender a demanda dos alunos que vem da educação básica e ensino fundamental. Essa situação vem patinando nos últimos 10, 15 anos. Não se acresce uma melhoria”, disse Gersem Baniwa à Amazônia Real.

Antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Baniwa diz que a situação já foi relatada várias vezes às autoridades públicas, e voltou ser lembrada na marcha de abril passado.

“Era necessário que a Seduc assumisse a sua responsabilidade de buscar ações para melhorar junto com os povos indígenas, com construção e expansão das escolas, qualificação, etc. Isso nos moldes comunitários, com parceria entre Estado e comunidades. Há necessidade de criar um fundo com critérios próprios de parceria entre governo e comunidade, amparado e chancelado para evitar dúvidas de questionamentos administrativos e jurídicos”, disse ele.

Gersem Baniwa completa: “No começo do ano, tínhamos os R$ 65 milhões previstos aprovados ano passado para as demandas indígenas. Seria um recurso constitucional, um percentual anual garantido por lei. Nas votações que aprovaram a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) esse recurso foi anulado. Estamos na casa dos R$ 8 milhões [da FEI], que é insignificante”, afirmou.

O que dizem as autoridades?

Em resposta aos questionamentos da Amazônia Real, a Secretaria Estadual de Comunicação (Secom) disse que a desvinculação [retirada] das receitas à Fundação Estadual do Índio não causa prejuízo aos povos indígenas porque o projeto de Lei Complementar do Executivo condicionou essa decisão ao “fortalecimento de políticas públicas voltadas aos povos indígenas no âmbito das secretarias estaduais de Educação e Saúde”.

Segundo a Secom, a FEI continua vinculada à Sejusc, “portanto com ações amparadas no orçamento desta pasta, além de passar a ter outra importância no âmbito da Seduc e da Susam”.

A nota da Secom cita uma série de atendimentos aos indígenas, com “ação de cidadania” em comunidades dos municípios de Autazes e São Gabriel da Cachoeira. Entre eles a emissão de Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) e de documentação básica como certidão de nascimento, carteira de identidade, CPF e Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

A nota da Secom também elenca ações de saúde, como uma parceria com os Conselhos Distritais de Saúde Indígena e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), um Plano de Trabalho para reforçar a atenção à saúde indígena na rede pública de saúde, como aquisição de uma unidade de saúde fluvial específica para atendimento à população indígena e a melhoria do fluxo de atendimento à mulher indígena na Fundação Cecon e Fundação Alfredo da Matta, para prevenção e  tratamento do câncer de colo de útero.

A Secom diz também, na nota, que na reunião de quarta-feira (14) com o secretário em exercício, Luíz Fabian Pereira, “foi firmado compromisso com as lideranças para início de trabalho de manutenção na estrutura física das escolas indígenas e para providenciar a aprovação do regimento do Conselho de Educação Escolar Indígena (CEI), ainda neste mês de agosto”.

“Quando a atual gestão assumiu, em janeiro de 2019, havia 21 obras de escolas de educação indígenas paradas. A Seduc inclusive constatou que haviam sido devolvidos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em gestões passadas, por ausência de projetos e a discordância de comunidades indígenas em relação a proposta apresentada pelo Governo Federal”, diz a nota. Segundo a Secom, o secretário em exercício disse que, em 2019, já foram liberados cerca de R$ 8 milhões para a execução do projeto, que atualmente está atendendo 712 indígenas do Amazonas na formação de professores indígenas inicial, formação continuada e formação de técnicos das secretarias estaduais. 

A Secom informou ainda que a Sejusc está articulando junto a FEI a criação do Conselho Indígena.

Foto: Tharyn Machado Teixeira /ADUA

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