Próximo estágio: senzala?

Empobrecimento dos brasileiros produz retrocesso social emblemático: milhões de mulheres voltam à condição de doméstica — 72% das quais sem carteira assinada, sem direitos garantidos, à mercê dos patrões

Por Artur Araújo*, em Outras Palavras

Um grande amigo costuma comentar, parte como ironia mórbida, parte como análise realista, que o drama do desemprego, do subemprego, da subutilização e do desalento é tão crítico no Brasil que, se for publicado um anúncio de vagas para escravos, as filas serão enormes – porque pelo menos há garantia de casa, comida, remédio, água, luz e roupa.

Completa dizendo que é bem possível que, para “garantir diferencial de competitividade”, haja candidatos que levarão suas próprias correntes.

Essa distopia ganha concretude em reportagem do Valor de hoje, que demonstra o crescimento do emprego doméstico sem carteira assinada. Ele “atrai” brasileiros que haviam conquistado melhores postos de trabalho e, agora, se veem frente à necessidade de retornar ao medievalismo da “criadagem”.

“No trimestre móvel de maio a julho, o número de trabalhadores domésticos com carteira de trabalho atingiu 1,76 milhão, queda de 5% em relação ao mesmo período do ano passado. Já o contingente de trabalhadoras domésticas informais cresceu 3% no trimestre móvel até julho, frente ao mesmo período de 2018, para 4,5 milhões.

Desta forma, a proporção de empregadas domésticas com carteira de trabalho assinada era de apenas 27,9% do total no trimestre móvel até julho, o nível mais baixo da série histórica da pesquisa. O pico do emprego com carteira na categoria foi registrado no primeiro trimestre de 2016, com 34,9% do total.

No início da década, o mercado de trabalho aquecido criou oportunidades de emprego com melhores salários para essas mulheres, especialmente em atividades de comércio e serviços. A legislação trabalhista também foi aperfeiçoada em 2013, com a Emenda Constitucional 72, popularmente conhecida como PEC das Domésticas.

Com a crise econômica, porém, mulheres que haviam deixado a profissão viram-se obrigadas a retornar a ela por falta de melhores alternativas. Conseguir uma vaga com carteira assinada na área, porém, não tem sido tarefa fácil. Famílias seguem estranguladas financeiramente com a crise, o que deixou a oferta de vagas bastante escassa.

Levantamento da consultoria LCA mostra que o aumento do emprego doméstico está relacionado ao trabalho como diarista, que não exige carteira assinada. A média de horas das empregadas domésticas informais é de apenas 27 horas semanais e apenas 15% delas contribuem com a previdência privada.

‘A existência dessa modalidade tem importante papel em absorver as pessoas que perderam o emprego com carteira assinada e pessoas com baixa qualificação, as quais nesse contexto de mercado de trabalho ainda debilitado, não conseguem reinserção em empregos de maior qualidade’ diz Cosmo Donato, economista da LCA.”

(…)

‘Ao mesmo tempo, muitas mulheres estão como domésticas por falta de oportunidade no mercado de trabalho. São pessoas que, em situação de pleno emprego, procurariam outras áreas’, afirma.

O levantamento da LCA mostra um perfil bastante conhecido dos trabalhadores domésticos informais. São em sua maioria mulheres (93% do total), de cor preta ou parda (66,6%). A idade média é de 44 anos, o que sugere um envelhecimento da categoria (a idade média dos brasileiros deverá chegar a 40 anos apenas em 2055).”

*Administrador hoteleiro, consultor em gestão pública e privada e do Projeto Cresce Brasil, liderado pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE)

Imagem: Jean-Baptiste Debret, Um jantar brasileiro (1827)

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