Dissertação de mestrado de Wilson Witzel tem 63 parágrafos copiados de 6 autores

Por Matheus Magenta, da BBC News Brasil

A dissertação de mestrado defendida pelo então juiz federal Wilson Witzel, hoje governador do Rio de Janeiro pelo PSC, tem ao menos 63 parágrafos copiados de trabalhos publicados por outros seis autores, incluindo um artigo inteiro e a íntegra de um capítulo de outro texto.

O trabalho Medida Cautelar Fiscal foi apresentado à Universidade Federal do Espírito Santo ao fim de um mestrado em Direito Processual Civil, em maio de 2010. A dissertação pode ser lida na íntegra aqui.

Witzel trata do instrumento criado em 1992 para auxiliar a cobrança de dívida fiscal por vias judiciais. Segundo ele, a medida cautelar fiscal pode evitar “grandes fraudes e artifícios maliciosos de contribuintes que agem de má-fé e em desacordo com as leis tributárias”.

Witzel também faz um apanhado histórico do papel do magistrado e defende que “o juiz pós-Estado Liberal não pode mais ficar como mero expectador no processo de execução, cabendo-lhe a missão de buscar todos os meios e técnicas necessários para a entrega da prestação jurisdicional que se pretende”.

Em sua dissertação, 21 das 139 páginas são pré-textuais, como dedicatória e índice, e pós-textuais, como referências bibliográficas.

Considerando as 118 páginas do miolo do trabalho, ao menos 19 páginas têm trechos copiados de outros autores (16% desse total).

Dos 6 autores com passagens semelhantes encontradas, 5 não constam na bibliografia da dissertação. O autor exceção aparece, no entanto, citado por um outro trabalho.

Um deles, o advogado Juliano Ryzewski, vê um possível problema ético no caso. “Por ser uma pessoa pública, deveria tomar maior cuidado com isso. Ele está autointitulando autor de um texto que ele não escreveu, mas copiou. É complicado”, afirmou à BBC News Brasil.

A reportagem procurou o governador Witzel, por meio de sua assessoria de imprensa, e elencou os trechos identificados como cópias de outros trabalhos e solicitou uma entrevista.

Em nota, a assessoria respondeu que “os trechos citados exemplificam a dissertação de mestrado apresentada pelo governador Wilson Witzel em 2010, que foi aprovada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)”.

E completou: “Como toda obra acadêmica, a tese de Witzel se utiliza de citações de diferentes autores e fontes que compõem a abordagem teórica sobre o tema.”

Citações sem crédito

A dissertação do atual governador do Rio tem 12 parágrafos idênticos ao artigo de Ryzewski, publicado em 2009, um ano antes do trabalho de Witzel.

A pedido da BBC News Brasil, dois professores universitários analisaram as semelhanças identificadas e afirmaram que os trechos configuram plágio.

“Não há dúvida sobre o fato de o texto da dissertação não ser apropriado para a obtenção do título”, afirmou um professor da Universidade de São Paulo (USP) especialista no assunto, sob condição de anonimato por temer represálias. “A dissertação analisada efetivamente desrespeita o direito de paternidade das obras copiadas, pois seus autores originais não são identificados e sequer constam da bibliografia”, completa ele.

Segundo cartilha produzida pela Universidade Federal Fluminense, o plágio acadêmico ocorre “quando um aluno retira, seja de livros ou da internet, ideias, conceitos ou frases de outro autor (que as formulou e as publicou), sem lhe dar o devido crédito, sem citá-lo como fonte de pesquisa”.

Em parte dos plágios identificados no âmbito acadêmico, os alunos fazem pequenas modificações nos trechos copiados a fim de evitar flagrantes, a exemplo do uso de sinônimos e de uma redação diferente da primeira frase do parágrafo. Ou seja, dizer a mesma coisa apenas alterando algumas palavras.

A Universidade Federal do Espírito Santo afirmou em nota que investigará o caso apontado pela BBC News Brasil. “A coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo informa que, diante das informações encaminhadas, vai adotar as medidas cabíveis para a apuração da denúncia.”

Trechos copiados

Um dos subcapítulos do texto de Witzel copia, com alterações sutis, todos os 20 parágrafos e todas as 9 citações do artigo Fraude de Execução, escrito pelo professor e desembargador aposentado José Maria Rosa Tesheiner em 2003, na revista digital Páginas de Direito. O exemplo abaixo traz as alterações sutis em relação ao texto original.

– Tesheiner: “A fraude de execução tem pontos de identidade com a fraude contra credores, regulada nos seguintes termos pelo Código Civil.”

– Witzel: “A fraude de execução tem algumas semelhanças com a fraude contra credores, que está regulada nos seguintes termos pelo Código Civil vigente.”

Em outra seção do texto de Witzel, há dez parágrafos consecutivos com trechos bastante semelhantes à introdução inteira do artigo A Penhora Como Pré-requisito da Execução Fiscal, de Kiyoshi Harada, advogado tributarista e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, publicado em 2007.

– Harada: “Logo, se há morosidade nas execuções fiscais, a culpa não é apenas do Judiciário. Por isso, parece óbvio que transferir a execução fiscal para o âmbito da Administração não irá resolver o problema.”

– Witzel: “Portanto, se há morosidade nas execuções fiscais, a culpa não é apenas do Judiciário. Por isso, parece óbvio que transferir a execução fiscal para o âmbito da Administração não irá resolver o problema, ou por certo irá agravar.”

Witzel também copiou 11 parágrafos de um artigo escrito em 2005 por dois estagiários da Advocacia Geral da União no Rio Grande do Sul. Em um deles, que segue abaixo, a cópia é feita sem alterações.

– Texto original: “A competência ratione materiae (em razão da matéria) é aquela que se refere à natureza da causa, podendo ser vista sob duas vertentes.”

– Witzel: “A competência ratione materiae (em razão da matéria) é aquela que se refere à natureza da causa, podendo ser vista sob duas vertentes.”

Casos de plágio em universidades

Para evitar plágios, parte dos professores utiliza ferramentas que cruzam os trabalhos entregues pelos alunos com base de dados que reúnem milhares de textos acadêmicos a fim de descobrir eventuais problemas de autoria – esta reportagem, por exemplo, foi produzida com auxílio do serviço Turnitin.

Por outro lado, alguns estudantes utilizam ferramentas que sugerem, por exemplo, sinônimos e mudanças na redação nos trechos copiados a fim de driblar a fiscalização digital feita pelos professores.

Os casos de suspeita de plágio são tratados no âmbito dos direitos autorais. Para um dos especialistas ouvidos pela reportagem, como esse tipo de plágio envolve também a instituição que aprovou e publicou a obra e a comunidade acadêmica, o plágio é mais próximo da “cola” do que da “pirataria”.

Há dois caminhos. No primeiro, um autor que se sinta ofendido pode procurar a Justiça comum na área cível, e o magistrado pode decidir se houve ou não plágio. Em caso positivo, a sentença pode determinar, por exemplo, alguma reparação financeira e a retirada do ar do texto com cópias.

No âmbito da universidade, quando há denúncia envolvendo a cópia de trabalhos submetidos a bancas examinadoras, abre-se uma sindicância para apurar o ocorrido. Parte das instituições estaduais e federais do país criou comissões voltadas a esse fim. Em alguns casos, a punição pode chegar à perda do título obtido.

A Universidade Federal Fluminense instituiu em 2008 uma comissão de avaliação de casos de autoria, a fim de avaliar denúncias, dar pareceres e, principalmente, promover entre os alunos a importância do direito de um autor sobre as suas ideias.

Flávia Clemente, professora-adjunta do Departamento de Comunicação Social da UFF, integra essa comissão desde seu surgimento. Segundo ela, em 2008 eram analisados cerca de cinco casos por semestre de trabalhos apresentados em bancas de examinadores com indícios de plágio; hoje esse total mal chega a um por semestre.

“O processo educativo é muito mais eficiente que o punitivo. A gente faz muita palestra, mostra e ensina os alunos a pesquisarem, a citarem corretamente outros autores, porque nas novas gerações muitas vezes isso é feito sem dolo, sem intenção”, afirma Clemente.

‘Doutorado em Harvard’

Este não é o primeiro questionamento à formação acadêmica de Witzel.

Em maio deste ano, o jornal O Globo revelou que o governador colocou em seu currículo um doutorado em andamento em Ciência Política na UFF com intercâmbio na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Mas ele não cursou a instituição americana nem se candidatou ao processo de seleção para uma vaga lá.

À época, Witzel disse não haver erro em seu currículo, porque havia previsto a possibilidade de “aprofundar os estudos em Harvard”, mas a ideia acabou suspensa em razão da campanha eleitoral em 2018. Depois, ele retirou de seu currículo público a menção a Harvard.

Witzel passou pelo exame de qualificação do doutorado na UFF em 15 de agosto, onde foi alvo de protestos contra a política de segurança pública de seu governo. Houve confusão entre manifestantes e policiais militares e ele deixou o lugar escoltado.

No primeiro semestre deste ano, houve uma queda de 23% nos homicídios e aumento de 15% nas mortes em ações policiais no Rio em relação ao mesmo período de 2018.

Duas semanas depois, ele defendeu a tese A Dimensão Política da Jurisdição Após 1988: a Fundamentação das Decisões Judiciais Como um dos Critérios de Identificação e Controle do Ativismo Judicial por meio de videoconferência.

Witzel tem até 90 dias para entregar a versão final do trabalho, que deve incorporar observações feitas pela banca examinadora.

Witzel dança na Ponte Rio-Niterói, após morte de jovem sequestrador. Imagem capturada de vídeo

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