Tomás Sopas Bandeira, no 7Margens
“O ataque aos territórios previamente demarcados já se tem intensificado e a tendência é piorar muito mais. São constantes os ataques, as invasões e mesmo as queimadas criminosas”, diz Lindomar Dias Padilha, um dos responsáveis do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), acerca da situação que se vive na Amazónia e no Brasil. O Cimi, organização de matriz católica, nasceu em plena ditadura militar com o propósito de “favorecer a articulação entre aldeias e povos, [tendo promovido] as grandes assembleias indígenas, onde se desenharam os primeiros contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural”.
Hoje, o trabalho do Cimi, do norte ao sul do país, da costa ao interior amazónico, prende-se acima de tudo com a valorização e preservação das culturas indígenas, apoiando a demarcação das suas terras e denunciando os crimes cometidos contra estas populações no território brasileiro.
Na atual governação de Bolsonaro, onde a proteção do índio está longe de ser uma prioridade, e no contexto das últimas semanas em que incêndios avassaladores ocuparam os noticiários mundiais devido à destruição natural causada, o 7MARGENS foi tentar compreender melhor a real situação das comunidades ameríndias que tantas vezes acabam esquecidas no panorama nacional e internacional.
Lindomar Dias Padilha tem uma formação de base em filosofia e pós-graduação em Desenvolvimento e Relações Sociais no Campo. Trabalha em estreita ligação com os povos indígenas brasileiros desde 1991 como elemento do Cimi. Inicialmente esteve no Estado do Pará e, desde 1998, está no do Acre, onde já foi presidente da unidade regional Amazónia Ocidental. Fica a seguir a entrevista.
7M – Um líder indígena da etnia Wajãpi, no Estado do Amapá, foi recentemente assassinado e a aldeia posteriormente invadida por 50 garimpeiros (mineiros), numa região rica em ouro mas demarcada como reserva indígena e por isso não acessível a pessoas sem autorização para entrar na área. Em que medida os garimpos ilegais que hoje se fazem em toda a bacia amazónica afetam as comunidades indígenas e a biodiversidade da região?
Lindomar Dias Padilha (L.D.P.) – A atividade mineradora, garimpeira, sendo legal ou não, é uma das atividades que mais afeta o ecossistema e, consequentemente, as comunidades indígenas. O problema é que nunca o Governo brasileiro realmente se preocupou nem com os povos e comunidades tradicionais nem com a própria natureza.
O Brasil adota um modelo de desenvolvimentismo que, em última análise, considera os povos indígenas como um “estorvo” e “empecilho” ao progresso. Neste contexto, as terras indígenas, e mesmo a natureza como um todo, servem apenas para exploração, como é exemplo a exploração mineral, entre tantos outros projetos ligados à mercantilização de bens naturais e matérias primas.
7M – Já no tempo de Dilma se propôs uma emenda constitucional que procurava transferir a competência de demarcação das terras indígenas da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Congresso (na altura já de maioria ruralista). A Funai tem como missão “proteger e promover os direitos dos povos indígenas”, mas o novo presidente, Marcelo Augusto Xavier, foi delegado da Polícia federal, apoiado por deputados da bancada ruralista e tradicionalmente associados a políticas anti-indígenas. Como vê a situação atual relativamente à preservação dos territórios indígenas já existentes e a demarcação de novas terras previamente sinalizadas?
L.D.P. – A pressão da bancada ruralista sempre foi no sentido de não demarcar as terras indígenas para atribuir mais terras ao agronegócio, que eu chamo de “agro-crime”. Antes, a bancada ainda era pequena e, a partir do governo da ex-Presidente Dilma, a bancada cresceu muito. Não só a bancada ruralista, mas outras bancadas contrárias aos direitos humanos em geral. Cresceram exponencialmente as bancadas a que chamamos de BBB: “Boi, Bíblia e Bala”. São deputados e senadores de extrema-direita.
No atual Governo de Jair Bolsonaro dificilmente se demarcará alguma terra indígena, exceto por determinação explícita do poder judicial. Por outro lado, o ataque aos territórios previamente demarcados já se tem intensificado e a tendência é piorar muito mais. São constantes os ataques, as invasões e mesmo as queimadas criminosas.
7M – Um decreto do Presidente Temer, de 2017, anunciou a abolição de uma reserva natural na Amazónia do tamanho da Dinamarca, que acabou por não se concretizar após denúncia de inúmeras organizações nacionais e internacionais e a decisão por parte do tribunal federal ao considerar que não competia ao presidente decidir tal abolição. O atual Presidente tem-se aproximado de países como os EUA, para levar a cabo a exploração de recursos naturais na floresta amazónica e particularmente em terras indígenas. Em que medida a sociedade brasileira tem capacidade de contestar tais iniciativas de um presidente eleito?
L.D.P. – Bolsonaro foi eleito com uma grande margem de votos sobre o segundo candidato, o que não significa que terá facilidade em aprovar todas as medidas que desejar. Aliás, já é notória a perda de apoio popular e até mesmo de sectores políticos que antes lhe prestavam apoio. No entanto, a sociedade brasileira encontra-se muito dividida e uma parte significativa ainda mantém uma desconsideração profunda com o Partido dos Trabalhadores por associá-lo à corrupção e a desvios de recursos.
Por outro lado, os sindicatos também se encontram enfraquecidos e não conseguem esboçar reação. Pessoalmente, acredito que Bolsonaro acabará por cair por si mesmo, pela sua incompetência e por tomar medidas sem sentido. Pode ser que nasça uma nova força popular a partir desta intemperança do presidente.
7M – E que papel pode e deve ter a comunidade internacional nestes assuntos?
L.D.P. – A comunidade internacional tem o importante papel de denunciar as infrações do presidente, especialmente em relação às agressões feitas contra a natureza e as comunidades tradicionais e povos indígenas. A sociedade brasileira, por si só, não é capaz de exigir as mudanças necessárias. As denúncias de violações de direitos humanos no Brasil devem ser lideradas pelo povo brasileiro mas com apoio de governos e ONG internacionais.
7M – Segundo a ONG Survival International, as comunidades indígenas são as maiores protetoras do meio-ambiente e o Brasil é um exemplo de como a preservação da floresta se delimita muitas vezes pelas margens das reservas indígenas. Reconhecendo todos nós a riqueza do Brasil não só em termos de biodiversidade natural mas igualmente como um lugar de uma grande multiculturalidade, sendo casa de mais de 300 etnias indígenas diferentes, qual poderá ser o papel de cada um de nós pela proteção do índio americano?
L.D.P. – A proteção dos povos indígenas, também chamados de originários, bem como dos seus territórios, deve ser considerada de duas formas: na perspectiva dos povos que já possuem contacto com nossa sociedade ocidental; e os povos que ainda se encontram em situação de isolamento, voluntário ou não.
Os povos de maior contacto precisam de ter os seus territórios demarcados e apoio para que possam reproduzir-se física e culturalmente, segundo os seus costumes e tradições, sem que seja necessária a destruição do ambiente que tão bem têm preservado ao longo da História. Já os povos que ainda se encontram em situação de isolamento devem ter os seus territórios reconhecidos e protegidos, sem que seja feito o contacto uma vez que este seria um verdadeiro desastre para eles e para todos nós.
Creio que a comunidade internacional e os próprios países precisam de somar esforços no sentido de garantir a vida destes povos e, claro, de toda a sócio-biodiversidade.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Amyra El Khalil
Menino Munduruku. Foto: Caio Mota