CPI das Fake News: PSL obstrui porque se sente ameaçado, diz relatora

Em entrevista a CartaCapital, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) diz que ataques dos governistas podem inviabilizar investigações

por Victor Ohana, em CartaCapital

Relatora da CPI das Fake News, que investiga a disseminação de informações falsas, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) apresentou seu plano de trabalho na terça-feira 17, em clima de tensão com parlamentares do PSL. Uma das tarefas da comissão é apurar a difusão de fake news durante as eleições de 2018, mas, pela boca de governistas, a investigação é retratada como “CPI da Censura”.

Para Lídice, eles se sentem ameaçados. O pano de fundo é a acusação de que a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro (PSL) teria envolvimento com o financiamento de disparos de informações falsas pelas redes sociais. Apoiadores do presidente obstruem as sessões da comissão com a justificativa de que a CPI não opera com lisura, já que a oposição ocupa o cargo de relator. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) é presidente.

Entrevistada por CartaCapital, Lídice alerta que os ataques do PSL arriscam a existência da comissão: “Nós temos que fazer um acordo para não inviabilizar a CPI”. Segundo ela, já foram duas sessões em que os trabalhos não avançaram. O primeiro passo da investigação, diz, é delimitar o sentido jurídico de “fake news”. Em seguida, os parlamentares devem ouvir especialistas, jornalistas e autoridades para contribuírem às apurações. Na lista de convidados do governo está a ministra Damares Alves.

CartaCapital: Partidos da oposição se demonstram favoráveis à CPI das Fake News. No entanto, o PSL tem sido crítico e obstruído as sessões. Por que o partido do governo se sente ameaçado?

Lídice da Mata: Eu não sei lhe responder. Eles estão temendo alguma coisa, não é possível. Segundo o que eles expressaram na reunião hoje, o governo só quer atacar. Eu acho que só pode ser isso.

CC: O debate sobre fake news é bastante novo. Quando a senhora começou a ter relação com o tema?

LM: Tive relação como candidata, que teve na sua campanha diversos ataques, fake news. Compreendi, numa dimensão muito menor, que esse era um instrumento difícil de conviver porque caminhava para uma deformação profunda para a democracia.

CC: A senhora acha que a presença da oposição na relatoria faz a CPI perder credibilidade?

LM: Não creio nisso. A CPI serve justamente para fiscalização, para permitir que a oposição faça aquilo que é indispensável no parlamento, que é fiscalizar. Em geral, CPI é instrumento de oposição. São as oposições que, sendo, em tese, minoria, constroem uma forma de investigação e de participação, através de uma CPI. Então, é natural que a oposição possa estar na relatoria de uma CPI.

CC: Comenta-se que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), teria feito uma demonstração de poder em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao entregar a relatoria para a oposição. Afinal, o presidente da Câmara também é alvo de críticas por bolsonaristas. A senhora acha que o Maia tem interesse em intimidar o governo com esta CPI?

LM: Não acho que ele tenha interesse em intimidar o governo. O que está acontecendo é que o presidente da Câmara tem feito gestos no sentido de afirmar o poder da Câmara como um poder independente, e acho até que poderia ter mais independência ainda do que tem. Eu, pessoalmente, acho que ele poderia ter uma agenda própria, econômica, dissociada das ideias do governo, menos liberal.

CC: Além de obstruir as sessões, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) tem sido uma das mais ativas na internet em publicar críticas à CPI. As postagens com vídeos sugerem que a condução dos trabalhos está atrapalhada, como se faltasse habilidade à senhora e ao presidente da Comissão, senador Ângelo Coronel (PSD-BA). A senhora tem dificuldades em conduzir estes trabalhos?

LM: Não tenho dificuldade alguma, até porque o meu trabalho é de relatoria. Proponho um plano de trabalho. O plano de trabalho é comunicado, já que eu sou uma relatora. A partir daí, eu incorporo, no parecer, as proposições que são apresentadas na comissão. Ou seja, tanto nos requerimentos de convocação, quanto nos requerimentos de convite. Também proponho missões externas. Então, o meu trabalho é, digamos assim, técnico-político, porque através do relatório nós podemos dar o direcionamento para o trabalho da comissão. A outra coisa é a direção administrativa, é a condução da sessão, que aí é o senador Ângelo Coronel. E qualquer um na posição em que ele se encontra, com a sabotagem cotidiana e obstrução sem interrupção do PSL, teria dificuldade em conduzir os trabalhos, inclusive ela [Bia Kicis].

CC: Quais são as prioridades do seu plano de trabalho?

LM: O nosso plano de trabalho tem três roteiros principais. O primeiro é a abordagem da questão que eu considero central para a CPI, que são as ameaças à democracia e a análise de suas consequências das fake news nas eleições 2018. O segundo roteiro é a investigação do cyberbullying e do aliciamento de pessoas que acabam se tornando vítimas de crimes ou inclusive de suicídio. E uma terceira linha de investigação é a que trata da privacidade de dados, porque ela é essencial na sustentação da distribuição das fake news. Dentro disso, sendo esses três eixos, apresentamos um programa de trabalho, até novembro, de convocação de empresas, porque já foi aprovado requerimentos nessa direção, de convites a especialistas na área da comunicação, do direito, visando, em primeiro lugar, definir o que é fake news. Diante do direito brasileiro, o que é fake news? Diante da comunicação, o que é caracterizado como fake news? Tendo esse entendimento, vamos buscar analisar o posicionamento do Supremo [Tribunal Federal] em relação às fake news, do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo [ABRAJI] sobre as fake news no Brasil. Estou propondo um requerimento com a vinda do relator na OEA [Organização dos Estados Americanos] da investigação sobre fake news nas Américas. É um reconhecimento de que as fake news não são um problema nacional apenas, mas um fenômeno mundial, que diversos países estão investigando. O Reino Unido, a Alemanha, os Estados Unidos são alguns dos países que já têm algum instrumento de investigação a respeito dessa prática nefasta à democracia.

CC: A senhora tem perspectiva de ações práticas de punição a quem difunde informações falsas, principalmente a quem disseminou fake news nas eleições?

LM: Primeiro, já se votou uma lei aqui, recentemente, em que se penaliza mais a prática das fake news nas eleições. E quanto a punições para frente, em geral, se espera que a CPI seja capaz de coibir ou de desestimular práticas de fake news nas eleições, em 2020 e 2022. Para 2020, nós não temos mais tempo legislativo, porque qualquer lei precisa ser feita um ano antes da eleição, e esse prazo já foi vencido. Mas nós podemos fazer alguma indicação ao TSE para tomar alguma posição, que não seja no campo legislativo, mas que seja de uma abordagem e de uma fiscalização mais intensa. Nós temos todo o espaço do mundo para propor mudanças na lei eleitoral para 2022, na direção de barrar as fake news. Nós temos sempre o cuidado de que não podemos, com a vontade, o desejo e a necessidade de combater as fake news, permitir qualquer tipo de diminuição da democracia na rede e da liberdade de expressão.

CC: Mas, com as obstruções do PSL, toda essa investigação corre risco, não? Já que há uma liga de parlamentares atuando contra as apurações.

LM: A primeira coisa que temos que compreender e levar o governo a compreender é que, uma vez instalada a CPI, é muito ruim para a Câmara e para o Senado, para a imagem da Casa legislativa, que essa CPMI seja impedida de funcionar. Portanto, na próxima semana, estaremos fazendo uma primeira reunião na tentativa de negociação. Negociação para definir como funcionar a CPI. Nós temos hoje cerca de 73 requerimentos, dos quais eu tenho certeza de que 70 poderão ser aprovados por unanimidade. Nós temos que fazer um acordo para não inviabilizar a CPI, para ver quais são as possíveis pessoas ou instituições que o PSL quer que sejam convocadas, e vamos chamar também. A CPI tem que estar aberta. Hoje, o líder do DEM propôs que Damares seja convidada, convocada, e ela própria já de dispôs. Não temos dúvida nenhuma, vamos aprovar a Damares. Vamos trazer a Damares para a CPI. E assim por diante. Mas vamos ter um foco, sobre três caminhos. O caminho da investigação do cyberbullying e os crimes contra a dignidade da pessoa humana, crianças, adolescentes, populações vulneráveis como os idosos, a outra linha é a privacidade de dados e a outra linha é das eleições e da ameaça à democracia. Quando há fake news atacando o poder judiciário enquanto poder, a instituição, é claro que é uma ameaça à democracia brasileira. Quando ocorre isso com o Congresso Nacional, também é um ataque à democracia brasileira. Uma coisa é a crítica pessoal, ou a crítica política a alguma postura do Congresso Nacional. A outra coisa é propor o fechamento do Supremo, do Congresso. Aí é uma ameaça à existência dessas instituições democráticas.

CC: Quando os parlamentares do PSL acusam a CPI de “CPI da Censura”, a senhora considera que eles estão mentindo?

LM: Acho que eles estão se sentindo ameaçados e estão criando uma palavra de ordem, um bordão, para se colocar contra e na verdade e fazer com que a sua plateia, os seus liderados, produzam fake news com essa ideia de que é a CPI da Censura. Não há nenhuma censura na CPI, nenhuma intenção de censurar ninguém. Há intenção, sim, de combater o crime da falsidade, da inverdade, da desinformação. Quando alguém põe na rede que é perigoso vacinar crianças contra gripe, contra sarampo, isso é um crime contra o direito daquela criança e do país de ficar imune de uma doença virótica que pode matar. Eu acho que o momento agora, principal, é de viabilizar a CPI. Esse é o desafio.

CC: A senhora acha que a existência da CPI está em risco?

LM: Temos duas sessões que não conseguimos avançar. Então, há riscos claros. Mas nós estamos nos movimentando, nos mobilizando, para convocar todos os deputados e inclusive tem proposição para que possa garantir quórum e maioria para a votação.

FOTO: CLEIA VIANA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

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