Grandes projetos econômicos são violentadores. Por Gilvander Moreira[1]

O que foi experimentado pelo campesinato no município de Salto da Divisa, na região do Baixo Jequitinhonha, em Minas Gerais, com a implantação do grande projeto da barragem e da hidrelétrica de Itapebi já vinha sendo implantado em todo o país. Ainda em 1989, estudando o avanço avassalador do capital no campo brasileiro, José de Souza Martins avaliava: “Os grandes empreendimentos e os chamados grandes projetos (rodovias, hidrelétricas, projetos de colonização e de mineração) têm chegado ao campo e, particularmente, à Amazônia com uma face mortal. Não chegam apenas para açambarcar terras. Destroem modos de vida, desmoralizam as populações locais, como denuncia o caso dos povos indígenas, cujos territórios foram invadidos e mutilados” (MARTINS, 1989, p. 89).

Atualmente no Brasil, e na maioria dos países do mundo, o povo vive sob as agruras e o tormento dos grandes projetos do capital. No Brasil, estes são executados em nome do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento -, no Nordeste, apelidado de Programa de Ameaça às Comunidades. Dentre os grandes projetos do PAC, os de maior impacto são: as grandes barragens e usinas hidrelétricas, como as de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia; a barragem e hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, em Altamira, no Pará; a Transposição das águas do rio São Francisco (Cf. MOREIRA, 2008a); construção de vários portos e aeroportos e ampliação e modernização de outros; fusão de grandes empresas que concentram cada vez mais o capital e vão matando as pequenas e médias empresas. Exemplos não faltam nas áreas de telecomunicações, de aviação, das construtoras, dos grandes supermercados, dentre muitos outros. “Muitos pensam que esses projetos beneficiam todo o povo, mas, na realidade, trata-se de infraestrutura para viabilizar o crescimento do capital, hoje primordialmente nas garras de empresas transnacionais” (MOREIRA, 2013a, p. 340-341). Quase sempre esses grandes projetos são realizados por grandes empresas, mas por meio de financiamento público, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)[2]. Se olharmos bem, a história se repete, mas desta vez com uma morte diferente. Os homens estão no poder. Todavia, o poder que conta é o poder econômico. Os homens do poder estão subservientes e ajoelham-se diante dos interesses do capital: o chefe do Executivo, o parlamento silencioso e vendido e, principalmente, o Poder Judiciário, que tem a função precípua de exigir o cumprimento das leis e da Constituição, no entanto, de costas para as normas vigentes, mascara os seus julgamentos nas picuinhas do processo, deixando passar a largo a correta interpretação das normas. O desvio das funções constitucionais atribuídas às Forças Armadas afronta o povo brasileiro: o exército foi e continua sendo usado para fazer grandes obras de interesse do capital, tal como a transposição do rio São Francisco, obra faraônica, em benefício dos antigos coronéis da seca e do hidronegócio.

A chegada de um grande projeto em um território a ser anexado pelo capital é sempre envolvida por campanha publicitária espetacular que anuncia estar chegando à região uma alavanca de crescimento econômico e social, geradora de emprego e que não irá causar grandes males à já tão sofrida natureza, a biodiversidade e às pessoas. Chefes da política, da economia e até da religião são cooptados e muita gente seduzida. Assim, parte da população cegada acolhe esses projetos como se fossem benfeitores que trarão emprego e melhorias sociais, mas, logo, descobre que eles geram poucos empregos e, muitas vezes, em condições análogas à de escravidão. O certo é que as grandes obras geram mais desemprego do que empregos. Acontece o que ensina a fábula O Escorpião e o Sapo, que diz: um escorpião pede a um sapo que o leve através de um rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião argumenta que não há motivo para o sapo temer tal traição, pois se picasse o sapo, esse afundaria e o escorpião da mesma forma iria junto afogar.  O sapo concorda e começa a carregar o escorpião, mas no meio do rio, o escorpião, de fato, aferroa o sapo, condenando a ambos. Quando perguntado por que ferroou o sapo, o escorpião responde que esta é a sua natureza. Isso mesmo: a natureza do capitalismo é aferroar vidas o tempo todo e cada vez com mais veneno. O funcionamento do capitalismo exige expansão, crescimento sem limites. Isso é impossível, pois a natureza precisa de tempo para se recuperar das agressões. A mercadoria, base da acumulação do capital, destrói o ambiente e explora os trabalhadores.

Resistir a esses grandes projetos do capital, na luta pela terra ou na resistência nos territórios ou ainda na luta pela retomada de territórios invadidos pelo capital, é mais do que lutar pela terra, é lutar pela preservação de um modo de vida, que era o modo de vida dos nossos ancestrais – os povos indígenas e os camponeses: modo de vida sustentável, justo e ético.

Belo Horizonte, MG, 24/9/2019.

Referência.

MARTINS, José de Souza. Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC, 1989.

MOREIRA, Gilvander Luís (Org.). Dom Cappio: rio e povo. Frei Luiz, um profeta na luta em defesa da vida do rio São Francisco e do seu Povo. Transposição, não!. São Leopoldo/RS: CEBI, 2008a.

______. Grandes projetos na Bíblia e a resistência do povo. In: A volta de Babel: a Bíblia e os megaprojetos. Revista Estudos Bíblicos, v. 30, n. 120, p. 339-358, out./dez./ 2013a.

Obs.: Abaixo, vídeos que versam sobre o assunto apresentado, acima.

1 – No VI Nordestão das CEBs, os Grandes Projetos são questionados e denunciados. 21/07/2012

2 – Na Chapada do Apodi/RN, 800 famílias resistem a um mega projeto de agro-hidronegócio. 07/12/2012

3 – VALE construindo muralha de 70 metros e 1 Km/São Gonçalo do Bação/Itabirito/MG. Vídeo 4 – 09/9/19

4 – SEGUNDO Palavra Ética com Cappio e Adriano: Transposição do rio São Francisco, não! 29/10/2012

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

[2] O S de “social” do BNDES está esquecido, desenvolve-se o econômico à custa do social.

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