Um turismo para dialogar com povos tradicionais

No Vale do Ribeira, SP, quilombolas recebem visitantes para apresentar outro modo de relação com a terra, e sua luta por direitos fundamentais. Ao contrário do turismo predatório, é gerido pela comunidade — com protagonismo de mulheres

por Cecilia Zanotti*, em Outras Palavras

Enquanto na urbe alguns quebram a cabeça sobre como conciliar ganhar dinheiro com algum propósito, os quilombolas parecem saber bem como viver com dignidade, de forma coletiva, com amor ao trabalho, à natureza, à terra, aos rios tão presentes na região e se orgulhando da própria identidade afro-brasileira e indígena.

Jardelina, Diva, Zélia, Marina, Elvira, Sirlei, Laura, Domingas, Marilda, Zilda, Esperança!

Esses são os nomes das mulheres quilombolas que inspiraram uma proposta de viagem diferente. A ideia é apresentar a um grupo de visitantes vindos da cidade, de forma divertida e afetuosa, o modo de viver de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira a partir do papel e das histórias das mulheres.

O objetivo da viagem é valorizar as culturas ancestrais vivas e refletir a partir da convivência com quem ainda vive e trabalha de forma tradicional: agricultura orgânica e sustentável, cujo sistema agrícola, a roça de coivara quilombola, foi certificada pelo IPHAN; trabalho coletivo com puxirão de colheita e construção; meios de produção comunitários; culinária de mandioca, milho, banana, abóbora, feijão, peixe, galinha caipira e muito mais; música, dança, artesanato de palha de bananeira e principalmente resiliência e resistência.

Esse é o conceito de turismo de base comunitária, em que a viagem foi desenhada. Um turismo no qual os meios de hospedagem e alimentação são de propriedade da comunidade e as atividades dos visitantes acontecem em torno dos saberes, desafios e riquezas da própria comunidade.

O roteiro destaca as vozes das mulheres quilombolas e seu papel central na manutenção das tradições e dos saberes nas famílias e busca chamar a atenção para duas necessidades fundamentais de nos entendermos como povo nesse momento da história.

A primeira é estarmos conscientes de que o Brasil ocupa a 4ª pior posição na América Latina em igualdade de gênero no ranking do Fórum Econômico Mundial e que foi conveniente esconder por séculos as mulheres dentro de casa, longe da sua independência financeira e a serviço do homem tomador de decisões e trabalhador.

O grupo irá conhecer mulheres que dividem decisões importantes com os líderes homens, gerenciam a Pousada, a Cozinha Comunitária e os grupos de artesanato que geram receita para a comunidade. Além disso, elas produzem em suas roças, viajam com parceiros para o exterior, dão palestras e conduzem atividades em eventos, sem falar em todo trabalho doméstico que continua a ser feito.

A segunda é termos um contato mais próximo com as raízes afro-brasileiras e indígenas e conhecermos suas lutas por direitos fundamentais, como a posse da terra, educação básica e superior, saúde, comunicação, transporte, conservação das estradas (tão importante para quem está em regiões de difícil acesso), entre outros.

Hoje, algumas comunidades quilombolas já vivem a realidade de jovens formados no ensino superior em áreas como o direito, história, engenharia e outros cursos, que regressaram para fortalecer a luta do seu povo ou se espalharam mundo afora para garantir a conquista de direitos de todos os quilombolas ocupando novos espaços que permitem esse impacto.

Para mediar esse encontro, três mulheres se uniram.

Bel Santos Mayer vai trazer sua história de luta e transformação social por meio da leitura e da educação. Referência como liderança feminista negra, Bel vai apoiar o grupo nas reflexões e pretende se divertir conhecendo uma região e cultura que não teve a oportunidade de se aproximar antes.

Lívia Guimarães, nascida em uma família matriarcal em São João del Rei, traz seu exemplo de sucesso na atuação em diversas organizações sociais em Recife e São Paulo, seu amor pela culinária e sua luta por igualdade de direitos entre mulheres e homens e principalmente mulheres negras.

Cecilia Zanotti, pretende colaborar com sua experiência em facilitação e condução de rodas, desenvolvida nos anos de convivência com a Pedagogia Griô de Líllian Pacheco na Bahia e na metodologia Modelo do Empoderamento Criativo que usa as artes para criar conexão entre as pessoas.

Tudo isso operado pela Araribá Turismo e Cultura, agência especializada em turismo comunitário, na figura de Ederon Marques que desde 1996 visita e trabalha em parceria com as comunidades em diversos projetos e criou uma profunda amizade com a turma do Vale do Ribeira.

Por último e não menos importante, a viagem acontece em parceria com a plataforma diaspora.black, que comercializa parte das vagas. A Diáspora é uma rede global de anfitriões e viajantes que amam a cultura negra e buscam viver experiências autênticas e inesquecíveis em suas viagens.

*Consultora de diversidade, criatividade e mobilização social. É fellow da ASHOKA e formada em administração de empresas (FGV).

Viagem de convivência com lideranças femininas de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira
Quando: 15, 16 e 17 de novembro
Para se inscrever, clique aqui
Mais informações:
(11) 9-6859-3735
[email protected]

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