MPF pede à Justiça anulação do decreto que alterou composição da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Ação aponta que nova composição é incompatível com as finalidades da CEMDP, criada para o reconhecimento de mortes e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura militar no Brasil

O Ministério Público Federal ingressou nesta segunda-feira (30) com ação na Justiça para que seja anulado o decreto presidencial pelo qual foram substituídos quatro dos sete integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), criada por lei para o reconhecimento de mortes e desaparecimentos em razão de violações de direitos humanos ocorridas após o golpe civil militar no Brasil.

A ação foi apresentada à 3ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre com o objetivo de tornar sem efeito as nomeações de Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro, Vital Lima dos Santos, Weslei Antônio Maretti e Marco Vinicius Pereira de Carvalho. No documento, o MPF também requer que sejam declarados nulos os atos praticados por esses integrantes no período em que estiveram na CEMDP.

Para o Ministério Público Federal, o decreto presidencial que estabeleceu a nova composição da Comissão é “eivado dos vícios de desvio de finalidade, motivação deficiente e inobservância do procedimento exigido para o ato”.

No documento, o MPF destaca que as finalidades da CEMDP foram estabelecidas por lei e são eminentemente voltadas ao cumprimento de sentença internacional dirigida à identificação do paradeiro de quase quatrocentos cidadãos e cidadãs que desapareceram no contexto das graves violações a direitos humanos cometidas durante o regime de exceção.

“O que se está sustentando nesta ação é que a substituição discricionária de membros integrantes da CEMDP deve atender aos fins da Lei Lei 9.140/95 e às obrigações constantes da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund. Ocorre que não foi o que se passou com a edição do referido Decreto, pois a nomeação dos integrantes da CEMDP recaiu sobre pessoas com posições públicas contrárias aos objetivos do que trata a legislação”, destaca o documento.

Publicado em 31 de julho, o decreto foi emitido apenas dois dias após crítica formulada pela então presidente da Comissão, a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga, a comentário feito pelo presidente Jair Bolsonaro acerca do desaparecido Fernando Santa Cruz.

Além de exonerar a presidente do órgão, também foram substituídos o deputado federal Paulo Pimenta, representante da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, e a ex-integrante da Comissão Nacional da Verdade Rosa Cardoso.

Em entrevista concedida à imprensa, o chefe do Poder Executivo assim justificou as mudanças operadas na CEMDP. “O motivo é que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também”.

Para o Ministério Público Federal, a justificativa é incompatível com as finalidades específicas buscadas pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.

“A inconteste natureza de livre nomeação dos membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos não elimina nem exclui o controle jurisdicional de legalidade do ato. Nesse sentido, a substituição discricionária de membros integrantes da CEMDP deve atender aos fins da Lei 9.140/95 e às obrigações constantes da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund”.

A fim de apurar as circunstâncias em que se deu tais nomeações, as Procuradorias da República no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul instauraram inquéritos nos quais foi solicitado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos cópia integral do procedimento administrativo em que tenha sido apreciada e motivada a substituição dos membros da CEMDP. Também foram solicitados os currículos e informações acerca da adequação da novas indicações às finalidades legais do colegiado.

Após recusa inicial, a pasta encaminhou ao MPF cópia do procedimento, acompanhando de ofício no qual argumenta que “os membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos são de livre escolha e designação do Senhor Presidente da República, sendo, portanto, ato administrativo discricionário do chefe do Poder Executivo, segundo seus critérios de oportunidade e conveniência”.

O auto administrativo disponibilizado ao Ministério Público não correlaciona os conhecimentos ou a experiência dos indicados para assumir a relevante função, nem tampouco identifica os problemas ou deficiências encontradas no que se refere aos membros substituídos.

“Não se trata, convém sublinhar, de negar o poder discricionário do chefe do Poder Executivo de nomear os membros da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos – respeitada a competência da Câmara dos Deputados e do Ministério Público Federal para indicar seus respectivos representantes. No presente caso, questiona-se a validade da indicação de pessoas que não possuem experiência profissional ou acadêmica para funções de Estado diretamente ligadas ao cumprimento de obrigação ética e jurídica em matéria de direitos fundamentais. Pessoas, inclusive, com manifestações públicas de elogio a notórios torturadores, como é o caso do coronel Weslei Maretti, e que pois, indicam uma visão contrária às atividades da própria CEMDP”.

Respeito à autonomia dos Poderes

Na ação apresentada à Justiça, o Ministério Público Federal chama atenção para o fato que a nomeação do deputado Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro foi feita, inclusive, sem consulta à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, órgão titular da vaga – em ofensa ao princípio da separação e autonomia dos Poderes.

“Descabe ao chefe do Poder Executivo a indicação, nomeação ou escolha de representantes do Poder Legislativo, sob pena de ferimento tanto do Regimento Interno da Câmara, o qual tem estatura de lei ordinária, como do art. 2º da Constituição Federal”, aponta o documento, ao mencionar que, no caso do representante do Ministério Público Federal, por exemplo, a indicação se deu pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Na ação, o Ministério Público Federal aponta dados do relatório da Comissão Nacional da Verdade segundo os quais das 243 vítimas de desaparecimento forçado durante a ditadura militar no Brasil, apenas 33 delas tiveram seus corpos identificados. O texto destaca que, atualmente, o único órgão do Estado brasileiro cujas finalidades incluem esta difícil temática é a CEMDP.

“O trabalho desenvolvido pela CEMDP nada tem de ideológico, pois visa, antes de mais nada, atender a um mandamento constitucional, legal e ético, consistente na busca pelo paradeiro de desaparecidos em razão de atos cometidos pelo próprio Estado brasileiro durante o último regime de exceção”.

A Ação Civil Pública é assinada pelos procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul, Enrico Rodrigues de Freitas, em conjunto com os procuradores regionais dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro Sergio Suiama e Ana Padilha de Oliveira.

Assessoria de Comunicação e Informação
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)
Ministério Público Federal

Imagem: MPF

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