Alceu Castilho sobre o texto de Eliane Brum

Em Alceu Castilho

Vejo um monte de problemas no artigo da Eliane Brum sobre Luiz Inácio Lula da Silva: “Lula livre, sim, mas sem fraudar a história“. Não do ponto de vista estilístico, claro, onde ela reina, mas em determinadas ênfases e ausências.

Principal problema: a adversativa. Ou antes disso: duas coisas muito diferentes na mesma frase. Como equivalentes. Quando uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Os pesos são diversos. As narrativas, bem diversas.

Lula precisa estar livre porque vivemos em um Estado de Direito  particularmente raptado, onde as aparências de democracia foram arrebentadas para que nossa plutocracia mostrasse quem é que manda mesmo nessa bodega.

Ele foi preso pelas suas qualidades, não pelos seus defeitos. Pela sua história e de sua família, por ser filho da Senzala. Por ter distribuído alguma renda. Feito alguma inclusão. E não pelos problemas – maiores ou menores, conforme nossa visão de mundo – de seu governo.

Eliane Brum foca em Belo Monte. Como de costume. Bom, no que se refere à questão agrária poderíamos enumerar outras tantas iniciativas deploráveis dos governos Lula e Dilma. A partir de uma perspectiva crítica, à esquerda. Em defesa de direitos.

Só que isso não tem (ou não deveria ter) conexão com o universo das penitências jurídicas. Que se proponha, mais ou menos ingenuamente, esta ou aquela candidatura, este ou aquele modelo alternativo. Que se faça a disputa política.

Mas o fato é que nossas elites prenderam Lula e derrubaram Dilma. Por decisão de classe e por sadismo. Mesmo que eles tenham feito Belo Monte. Mesmo que tenham promovido o agronegócio e a mineração e agradado banqueiros e empreiteiros. 

Quem é mesmo que frauda a história?

Os lulistas? Os petistas? Ou aqueles que inventaram as pedaladas fiscais e mamadeiras de piroca? Ou, muito antes disso, aqueles que fazem de conta que rumamos para um Direito justo, equânime, que paire sobre as divergências políticas?

A história está sendo fraudada diariamente nas páginas de cada jornal. Estamos sendo envenenados e o povo está sendo despejado e o país é grilado e os bancos nos assaltam diariamente e tudo isso é estruturalmente violento. 

Não é que apenas Belo Monte seja um troço violento, como se fosse uma erupção em um país ordenado e pacífico. Nosso país é estruturalmente violento e os indígenas já estavam sendo massacrados. Pescadores e camponeses, esmagados.

E não é que apenas nosso país seja violento. Nosso país é um quintal de violência em um mundo que simula honradez por causa de suas ilhas civilizatórias – enquanto suas ilhas civilizatórias despejam seus agrotóxicos e seus canhões onde convenha.

A disputa pelas narrativas é estrutural. Não fraudemos a história. Em seus vários aspectos. E essa história é a história de uns poucos bípedes que expropriam o trabalho de bilhões. Com requintes de crueldade e com esse Direito e essa imprensa alinhados para construir e reproduzir farsas grandiosas.

Em meio a esse arsenal, com motivações econômicas, movem-se os Estados. E se movem os políticos. A administrar determinadas migalhas, a promover – no máximo – políticas de mitigação.

Alguns são mais cúmplices que outros. Certamente Lula não está preso porque fez Belo Monte. Tivesse só feito isso (ou reproduzido esse tipo de barbárie disfarçada de progresso), talvez ainda estivesse sendo tolerado.

Lula precisa estar solto sem adversativas. Porque sua prisão é um recado: não ousem atravessar nossas cercas. Nem mesmo com esses rostos conciliatórios.

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