Para economista, Brasil vai na contramão do mundo ao privatizar setores estratégicos

Na Pulsar Brasil

Em agosto o governo Bolsonaro  anunciou  uma lista com 17 empresas estatais que serão privatizadas. Entre as companhias estão a Eletrobras, os Correios e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).

Pulsar Brasil conversou com o economista e supervisor  técnico do escritório do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Rio de Janeiro, Paulo Jager, para entender o impacto que  as medidas adotadas pelo ministro da economia Paulo Guedes podem causar na vida da população.

Jager alerta que a situação é mais grave no ponto de vista da soberania. Segundo o economista, setores estratégicos como o petróleo e gás e a energia hidroelétrica não estão sendo privatizados, mas sim transestatizados, ou seja, vendidos para empresas estatais de outros países, como a China, por exemplo.

Pulsar: O governo Bolsonaro tem se voltado muito para as questões das privatizações. No mês de agosto foi anunciado que cerca de 17 empresas entrariam na lista das privatizações. Entre elas, a Eletrobras, os Correios e a Casa da Moeda. Qual impacto que esse processo de privatização pode gerar dentro da nossa sociedade brasileira?

Jager: Pensando na sociedade brasileira, no país e na economia, os impactos são múltiplos. As empresas estatais são uma forma de intervenção do Estado na economia importante e essa forma é adotada na maioria dos países do mundo. Os países que têm relevância no cenário mundial, todos eles têm empresas estatais. Elas, por exemplo, cuidam da produção e fornecimentos de serviços que são essenciais à vida.

No caso do setor de saneamento e água, temos visto que várias empresas nos países centrais, França, Alemanha, Estados Unidos, muitas são empresas de âmbito municipal e foram privatizada nos anos 90 numa primeira onda neoliberal. No período recente, por não terem cumprido a sua função de tornar a água um bem acessível a todos e de qualidade e a preço acessível, elas estão sendo reestatizadas, inclusive aqui no Brasil também.

No caso da energia hidroelétrica, é a mesma coisa. Esse também é um bem que é produzido pelo Estado na maioria dos países que tem potencialidade hidroelétrica relevante. Os 10 países maiores no mundo em termos de capacidade hidroelétrica é o Estado que controla as empresas. Na China, na Rússia,  na Índia e nos Estados Unidos. 3/4 da energia hidroelétrica norte-americana é produzida por empresas estatais, sendo uma parte relevante nas mãos do Exército americano.

Qual a consequência deste modelo ultraliberal que tem sido adotado pelo ministro Paulo Guedes para a soberania do nosso país?

Esses segmentos que são estratégicos, seja porque produzem serviços ou bens essenciais a vida, seja porque produzem bens ou serviços de tecnologia avançada de comunicação ou, no caso do petróleo e gás, produzem um bem que tem valor estratégico em nível internacional, porque ele é muito escasso. O mundo inteiro ainda se move na base dessa fonte de energia. É um bem estratégico de alto valor. Nenhum país em sã consciência abre mão disso, da empresa que explora e das reservas de petróleo e gás que detêm.

A maioria esmagadora das empresas são estatais, na Arábia Saudita, no Irã, na Rússia, aqui no Brasil ainda, embora a gente esteja no meio do caminho. Nesse caso do petróleo e gás, além da importância na geração de energia, para movimentar o país, ela tem uma outra importância que é de gerar uma renda extraordinária que poderia ser utilizada pelo Estado brasileiro e, consequentemente, pela população para investir em educação, ciência e tecnologia. É uma loucura o que a gente está fazendo.

Dentro da sua avaliação, Paulo, você acredita que o processo de privatização é pior em qual setor? Onde a consequência para a população pode ser mais agravante? É o setor da cadeia produtiva e de distribuição do petróleo? É o setor elétrico?

Aqui, embora tenha esse número de mais de 200 empresas estatais de controle direto e as suas subsidiárias, segundo o último boletim das estatais do governo federal, nós temos pouquíssimas empresas grandes que respondem pela maior parte dos ativos das empresas estatais brasileiras, que é a Petrobras e depois Eletrobras. Temos os grandes bancos: Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES, para citar os exemplos mais significativos. Temos os Correios e temos, a partir daí, algumas outras empresas que não são relevantes pelo seu tamanho, mas pelo serviço que elas prestam, que é o caso da Embrapa, de alta tecnologia na área do desenvolvimento agrícola e pecuário e que ao longo do tempo deu enorme contribuição para a sociedade brasileira.

Todos os segmentos são importantes. Em termos do valor, a Petrobras e as reservas do petróleo, porque a gente não está privatizando só as empresas, a gente está privatizando também as nossas reservas minerais, mas a Petrobras com a sua capacidade de explorar o Pré-Sal e as reservas do Pré-Sal são o que tem maior valor. Para a gente pensar o desenvolvimento do país eu diria que todas essas que eu mencionei são estratégicas. Você precisa ter energia elétrica pra ter o controle, a participação da Eletrobras não só para prover energia, para controlar os nossos rios, mas para regular esse mercado de oferta de energia e geração e transmissão porque é um mercado que tem uma forte presença de empresas privadas. A empresa estatal pode cumprir esse papel de ajudar a regular a oferta, o preço, para evitar preços exorbitantes.

O Serpro, que é o  Serviço Federal de Processamento de Dados, está no alvo desse processo de privatização. A companhia acaba sendo uma empresa pública muito importante porque desenvolve tecnologia e sistema de informação para todos os órgãos públicos e até para algumas empresas privadas. E sabemos que os dados valem ouro. Como você vê a privatização de empresas que tratam de serviços tão delicados?

Eu vejo de forma grave, gravíssima. As pessoas não se dão conta. Na verdade, não só o Serpro, mas também a Dataprev, que processa os dados da previdência social. Como você mencionou, talvez o que mais tenha adquirido valor nos últimos anos são as empresas que atuam nessa área de tecnologia da informação. E tem também um outro significado, que é relacionado a soberania, porque você pode controlar as informações estratégicas sobre as pessoas, os cidadãos e nós nunca deveríamos abrir mão de ter essas empresas, porque além de desenvolverem esse software que você mencionou, elas também detêm  grandes bases de dados sobre o conjunto da população brasileira.

Nesse caso específico das informações, mas também no caso do petróleo e gás e energia hidroelétrica está em questão  a soberania nacional. Nós estamos perdendo soberania, não é só porque as empresas estão sendo privatizadas e desnacionalizadas – porque na maioria dos casos quem compra é uma empresa estrangeira e não uma brasileira que não detém capital para isso- .

Muitas dessas companhias estão sendo vendidas para empresas estatais de outros países. É mais grave ainda do ponto de vista da soberania, porque não é um processo de privatização, embora a figura jurídica, a natureza jurídica das empresas daqui seja privada, na verdade essas empresas são controladas por outros Estados nacionais, como é o caso da China e França. É um processo na verdade de transestatização e não de privatização. Nós estamos abrindo mão da nossa soberania, porque as decisões estratégica sobre esses recursos e serviços serão tomadas por governos de outros países. 

Foto: Felipe Dana / Ag. Petrobras

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Jaqueline Deister.

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