Dia 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares, dia da Consciência Negra. É vital recordar a crueldade da escravidão do passado e as lutas libertárias travadas ao longo da história. No estado de Alagoas, o Quilombo dos Palmares, em 1670, contava com mais de 20 mil pessoas e resistiu por mais de 100 anos ao sistema escravista. Recentemente, 11 Acampamentos do MST, em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, em homenagem à resistência quilombola no estado de Minas Gerais, batizou o nome da sua luta de “Quilombo Campo Grande”, em que cada Sem Terra é outro Zumbi e outra Dandara.
O Quilombo dos Palmares é considerado um grande símbolo nacional de luta, mas é importante também ressaltar que a antiga Confederação dos Quilombos Campo Grande, em Minas Gerais – um dos estados com escravidão mais cruel -, vem sendo considerada por historiadores ainda muito maior do que foi o Quilombo dos Palmares, tendo sido composta por, pelo menos, 27 núcleos de resistência, espalhados por territórios que abrangem hoje, em Minas Gerais, o Centro-Oeste, o Alto São Francisco, o Sudoeste e o Triângulo Mineiro e , em 1752, segundo o pesquisador Diogo de Vasconcelos, chegou a possuir vinte mil habitantes. Os líderes quilombolas Ambrósio e Pedro Angola da Confederação do Quilombo Campo Grande devem ser também lembrados por todas as pessoas que lutam por direitos humanos fundamentais e sociais. Na segunda metade do século XVIII, houve várias investidas repressivas que visavam desbaratar os principais núcleos quilombolas em Minas Gerais. A perseguição e a matança de negros escravizados foi grande, cruel e hedionda. O capitão do mato, Bartolomeu Bueno Prado, fez questão de trazer para mostrar ao governador da capitania de Minas Gerais 3.900 pares de orelhas de negros escravizados assassinados. Apesar da intensa perseguição, muitas pessoas quilombolas conseguiram fugir para as matas, pois a existência de rotas de fuga antes da chegada das milícias saqueadoras e repressivas era uma forte estratégia de resistência negra.
A história oficial divulgou o extermínio total dos quilombolas, da mesma maneira que dizia não haver mais indígenas nas matas e nas vilas! Muitos indígenas e quilombolas se mantiveram na invisibilidade como forma de resistência ao sistema repressor e ao preconceito racial e social. Todavia, atualmente muitas comunidades remanescentes de quilombolas que estão se organizando e lutando por seus direitos em Minas Gerais têm a sua raiz na belíssima história dessa grande Confederação de Quilombos Campo Grande. Atualmente, em Minas Gerias, há mais de 800 Comunidades Quilombolas já autorreconhecidas e com processo de reconhecimento junto à Fundação Palmares e há outras centenas de Comunidades Quilombolas em processo de autorreconhecimento nas minas e nos gerais.
Temos que recordar também que o coronelismo, em Minas Gerais, devastou matas e escravizou o povo camponês. Os fazendeiros colocavam os empreiteiros para derrubar a mata e transformar em pastagem de capim colonião. Os agregados podiam fazer uma pequena roça para a subsistência – mandioca, banana, milho, abóbora, feijão, batata doce, arroz e alguma verdura -, mas no ano seguinte não podiam replantar. Esse poder do dono da terra ou do gerente do proprietário da terra vem de longe. “Não era a dívida apenas que prendia o colono ao cafezal, mas o fato de ser um trabalhador livre de meios de produção, sem alternativa senão a de trabalhar nas fazendas da grande lavoura” (MARTINS, 2013, p. 54). O controle do fazendeiro sobre o colono agregado chegava ao ponto de ser necessária autorização do fazendeiro ou do administrador da fazenda para que o colono pudesse se ausentar da fazenda para ir à cidade mais próxima para visitar um parente ou um conhecido (Cf. MARTINS, 2013, p. 242).
Necessário também recordarmos que dia 20 de novembro de 2004, um sábado chuvoso, dia, por volta das 10h40 da manhã, Adriano Chafic, dono também de muitas outras fazendas na Bahia, chegou ao Acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, MG, com um bando de 17 jagunços. Renderam um Sem Terra que estava na guarita do acampamento e, com revólver encostado na sua orelha, o obrigaram a soltar um foguete, que era a senha para reunir todo o povo do acampamento em caso de ameaça ou de necessidade de se reunir com rapidez. O povo começou a se reunir. Visto por muitos no local, Adriano Chafic liderava um massacre, perguntando “Cadê a Eni e o Jorge?” e ordenando “Podem atirar e matar…”. O bando de jagunços – uns encapuzados, outros não – iniciaram os disparos. Dentro de poucos minutos já tinham assassinado cinco Sem Terra – Francisco Nascimento Rocha (72 anos), Juvenal Jorge da Silva (65 anos) Miguel José dos Santos (56 anos), Joaquim José dos Santos (49 anos) e Iraguiar Ferreira da Silva (23 anos). Todos os tiros foram à queima roupa. Feriram mais de 12 pessoas, incendiaram com gasolina dezenas de barracos de lona preta, inclusive a barraca da Escola, a barraca de alimentos, a barraca da biblioteca, barracos da Eni e do Jorge. Uma criança de doze anos levou um tiro próximo ao olho. Puseram gado nas lavouras dos Sem Terra. Muitos trabalhadores do acampamento ficaram, desde então, amedrontados e portadores de alguma doença, física ou mental, como consequência daquele crime.
A escravidão não acabou, infelizmente. O que se vive atualmente no Brasil e na América AfroLatíndia, com os inúmeros retrocessos e perdas de direitos conquistados pelos povos e a ascensão de fascistas, fundamentalistas religiosos e militares ao poder político é uma forma concreta de reproduzir a escravidão de muitas formas. Não percamos a memória das lutas de resistência! Sobretudo a memória das nossas ancestralidades, de Dandara, de Zumbi, de Chico Rei, dos povos indígenas, de quem resistiu ontem e resiste bravamente com o povo boliviano, chileno e argentino. O momento dramático de tsunami do capitalismo neoliberal no Brasil e América AfroLatÍndia exigem de nós coragem e perseverança nas lutas de resistência e por conquista de direitos. Os opressores são poderosos, mas contraditórios e, por isso, têm pés de barro quebradiços. “Todos os que cometem injustiças serão como palha na fornalha acesa. E deles não sobraram nem raízes e nem ramos” (Malaquias, 3,19), diz o profeta Malaquias.
Referência.
MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. 9ª edição. São Paulo: Contexto, 2013.
Obs.: Os filmes e vídeos nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – De Galanga no Congo a Chico Rei em Ouro Preto
2 – Massacre de Felisburgo: Mística durante o Encontro de preparação para o Plebiscito Popular em MG
3 – Palavra Ética com Jorge Rodrigues e Maíra Gomes, sobreviventes/Massacre/Felisburgo/MST. 07/11/2012
4 – Comunidade Quilombola Braço Forte, em Retomada/Salto da Divisa, MG/A luta pela terra/09/6/2016.
5 – Terras devolutas Salto da Divisa, MG, tem muito. Povo Sem Terra repudia opressão a CPT. 10/06/2016
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[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.