Exportações, bote salva-vidas de Bolsonaro

Cúpula dos BRICS revela: nem só de desvarios se faz um governo, é preciso pitadas pragmáticas. Elites ajudaram-no a se eleger – agora cobram crescimento. Diante de ineficaz alinhamento aos EUA, pode apostar em outras parcerias…

por Paulo Kliass*, em Outras Palavras

O saldo político, econômico e diplomático da 11ª Cúpula dos BRICS, realizada em Brasília entre 13 e 14 de novembro, pode ser analisado sob diferentes pontos de vista. De qualquer maneira, tratou-se de um evento de expressão inegável, que contou com a participação direta e presencial dos chefes de Estado dos 5 países do bloco.

O ponto mais interessante a ser analisado é como encaixar esse encontro e a dedicação exercida pela diplomacia brasileira para sua realização no contexto mais geral do programa do governo Bolsonaro para as relações exteriores. Ao que tudo indica, trata-se de mais uma mudança de rota em pleno movimento. Durante a campanha eleitoral de 2018, era nítida e explícita a opção do candidato por um alinhamento automático à política externa norte-americana, em especial depois da vitória de Donald Trump nas eleições daquele país.

O comando para tanto vinha da parte de Olavo de Carvalho e outros ideólogos da extrema-direita tupiniquim que se aboletaram em torno da candidatura do ex-capitão e deputado federal. A estratégia era estigmatizar as opções de política externa levadas a cabo pelos governos anteriores, quando Lula e Dilma promoveram o aprofundamento da chamada relação Sul-Sul e o fortalecimento da integração regional na América Latina e no Mercosul.

O estelionato diplomático do capitão

Além disso, o anticomunismo exacerbado desse povo mirava a China e os atores não alinhados com Washington como inimigos a serem combatidos do ponto de vista diplomático. Nessa leva vinham a Rússia, a Índia e os países europeus mais reticentes à inovação imposta por Trump no cenário internacional. A proximidade pessoal e familiar entre os 2 presidentes foi elemento facilitador de tal estratégia de submissão por parte do representante brasileiro. Entrava em operação um misto de admiração e deslumbramento para com o sucessor de Obama, ao mesmo tempo em que se reforçava o espírito de lambe-botas e a incorporação plena do complexo de vira-lata.

No plano da América do Sul, Bolsonaro não se cansava de criticar os governos “bolivarianos” e forçou um recuo considerável nos mecanismos de integração regional. Com tal orientação em movimento, por exemplo, Mercosul e Unasul foram deslocados para os últimos itens da pauta de prioridades do Itamaraty.

Outra opção de natureza absolutamente doutrinária foi o envolvimento desnecessário com a pauta israelense de reconhecimento de Jerusalém como a capital daquele país em substituição a Tel Aviv. Na verdade, aqui combinou-se uma imposição direta de Trump e uma medida que soava simpática a parcelas do movimento neopentecostal em nossas terras, que veem com enorme simpatia a ação beligerante dos Estados Unidos no conflito do Oriente Médio.

Saída exportadora exige mudança na diplomacia

Toda essa inflexão na política externa consolidada há muito tempo no Itamaraty não se deu sem problemas nem dificuldades. A nomeação do chanceler Ernesto Araújo colocou o Brasil em uma situação de enormes dificuldades no cenário diplomático mundial. Além disso, a insistência inicial em negar as evidências da urgência da pauta da sustentabilidade também operou como fator de isolamento das delegações brasileiras nos foros internacionais.

Mas talvez o que tenha influenciado mais para alguma mudança nessa linha tenha sido a insatisfação crescente das próprias classes dominantes que haviam se empenhado na campanha eleitoral em outubro passado a favor do candidato do PSL. Afinal, por mais que tenham colaborado para a derrota do projeto político dos governos anteriores, o fato é que seus negócios continuaram a apresentar sinais negativos dessa recessão que parece nunca ter fim. E o capital precisa de faturamento e de acumulação para sobreviver e se multiplicar.

Uma das alternativas para passar ao largo da falta de demanda interna provocada pelo austericídio encontra-se justamente na chamada “saída exportadora”. A ampliação das vendas passa a depender de variáveis externas e os negócios de tais empresas não dependem tanto da capacidade de consumo interno. O ponto aqui é que o Brasil precisa contar com a boa vontade dos compradores de nossas exportações. E para cumprir com tal tarefa, é preciso mudar de forma significativa a linha adotada até o momento nas relações internacionais. Em resumo, faz-se necessário colocar em marcha um estelionato diplomático e se preparar para o conflito com a própria base política e social que foi insuflada na direção contrária desde sempre.

A reunião dos BRICS pode ter sido o ponto de virada nesse processo. Antes o Brasil já havia sido deixado de escanteio na escolha para integrar a OCDE, em um golpe evidente de Trump contra Bolsonaro. A promessa não se cumpriu e talvez Bolsonaro tenha percebido que o jogo pesado dos negócios internacionais não se resolve apenas com afagos pessoais e proximidades familiares. Logo depois, Bolsonaro realizou uma turnê internacional por países asiáticos, onde a ligação com a China foi a grande novidade. A aproximação com o antigo inimigo deu-se a partir da leitura que o alinhamento automático com Trump só isolava o Brasil e os negócios.

China: nova queridinha de Bolsonaro

Os chineses parecem ter correspondido com as expectativas da diplomacia brasileira e foram os únicos agentes estrangeiros a participarem dos leilões mais recentes do Pré-Sal e da cessão onerosa da exploração petrolífera. Na verdade, o fracasso de tais inciativas só não foram completos por conta da presença de duas estatais chinesas do setor.

As estatísticas divulgadas pelo Ministério da Economia a respeito da Balança Comercial apontam para uma queda de 7% no valor das exportações na comparação do período janeiro-outubro de 2019 em comparação com igual período do ano passado. Além disso, os US$ 185 bilhões desse período atual estão bem abaixo da média do segundo mandato de Dilma, por exemplo, quando a média foi de US$ 202 bi para os 10 primeiros meses de 2011 a 2014. Definitivamente parece ter caído a ficha de que o principal parceiro comercial é a China e não mais os Estados Unidos. Nossas exportações para os chineses até outubro atingiram US$ 52 bi, ao passo que para os EUA registraram US$ 24 bi. As exportações para países da União Europeia também superam as norte-americanas. Apesar de uma queda expressiva na comparação com 2018, as vendas externas para a Argentina ocupam esse ano a quarta posição, com uma pauta mais focada em produtos industrializados, de alto valor agregado.

Assim, esse mosaico todo aponta para a necessidade de mudança. A reunião dos BRICS foi o palco para a consolidação de uma etapa desse movimento inicial. O Brasil foi obrigado a assinar compromissos apontando para o multilateralismo nas relações diplomáticas e comerciais, em clara oposição ao que propunham até anteontem Olavo Carvalho e Ernesto Araújo. Documento divulgado ao final da Cúpula estabelece como meta, de forma explícita, o “desenvolvimento sustentável em suas três dimensões – econômica, social e ambiental – de maneira equilibrada e integrada”

BRICS e Venezuela: a trapalhada do filho

A cereja do bolo foi a trapalhada golpista patrocinada pelas forças bolsonaristas, sob a liderança do filho do Presidente da República. Aquele que pretendia obter a indicação para o posto de Embaixador do Brasil em Washington articulou o intento golpista com o autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó. No entanto, ao promover a invasão da Embaixada da Venezuela em Brasília durante a cúpula, o que terminou por colher foi uma condenação pública da parte de seu pai. É sabido que os Presidentes da China e da Rússia apoiam a permanência de Maduro naquele país e pressionam Trump para que se mantenha afastado de qualquer projeto de invasão ou estímulo ao golpe.

A virada na política externa pode representar mais um passo do governo na adoção de pitadas de pragmatismo junto ao cardápio doutrinarista e dogmático de Guedes e Araújo. Os representantes do capital estão cobrando a fatura da promessa feita há mais de um ano, durante a campanha. Talvez ainda não tenham se arrependido totalmente de colaborar com essa aventura irresponsável que representa o governo do capitão. Mas estão exigindo soluções para a retomada de seu faturamento e para o crescimento do PIB. A saída exportadora, com certeza, é uma das que mais aguça seus apetites.

*Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

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