Os fiéis na balança. Por Janio de Freitas

Marcelo Crivella é um pastor evangélico em missão na prefeitura do Rio

Na Folha

O cerco à modesta democracia vem de mais quadrantes do que se tem reconhecido. Os generais do capitão, o próprio e determinadas forças econômicas não são tudo o que pressiona a democracia. Nem, talvez, a força portadora de maiores ambições. O movimento liberticida tem uma dimensão esquecida, que recente arbitrariedade traz à tona.

O impulso de Marcelo Crivella para vetar repórteres do Grupo Globo em entrevista “coletiva”, veio, mais que do próprio prefeito, do avanço antidemocrático de Bolsonaro nos ataques à Folha e à Globo. Incluído em investigação sobre possíveis subornos na prefeitura do Rio, não era ao jornal e sua notícia objetiva que poderia caber alguma reação do prefeito. Ainda menos uma forma de censura, inútil embora.

Pastor, Crivella é reservado, mas não há dúvida de que tem posição muito influente na sua igreja, não só porque sobrinho de Edir Macedo, e entre os pastores em geral. O ar de desinteresse por seu cargo tornaria inexplicável a decisão de candidatar-se. E então se nota que Crivella, por uma infinidade de atitudes e falta de, é um pastor evangélico na prefeitura, maneiroso na sua antipolítica e nas obstruções aos costumes, aos eventos e modos pessoais reprováveis por sua igreja. Um pastor em missão. Sem base política para eleger-se, eleito pela indução (não ilegítima) dos demais pastores nos seus fiéis.

São muitos assim, serão ainda mais nas eleições de 2020. Não por um movimento recente, oportunista. É uma construção planejada, minuciosa, em prosseguimento. Há uns 20 anos, talvez, a repórter Elvira Lobato, da  Folha, ao fazer um trabalho sobre a igreja de Edir Macedo deparou-se, na cúpula, com o que lhe pareceu uma estrutura sobretudo política, propriamente dita. Ativa para fora e fechada. Não havia como apurar muito, mas conversamos bastante, nós dois, sobre o que cada um sabia e concluía.

Um projeto de poder. Para o predomínio, à parte ambições pessoais, de uma concepção de ordem social, de moral pública e de sobrenatural. É o que explica o convívio convergente de tantas igrejas que deveriam atritar-se na conquista e domínio de fiéis, mas cujos chefes se mostram em permanente uníssono público —ressalvada alguma dissensão eventual e nebulosa. Um projeto que não é de uma igreja evangélica, é das igrejas evangélicas. Religioso, admita-se, para a sua massa de fiéis, e político-opressor para a outra multidão.

Bolsonaro, que até poucos meses dizia-se católico, e evangélicos utilizam-se mutuamente. Suas concepções, entendidas as de Bolsonaro como as características do Exército, assemelham-se em muitos pontos, mas não distribuem o rigor da mesma maneira. Entre uma corrente e outra, a diferença indelével: regime militar ou militarizado acaba sempre derrubado, a história não sabe de exceção; o outro, baseado em massas místicas e incultas, com crescimento constante causado pela economia, não se sabe ao que pode levar.

Há mais nos conduzindo do que os “especialistas” percebem.

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PS: Bolsonaro não recuou do ato contra a Folha. Fugiu, isso sim, da derrota certa nas ações judiciais da ABI (de volta a ser ABI) e da OAB. A fuga também é derrota.

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, durante inauguração da linha 3 do VLT. Foto: Hudson Pontes /Prefeitura do Rio

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