Reintegração de posse e violências no Seringal Novo Natal (AM)

Somente no ano de 2019, no Seringal Novo Natal, na Fazenda Palotina, no município de Lábrea, região sul do Amazonas, 21 pessoas foram presas, cinco ameaçadas de morte, 14 pessoas torturadas, 200 roças destruídas e contaminadas por agrotóxicos e oito casas queimadas.

por CPT Acre 

No dia 22 de novembro cerca de 80 policiais militares do Amazonas começaram a acompanhar a reintegração de posse no Seringal Novo Natal, que, inicialmente, atingiria cerca de 160 famílias, entretanto a ação retirou mais de 200 famílias da área. Assim, todas as pessoas que ocupavam a localidade desde o ano de 2015 foram despejadas.

Para que a reintegração de posse fosse autorizada pela Justiça, o pretenso proprietário da fazenda, Sidney Zamora, juntamente com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), se utilizou de diversos malabarismos cartoriais, o que causa inúmeras dúvidas ao processo, inclusive induz a Justiça ao erro.

As famílias, a princípio, foram retiradas de onde viviam sem violência, e acamparam às margens de um igarapé que divide o Seringal com uma terra pública. Havia, num primeiro momento, um acordo com os militares para que os pertences dos moradores da comunidade fossem levados para um local específico. Porém, isso não foi cumprido, e parte do gado, das galinhas, cavalos, porcos, por exemplo, foram deixados no interior da fazenda.

Depois de 12 dias de peregrinação e denúncias no Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública de Manaus, IIncra, Conselho de Meio ambiente e Assembléia legislativa, as famílias decidiram retornar ao Seringal, por ser de onde retiram seu sustento e por terem a certeza que o local não pertence a Zamora.

Já nesta quinta-feira, dia 05, quando as cerca de 200 famílias decidiram retomar a terra, constataram que os policiais permaneceram no local desde o término do despejo, no dia 26 de novembro, e ocuparam as casas dos moradores e a sede da fazenda. 

Os moradores do Seringal, ao entrarem na área, foram recebidos pelos militares armados, que os mandaram sair da localidade. As famílias ficaram revoltadas, e um tumulto teve início, mas não houve agressões físicas. Diante disso, os policiais saíram rumo a sede da fazenda. Todavia, durante à noite, com o reforço de mais PMs, os conflitos se intensificaram.

Uma liderança da área denunciou que, durante a retomada do Seringal, o tenente da PM e comandante da corporação do município de Boca do Acre (AM), Bruno Almeida, levou para a delegacia a esposa de um morador da área, chamado Gilson. No órgão público, diante de várias pessoas, ele teria agredido a mulher, que está grávida, com tapas em seu rosto. Há também a denúncia sobre um menino, menor de idade, que mesmo não estando no local da ocupação, foi levado à delegacia, onde também teria sido agredido pela polícia.

Pedro Batista, do Seringal Novo Natal, que estava com o amigo Claudemir em uma moto no Ramal do Garrafa, distante 17 quilômetros de onde residem, relata algumas violências que sofreram de policiais e capangas da fazenda:

Eles pularam na moto, nos agrediram e derrubaram com muita violência. Fui vítima de muita agressão física e moral, chutes, pontapés e palavras de baixo calão.

Em um momento falei aos policiais que estava vazando combustível da moto, mas os policiais pegaram o capacete e destruíram parte dela. Eles também bateram muito em mim, me algemaram e botaram eu para correr enquanto atiravam no chão. Quando chegamos na beira da estrada, me deram mais pontapés e continuaram a disparar tiros no chão, e diziam que esperavam o tenente chegar para me dar choques e que queriam pegar o Paulo, uma importante liderança local.

Meu amigo Claudemir toma remédio controlado. Ele desmaiou duas vezes e teve várias convulsões. Fez suas necessidades fisiológicas nas roupas, mas os policiais não  permitiram ele fazer a higienização. Foi muita tortura que sofremos.

Histórico

Esta área, historicamente, bem como quase todo o sul do Amazonas, é palco de muita violência. No Seringal Novo Natal, desde o ano de 2015 as famílias vivem em constante tensão e sofre vários processos de criminalização. Na localidade já ocorreram ameaças de morte, mais de 70 prisões, expulsões, espancamentos, violência psicológica e incêndios de casas e barracos. 

Além disso, inúmeros crimes ambientais já foram cometidos por fazendeiros locais no Seringal, tais como: aterro de nascentes de água, desmatamento ilegal e pulverização aérea e terrestre de agrotóxico, o que tem causado doenças nas pessoas, nos animais, a contaminação das águas e matado plantações da comunidade.

Conforme mapas e levantamentos realizados nos cartórios, a Fazenda Palotina está dentro do Seringal Novo Natal. Todavia, em dezembro de 2018, o Incra realizou um levantamento na área – do qual a CPT discorda da metodologia utilizada – sem nenhum acompanhamento das famílias e nem de organizações sociais, o que gera inúmeras discordâncias e dúvidas em relação a esse processo. Nesse estudo, o órgão afirma que a fazenda está dentro do Seringal Santa Filomena, e com isso a área estaria no município de Boca do Acre (AM). Isso faria com que a área deixasse de ser uma gleba federal e se tornasse estadual.

Foto: CPT Acre

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