Sobre o “Mais Médicos” e a experiência de uma cubana entre nós

Por André Reichhardt

Me hospedei na casa de uma médica cubana que fez parte do programa Mais Médicos em 2014, no município de Capim Grosso, interior da Bahia. Perguntei como foi a sua experiência e, claro, sobre os mitos e fatos que ouvimos no Brasil a respeito do programa.

Quanto ao pagamento recebido por cada médico cubano, o governo Dilma havia feito um acordo com o governo cubano de que cada médico custaria 10 mil reais ao Brasil, por mês. Destes 10 mil, cada médico ficava com 2800,00 reais, que na época correspondia a 1400,00 CUC (moeda convertível cubana). Para termos comparação, o salário que recebiam aqui era em torno de 60 CUCs.

Fora esse salário, os governos estaduais e municipais, garantiam alimentação, moradia e contas como luz, gás, água, transporte e mais o que fosse necessário (o que variava de município para município. Disse ela que era só pedir o que precisava, que lhe traziam em casa).

Com isso, puderam enviar dinheiro para suas famílias, que melhoraram MUITO de vida aqui em Cuba. Uma das coisas que essa médica conseguiu foi comprar uma casa nova, trocar todos os eletrodomésticos antigos por novos e ainda construir uma casa anexa, que fez de air bnb.

Você pode até pensar “mas o governo cubano ainda ficou com a maior parte”. Pois bem, sejamos minimamente racionais. Cuba é um país socialista! O governo fica com grande parte da arrecadação, porém pode equipar os hospitais (todos são públicos) com máquinas novos, construir novos postos, aumentar a oferta de atendimento e baixar ainda mais o preço dos remédios para a população. O sentimento dessa médica é também de estar contribuindo com a melhora da qualidade do atendimento em seu país. Em nenhum momento ela mostrou desejo de ter mais ou de que algo foi tirado dela. Ela não só entende como faz questão de ajudar na qualidade do todo! (Difícil pensar assim, né amigos?)

Sobre ir pro Brasil, ela relatou que todos foram convidados! Muitos recusaram a oferta. Não houve retaliação do governo cubano, quanto menos penalidades. Todos que aceitaram, sabiam quais eram as regras do jogo e o que estava no contrato. Se alguém não gostasse, bastava recusar e seguir a vida normalmente.

Isso só pra rebater os argumentos do presidente da república a respeito das condições da qual os médicos cubanos se submeteram.

Sobre o atendimento, essa médica tinha 14 pacientes por dia, fora é claro, aqueles “mas Dr. da só uma olhadinha aqui, fazendo favor”.

Disse que foi uma experiência linda, se encantou com o povo brasileiro e que foi extremamente bem recebida e quista por todos, desde o desembarque no aeroporto, passando por bares e restaurantes, atendimento e etc… mas aí, sabemos que somos, na maioria dos casos, um povo alegre, gentil e hospitaleiro.

Houve médicos cubanos que se casaram no Brasil e ficaram. Não houve em nenhum momento uma expulsão ou mando do governo de Cuba para que retornassem “pq a ditadura mandou e ponto”.

Essa médica e seu marido amaram o Brasil e disseram que voltariam no primeiro chamado! Viram uma população carente e pior, sem atendimento médico (coisa que em Cuba não existe).

Ela diz entender médicos brasileiros que, se lhes for oferecido um salário maior numa clínica particular, fossem. Mas lamentou pelas pessoas que puderam, talvez pela primeira vez, ter atendimento de qualidade e atencioso, e agora não podem mais (ela era a única médica [na área em] Capim Grosso).

Cabe a nós, como população, ouvir as pessoas que eram atendidas por médicos cubanos e saber suas opiniões. São elas que ficaram sem, elas que precisam de cuidados.

Enquanto debatemos teoricamente a situação ideal, com nosso plano de saúde particular, muitas comunidades carentes ficaram desamparadas.

O que mais me aliviou, foi não ter ouvido dela aquela recepção nojenta que alguns poucos médicos deram aos cubanos quando chegaram… essa hora deu muita vergonha de ser brasileiro!

#maismedicos

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

Foto: Araquém Alcântara, no Facebook

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