Maria Teresa Cruz, da Ponte Jornalismo
Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14 anos, negro, morador da Favela do Amor, sumiu no dia 13 de novembro do ano passado. O corpo dele foi encontrado pouco tempo depois em um lago em Santo André, na Grande São Paulo. Desde o princípio, a família afirma que ele desapareceu depois de ser abordado pela Polícia Militar. A existência do Lucas foi reduzida a um corpo boiando num lago.
A família quer agora uma resposta, uma mínima reparação, um reconhecimento por parte do Estado, um pedido de desculpas, talvez, já que o Lucas não vai mais voltar. Mas, passados dois meses, só silêncio e uma sensação de que não vai dar em nada.
Seguindo script semelhante, Carlos Eduardo dos Santos Nascimento, o Cadu, negro e periférico, desapareceu aos 20 anos em Jundiaí, interior de SP, no dia 27 de dezembro. Ele estava em um grupo de cinco pessoas que foi abordado pela Polícia Militar. Ele foi o único a ser algemado, colocado numa viatura e nunca mais foi visto. A existência do Cadu foi reduzida a um sumiço que, como em todos os casos desse tipo, querem fazer crer ser fortuito. É quase impensável, numa era de comunicação em tempo real uma pessoa simplesmente desaparecer, foi exatamente isso que aconteceu. Embora as autoridades competentes estejam investigando o paradeiro de Cadu, por enquanto, a resposta à angústia da família tem sido o silêncio.
Tão escandaloso quanto esses sumiços é a notícia de que uma doença de pele oportunista causada por uma bactéria estava deformando presos da Penitenciária Agrícola de Roraima, a PAMC. A piodermite aparece em cenários onde já há uma doença pregressa nesse caso, uma sarna não tratada. Parecia força de expressão a informação de que os detentos estariam sendo “comidos vivos”. Com a confirmação do diagnóstico, a constatação: era isso mesmo. Os presos de Roraima foram reduzidos à comida de ácaro e alguns números de cifras de investimentos divulgados pelo governo local.
O Estado promove toda a sorte de violências antes do ato em si – de humilhar, de abordar, de fazer desaparecer, de exterminar – a partir do momento em que desumaniza uma existência. Cadu, Lucas e os presos de Roraima não são humanos. São coisas aos olhos de muitos. Aos olhos dos que criminalizam as suas existências. Aos olhos dos que dizem: “tá com dó, leva para casa”. Aos olhos dos que pensam: “abordado pela polícia? Deve ter feito alguma coisa”.
Quando George Orwell escreveu que “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros” ele também dá a medida do grau de desumanidade possível em um cenário de violência, ele dá a medida exata do valor de um cadáver. A Constituição é rasgada a todo instante pela mão do Estado e pela turma “dos mais iguais”, dos que apoiam essa lógica. O negro e periférico, o que cometeu algum erro, o que é “suspeito”, todos esses valem muito pouco para o Estado violador. E se você não reconhece a humanidade no outro é muito possível que defenda, pratique e perpetue todo essas múltiplas violências.
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Ilustração: Junião