Retrospectiva: proteção a direitos fundamentais marca atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão em 2019

Defesa de direitos sociais e proteção da dignidade humana estiveram no foco dos trabalhos, que também mobilizou Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão em todo o país

PFDC

O ano de 2019 foi marcado por graves ameaças a direitos sociais e efetivos retrocessos no campo dessas garantias, demandando da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) uma atuação incisiva na defesa de direitos fundamentais e de proteção da dignidade humana.

O trabalho envolveu o acompanhamento de políticas públicas, a incidência junto ao Judiciário e ao Congresso Nacional, bem como a interlocução com organismos internacionais e o diálogo permanente com movimentos e coletivos sociais.

Medidas como o bloqueio orçamentário imposto a instituições de ensino em todo o país, o desmonte de políticas de prevenção e combate à tortura, assim como a tentativa de extinção do órgão voltado ao combate à fome no Brasil estão entre os desafios que mobilizaram a atuação da PFDC ao longo do período.

Foram mais de 125 pedidos de esclarecimentos, solicitações e recomendações a órgãos do poder público, além de 30 notas técnicas ao Congresso Nacional sobre proposições legislativas que impactavam direitos humanos.

A PFDC também encaminhou à Procuradoria Geral da República um total de 12 Representações sugerindo o questionamento, junto ao Supremo Tribunal Federal, de medidas que violavam garantias estabelecidas pela Constituição Federal. Entre elas, atos que atingiam o efetivo funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda; que inviabilizavam o devido controle, gestão e transparência de informações públicas, por meio de intervenções na Lei de Acesso à Informação; bem como danos causados à política de segurança pública decorrentes do afrouxamento das regras para o acesso a armas e munições no Brasil.

Esses e outros desafios na proteção dos direitos humanos foram tema nas quase 30 audiências públicas que contaram com a participação da PFDC no Congresso Nacional. A Procuradoria esteve ainda em 59 reuniões de comissões, conselhos, comitês e grupos interinstitucionais de direitos humanos, além de 65 reuniões com movimentos sociais e representantes de organismos internacionais.

A missão de promover direitos e fazer avançar os compromissos constitucionais de proteção social esteve ainda em iniciativas articuladas conjuntamente com Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF, bem como nos esforços empenhados nas 13 ações coordenadas nacionalmente pela PFDC junto a Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão em todo o país.

Atuação conjunta na proteção de direitos

Entre os destaques dessa atuação articulada está o “Dia D em Defesa da Educação”, quando a PFDC e as 27 Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão se mobilizaram diante do bloqueio orçamentário imposto pelo Ministério da Educação a universidades e institutos federais de ensino, impactando o adequado funcionamento dessas instituições.

A iniciativa envolveu 79 unidades do MPF em todo o Brasil e resultou em mais de 90 procedimentos e 30 ações civis públicas para suspender os efeitos dos dois decretos presidenciais publicados em abril e que determinavam o bloqueio de 30% dos recursos da União para despesas discricionárias de estabelecimentos de ensino, além da exoneração de cargos e de funções.

A ação coordenada alcançou importantes resultados. A Justiça Federal já havia acatado solicitações do MPF sobre o tema em oito estados quando, em setembro, o MEC anunciou que iria desbloquear metade da verba então congelada. Em outubro, a pasta determinou o descontingenciamento dos valores que ainda estavam pendentes, regularizando o repasse de recursos a essas instituições.

Ainda no campo do direito à educação, em junho, mais de cem Procuradorias da República em todo o Brasil participaram de uma ação coordenada pela PFDC para identificar como está o cumprimento da lei federal que determina remuneração mínima para os profissionais da educação básica – o chamado piso nacional do magistério.

Essa legislação estabelece um piso salarial a ser aplicado nacionalmente para os profissionais que atuam na educação básica pública, o que abrange desde atividades de docência e suporte pedagógico, a funções como direção, administração, orientação e coordenação educacionais. A mobilização resultou em mais de 190 procedimentos, instaurados em unidades do MPF em 23 estados da Federação com o objetivo de monitorar o respeito à remuneração abaixo da qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica.

Outra importante atuação conjunta esteve nos esforços para garantir o efetivo funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Em junho, um decreto exonerou todos os peritos que compunham o órgão – inviabilizando o funcionamento da estrutura criada pelo Estado brasileiro para identificar violações de direitos humanos em instituições como centros de detenção, estabelecimentos penais, hospitais psiquiátricos, abrigos para idosos e unidades socioeducativas.

Diante da gravidade da medida, a PFDC – em conjunto com Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional – encaminhou à Procuradoria Geral da República uma representação sugerindo que fosse apresentada ao Supremo Tribunal Federal uma ação para questionar a constitucionalidade do ato. A ação foi proposta em junho pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge. O pedido de inconstitucionalidade ainda aguarda análise no Supremo, mas uma liminar concedida pela Justiça Federal no Rio de Janeiro suspendeu temporariamente os efeitos do decreto que esvaziava o funcionamento do MNPCT.

Acompanhamento de políticas públicas

No campo das políticas públicas, em abril, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão encaminhou Recomendação à presidência do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e ao Ministério da Economia para que promovessem, no âmbito das suas esferas de poder, os atos necessários à reposição da força de trabalho da autarquia. Dados apresentados pela PFDC apontavam um déficit de pelo menos 10 mil vagas sem reposição, enquanto o tempo de espera para resposta do pedido de benefício chegava a mais de um ano.

Diante da negativa do INSS em cumprir a recomendação, a Procuradoria da República no Distrito Federal, atendendo representação da PFDC, ajuizou ação civil pública contra a União e a autarquia. O pedido é para que sejam recrutados temporariamente agentes públicos para suprir as demandas acumuladas, além de concurso para provimento de cargos efetivos vagos. A ação ainda tramita na Justiça.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão também atuou para assegurar o adequado funcionamento da Ouvidoria Agrária Nacional no que se refere a seu papel institucional de interlocução, mediação e resolução de conflitos sociais no campo. Em fevereiro, o órgão encaminhou a Superintendências Agrárias orientação para que as unidades avançadas do Incra que funcionam em todo o país não mais prestassem atendimento a entidades ou representantes “que não possuam personalidade jurídica” e ao que o órgão denominou como “invasores de terra”.

Diante das ilegalidades e inconstitucionalidades da medida, a PFDC recomendou ao Incra a imediata revogação do ato, ressaltando que é competência do Estado a prestação de serviços públicos relacionados aos direitos especificados na Constituição Federal – entre eles, a reforma agrária, assegurada no art.184. Após a incidência da Procuradoria, o Incra suspendeu a orientação e publicou portaria com vistas a “garantir tratamento isonômico, igualitário, impessoal e transparente na forma de solicitação de audiências com servidores e gestores da autarquia”.

Outra importante medida esteve na suspensão de uma orientação que havia sido emitida pelo governo federal para que Conselhos Tutelares em todo o Brasil deixassem de cumprir o que estabelece a legislação acerca de crianças e adolescentes mantidas fora de instituições de ensino regular.

Embora exista amplo normativo acerca do direito de meninos e meninas à educação escolar, em maio a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente determinou que crianças e adolescentes educados em casa – o chamado homeschooling – não mais deveriam ser identificados pelo Conselho Tutelar como se estivessem em situação de abandono intelectual. A PFDC alertou que a medida violava o que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, e solicitou sua imediata revogação. Após a atuação da Procuradoria, a Secretaria dos Direitos da Criança voltou atrás e decidiu revogar a medida. Em ofício-circular aos Conselhos Tutelares, a pasta informou o cancelamento da orientação sobre homeschooling e admitiu a necessidade de respeito ao melhor interesse da criança.

Interlocução com o Congresso Nacional

Outro importante espaço de diálogo e de fortalecimento de controle social foi o Congresso Nacional. Em 2019, a PFDC participou de um total de 27 audiências públicas na Câmara e no Senado Federal, em debates que contaram com a presença de representantes de movimentos sociais e instituições públicas. Entre os assuntos em pauta, o direito ao exercício da liberdade religiosa, a garantia da participação social como exercício da cidadania, políticas de atenção a pessoas com transtornos mentais e os desafios para a proteção dos direitos de populações afetadas por grandes empreendimentos.

A atenção à atividade legislativa também se deu por meio do envio de Notas Técnicas da PFDC para subsidiar a análise de projetos de leis e medidas provisórias em andamento. O objetivo foi oferecer a deputados e senadores subsídios na perspectiva da garantia de direitos humanos.

Entre os posicionamentos técnicos apresentados ao Congresso esteve o questionamento ao projeto de lei que pretende revogar a Lei nº 12.711/2012, que questiona o uso de cotas para o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Na prática, a medida suspende o acesso, via cotas, de negros e pardos a instituições públicas de ensino. Em conjunto com o Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), a PFDC encaminhou nota técnica em que destaca as ações afirmativas como importante instrumento de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial no Brasil, em caráter de verdadeiro mandamento constitucional.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão também emitiu nota técnica para subsidiar os parlamentares na análise da proposta de reforma da Previdência, apresentada pelo Executivo ao Congresso Nacional por meio da PEC 6/2019. No documento, a PFDC destacou a inconstitucionalidade da proposta de estabelecer um novo regime previdenciário com base em um modelo de capitalização – medida que alteraria o princípio da solidariedade estabelecido como núcleo central da Constituição Federal de 1988.

Em conjunto com a Câmara do MPF de Controle Externo da Atividade Policial e de Sistema Prisional, a PFDC também chamou atenção para os riscos do afrouxamento das hipóteses de registro, posse e comercialização de armas de fogo no Brasil – medida estabelecida pelo governo federal por meio de decreto, além de tema de projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional. Em nota técnica aos parlamentares, os dois órgãos do MPF destacaram a ilegalidade e inconstitucionalidade da proposição, que compromete a política de segurança pública no Brasil e também pode acabar por facilitar o acesso a armamentos por parte de organizações criminosas e milícias. “Se aprovada, a nova legislação representará o fim do Estatuto do Desarmamento, com os riscos de aumento exponencial da violência letal por arma de fogo no país”, manifestaram-se a PFDC e a 7CCR do Ministério Público Federal.

Diálogo com organizações e movimentos sociais

No âmbito da interlocução com movimentos e coletivos sociais – mecanismo fundamental na atuação em defesa de direitos humanos -, a PFDC integrou 27 comissões, conselhos, comitês e grupos com participação da sociedade civil, entre eles, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que ao longo de 2019 teve a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão na vice-presidência do órgão.

A preocupação em assegurar um espaço de diálogo permanente na identificação de demandas e a devida atuação na defesa de direitos sociais também motivou a PFDC a firmar protocolos e termos de cooperação com movimentos, organizações sociais e organismos internacionais.

Em março, por exemplo, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) estabeleceram protocolo para o acompanhamento e o enfrentamento de denúncias de violências, perseguições e outras formas de ações arbitrárias contra ativistas e comunidades atingidas por esses empreendimentos – como trabalhadores do campo, pescadores, ribeirinhos, indígenas e comunidades tradicionais.

Também nessa perspectiva, foram estabelecidas ações de cooperação com o Movimento de Mulheres Camponesas, com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além de protocolos de atuação conjunta com a Plataforma de Direitos Humanos DHESCA Brasil; com o Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA); e também com a Secretaria Nacional de Justiça, a Defensoria Pública da União, o município de Guarulhos/SP e Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – esse último para tratar da proteção de direitos de migrantes inadmitidos no Aeroporto de Guarulhos/SP.

A defesa de direitos também esteve no centro dos diálogos com instituições como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), a Federação Iberoamerica de Ombudsman (FIO) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em fevereiro, por exemplo, a PFDC participou de encontro com coletivo de diplomatas dos Estados Membros da União Europeia para assuntos de Direitos Humanos – atividade que reuniu representantes de cerca de 20 países e colocou em debate temas como violência no campo, proteção a defensores de direitos humanos e desafios para a igualdade racial.

Em setembro, a PFDC participou de painel realizado no Chile, no âmbito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, compartilhando experiências na atuação do MPF diante de dois graves episódios de desastres socioambientais decorrentes de atividades de mineração no Brasil: o rompimento da Barragem de Fundão, em 2015, e o Desastre da Vale, em Brumadinho – ambos em Minas Gerais.

Aprimoramento da atuação institucional

Ao longo do último ano, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão também buscou contribuir para o aprimoramento da atuação institucional, por meio da elaboração de roteiros para subsidiar a atuação do Ministério Público Federal em casos de violação de direitos humanos.

Em abril, por exemplo, o Grupo de Trabalho da PFDC sobre Direito à Reforma Agrária publicou o roteiro “Violências Praticadas contra Defensores de Direitos Humanos no Campo“, reunindo sugestões das primeiras medidas a serem adotadas diante desse tipo de ocorrência, assim como ações práticas a serem adotadas pelo MPF na definição de estratégias de curto e longo prazo.

Em julho, um novo roteiro sobre o tema foi lançado pelo Grupo de Trabalho da PFDC, intitulado “Ameaças contra Defensores de Direitos Humanos no Campo: Possibilidades de Atuação”. O material traz orientações práticas para lidar com casos de ameaças a defensores, com padronização de registros e fluxos para o adequado acompanhamento processual, análise de risco e encaminhamento de demandas – com foco em uma atuação institucional que anteceda a prática de qualquer ato de violência.


Assessoria de Comunicação e Informação
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)

Sub-procuradora da República Deborah Duprat, coordenadora da PFDC. Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil

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