Inspirado em clássico de Tarsila do Amaral, mural “Operários de Brumadinho”, de Mundano, presta homenagem às vítimas da maior tragédia socioambiental do Brasil
por Rafael Belém, em Casa Vogue
Quem passa pela Avenida Senador Queirós, no bairro da Santa Ifigênia, São Paulo, agora se depara com uma enorme arte pública. Mais do que uma obra, o grafite Operários de Brumadinho, do paulistano Mundano, é um manifesto-homenagem às vítimas do rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, que resultou na maior tragédia socioambiental do Brasil.
Com 800 m², o grafite teve como inspiração a tela Operários (1933), clássico modernista de Tarsila do Amaral, e foi feito com uma tinta especial desenvolvida a partir dos rejeitos tóxicos da lama. Ativista social, Mundano visitou a cidade duas vezes para ver de perto os impactos causados pela tragédia e recolheu cerca de 250 kg de material bruto para a confecção dos pigmentos. “O solo brasileiro tem uma variedade de tons fantástica”, explica o grafiteiro, que peneirou amostras de terra e acrescentou base acrílica para obter 270 litros de tinta e mais de 15 variações de cores usadas no mural.
“Há um ano fui para Brumadinho e senti a dor dos atingidos. Foi quando estive no protesto na Câmara Municipal da cidade e olhei as fotos dos rostos das vítimas sendo colocadas por familiares lado a lado com o escrito ‘Vale Assassina’. Ali, enxerguei e senti o quadro de Tarsila”, diz o autodeclarado “artivista” em entrevista para Casa Vogue. “Não usei fielmente os rostos das vítimas, mas nunca mais esqueci suas expressões”.
Exposto em uma das laterais do edifício Minerasil, bem em frente ao Mercado Municipal, o painel surge no centro da capital paulista com medidas imponentes: são 50 metros de altura e 18 metros de largura. Ao todo, foram necessários 13 dias de trabalho para a finalização da obra, que ainda contou com a colaboração dos artistas Subtu, André Firmiano, Felipe Borges, Hélio Marques, Apcgraff e Everaldo Costa. Com apoio da Secretaria de Cultura de São Paulo, a obra teve o custo de R$ 50 mil.
A inauguração da grafite aconteceu em 25 de janeiro, data que celebra o aniversário da capital paulista, mas também marca a passagem de um ano desde o rompimento da barragem. 365 dias depois da tragédia que destruiu centenas de hectares e tirou 259 vidas, 11 continuam desaparecidas.
“Além de justiça, o que essas vítimas mais precisam é serem lembradas. Em outros países, uma catástrofe como essa teria um monumento para não cair no esquecimeto. Mas o Brasil, históricamente, é um país sem memória”, reflete.”Operários de Brumadinho é mais do que uma homenagem, é um ‘monumento’ não só para os trabalhadores e operários que lá morreram, mas também para todos os proletários que passam em frente [ao grafite] todos os dias e se identificam com a obra”.
A semelhança do mural com uma das obras mais clássicas do modernismo brasileiro não é mera coincidência. Mundano tem em Tarsila do Amaral fonte de inspiração e referência para sua arte ativista. Em 2019, poucos meses após o desastre em Minas, ele fez seu primeiro trabalho com tinta originada dos rejeitos de minério: o quadro Abaporupeba, uma releitura do icônico Abaporu (1928) em tempos de lama. O nome da obra faz referência ao Rio Paraopeba, sufocado por metais pesados lançados após o rompimento da barragem da Vale.
“Sempre tive uma conexão muito forte com a Tarsila. Primeiro porque ela é uma artista tão representativa que boa parte das escolas, quando falam de modernismo, acabam se referindo aos trabalhos dela”, diz. “Em segundo, ela foi uma artista visionária. Falava de diversidade em 1933 enquanto, em pleno 2020, tem gente que ainda não entendeu o que é isso. Mesmo vinda da elite, ela soube representar o povo brasileiro com muito artivismo”.
Saiba mais sobre o processo de criação da obra Operários de Brumadinho, de Mundano:
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