Nova geração das quebradeiras de coco se dedica ao artesanato e à gastronomia

Avós e mães lutaram para ter a profissão reconhecida; agora, jovens continuam na defesa pela preservação e livre acesso aos babaçuais e aumentam a renda com derivados da palmeira; gigante da celulose é empecilho à nova estratégia

Por Priscilla Arroyo, em De Olho nos Ruralistas

Elas buscam os cachos de coco na mata, levam para a casa, quebram, tiram as amêndoas, lavam e secam. Depois torram. A mistura é moída e levada ao fogo para apurar. Separa-se a borra e o sumo volta para a panela, onde é decantado e coado. Está pronto o azeite de babaçu,  principal produto proveniente da extração dessa espécie de palmeira. Centenas de mulheres sustentaram — e sustentam — suas famílias com a venda da iguaria desde as primeiras décadas do século passado.

No começo dos anos 80, o acesso ao coco passou a ter restrições. Muitos babaçuais foram apropriados por fazendeiros, que derrubaram a planta nativa para construir pastos. Na maioria dos campos preservados, as mulheres passaram a enfrentar cercas e seguranças para recolher a matéria-prima do seu trabalho. Contra essa situação, emergiram importantes líderes quebradeiras de comunidades rurais e quilombos. Elas se mobilizaram ao longo das últimas três décadas para defender a atividade como uma profissão e lutaram pela preservação e pelo livre acesso aos babaçuais.

O movimento obteve importantes vitórias, como a lei do babaçu livre, implementada pela primeira vez em 1997 no Lago do Junco (TO), hoje válida em outros catorze municípios. Como resultado desse esforço, as filhas e netas das quebradeiras têm mais tranquilidade para exercer a profissão. E assim há espaço para experimentarem novas técnicas de manejo da palmeira.

“Queremos desconstruir essa ideia de que as mulheres somente sobrevivem com o coco, pois a atividade pode trazer bem viver”, diz Rosalva Silva Gomes, assessora técnica do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). A organização foi criada pela união das quebradeiras no começo dos anos 90 como resistência às empreitadas dos latifundiários, e hoje dá suporte às cerca de 400 mil profissionais do segmento nos quatro estados que atua: Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins.

Um dos objetivos do movimento é incentivar a permanência das novas gerações de quebradeiras em suas comunidades. Para isso, desde 2015 promove o programa “Pindova” — apelido dado às palmeiras jovens, de até 30 anos — que tem como objetivo ensinar, por meio de oficinas, outras maneiras de produzir renda a partir dos derivados do coco.

DA PALMEIRA BABAÇU, TUDO SE APROVEITA

Das amêndoas, se faz o óleo; as cascas são utilizadas como carvão e uma das camadas do coco é transformada no mesocarpo, farinha altamente nutritiva que tem sido usada na preparação de bolos, pães e biscoitos. As folhas são trançadas e se transformam em cestos. “As maneiras de empregar o azeite e a farinha na gastronomia são os métodos que mais atraem o interesse das jovens”, conta Rosalva.

Luciana Oliveira, quebradeira de uma comunidade rural em Esperantina, no Piauí, conta que as aulas de artesanato promovidas há dois anos pelo MIQCB continuam a despertar o interesse dos jovens pelas possibilidades do babaçu, especialmente na produção de biojoias. “A atividade tem sido boa também no aspecto social, pois contribui para diminuir a dependência de álcool entre os mais novos, um dos nossos principais problemas”, diz.

Na comunidade de Pifeiras, em Amarante (MA), a maior renda ainda é proveniente da venda de azeite. Mas um grupo de vinte pessoas tem se dedicado a confeccionar as biojoias e vender as peças em feiras. “É uma maneira de nós, estudantes, ajudarmos na renda da casa”, conta Celia Carvalho de Lima, que frequenta o curso técnico de agropecuária no município de Imperatriz. “Essa prática contribui também para a gente seguir valorizando o coco, mesmo com outra ocupação em paralelo”.

LÍDER ACUSA SUZANO DE COOPTAR JOVENS

Para proteger e garantir acesso aos babaçuais, muitas mulheres tomaram a frente da luta e dedicaram as suas vidas à causa. Entre elas, Dona Raimunda e Dona Socorro, do Bico do Papagaio (TO), e Dona Dijé, do Quilombo de Monte Alegre, em São Luiz Gonzaga (MA). De acordo com Ariana Gomes, filha de quebradeira do Lago do Junco (MA), da comunidade Ludovico, e assessora do Movimento Interestadual das Quebradeiras, a estratégia de resistência  se reformulou. “Hoje não é de praxe destacar lideres individuais entre as jovens”, afirma. “Um dos motivos é resguardar a imagem delas. O conceito é horizontal, todos fazem parte da mesma batalha”.

No entanto, a interferência de grandes empresas nessa dinâmica é criticada por algumas matriarcas da resistência, como Dona Socorro. Ela destaca que a produtora de papel e celulose Suzano se coloca na contramão desse novo conceito. “Eles oferecem viagens para as meninas participarem de eventos”, diz. “Muitas acabam tendo a visão distorcida de que a posição de liderança se traduz somente em viajar e falar em público, quando sabemos que é muito mais que isso”.

Na avaliação de Rosalva, trata-se de um cerco para afirmar a credibilidade da companhia diante das populações tradicionais e da sociedade. “Para além das líderes, estamos em um momento de cooptação de comunidades inteiras”, conta. Desde 2010, como contrapartida da construção da sua segunda maior fábrica do país, em Imperatriz (MA), com capacidade de produzir 1,6 milhões de toneladas, a Suzano contribui com a manutenção do Conselho das Quebradeiras de Coco da Estrada do Arroz, com representantes de sete comunidades do estado.

“Essas associações e fóruns que eles ajudam a criar dão a falsa impressão de que as mulheres participam da discussão dos temas abordados. Mas na verdade, as coisas já estão definidas, controladas pelas empresas”, diz Rosalva, que aponta como principal problema a criação de pequenas fábricas nas comunidades. “Esse discurso de empreendedorismo, que vai na contramão das cooperativas, tira autonomia das quebradeiras”.

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