A morte de um capitão e o futuro de outro

Fausto Salvadori, da Ponte Jornalismo

A eleição de Jair Bolsonaro não fez a democracia desaparecer com uma explosão, como algumas pessoas previram que ocorreria quando foi eleito, em 2018. A historiadora francesa Maud Chirio, por exemplo, foi uma que imaginou que chegaríamos ao final de fevereiro com MST e PT proibidos de existir. Nenhuma ruptura dessas ocorreu, mas nem por isso dá para dizer que a escalada autoritária não está em marcha. A democracia brasileira está morrendo, sim, com um suspiro.

Qualquer pessoa com um mínimo de noção da realidade entendeu logo de cara que a eleição de um admirador confesso da ditadura militar e de seus torturadores era uma ameaça. O erro veio de quem imaginou que Bolsonaro viesse da escola do golpe latino-americano americano clássico, com fechamento do Congresso e tanque na rua. Mas já ficou claro que o ex-capitão segue uma vertente mais moderninha, a de líderes como Erdogan, Modi, Orban: os governantes eleitos que vão destruindo a democracia aos poucos e sem rompimentos bruscos, agindo como se jogasse pelas regras do jogo, quando na realidade está tacando fogo no tabuleiro.

A morte do miliciano capitão Adriano da Nóbrega é um bom momento para a gente avaliar o quanto perdemos dos controles democráticos de uns tempos para cá. É natural que uma morte como essa, de uma figura tão próxima à família do presidente da República, e com indícios de envolvimento no assassinato de Marielle Franco, precisa ser investigada à exaustão. É aí que dá vontade de perguntar: no Brasil de hoje, há espaço para as instituições levarem até o fim uma investigação que teria potencial para, em tese, chegar ao presidente e à sua família?

Difícil de acreditar que as instituições estejam dentro da tal normalidade democrática quando não conseguem avançar com um procedimento muito mais simples: uma multa ambiental contra Jair Bolsonaro. Se algo muito mais banal não avançou e ainda levou ao afastamento do fiscal do Ibama que a aplicou, dá para imaginar que recado isso passa para investigadores da morte de Adriano que eventualmente tenham de analisar as muitas conexões do miliciano com a família presidencial?

Isso sem falar no procurador-geral escolhido fora da lista tríplice, sério candidato a engavetador-geral da República, e no comandante da Polícia Federal que vive com o cargo a prêmio por conta das constantes ameaças do presidente, que deixa claro como está disposto a cortar sua cabeça se resolver espichá-la demais. 

Sem querer bancar o chato que diz “eu avisei”, lembro do que a gente escreveu logo após a chegada ao poder do bolsonarismo, e que infelizmente parece estar se confirmando:

“Mesmo que o governo Bolsonaro respeite a Constituição, sem recorrer a qualquer rompimento institucional ostensivo, há outras foras de torturar horrivelmente a democracia brasileira.”

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