“Minha luta é ao lado do povo”, diz Megaron, o intérprete de Raoni

O intérprete de Raoni, seu sobrinho Megaron Txucarramãe, fala sobre a conjuntura, a luta indígena e a festa momesca

Por Felipe Milanez, na Carta Capital

Em meio à polêmica da utilização de cocares, penas e outros acessórios indígenas no Carnaval, uma das maiores lideranças brasileiras, o cacique Raoni Metuktire, irá desfilar no circuito de trios elétricos de Salvador. É a segunda vez que ele acompanha a festa: há vinte anos, foi homenageado pelo cantor Edu Casanova, cujo maior sucesso, Cabelo Raspadinho, tem um refrão dedicado a Raoni – “eu quero ver o índio / dançando fumando um cachimbo da paz / a sua cabeleira beleza / é chic é chic é chic demais”. A música estourou nas paradas na voz de Bell Marques, então no Chiclete com Banana. Raoni sairá novamente com o bloco de Casanova, previsto para o domingo e a segunda-feira no circuito do Campo Grande (Osmar).

Nas notícias sobre a participação do líder kayapó na folia, chama atenção o fato de que ele, com mais de 90 anos, já não fala português. “Ele está cansado. Agora fala na língua originária para ver se os brancos finalmente entendem”, comenta Cida Nascimento Brito, amiga de longa data do cacique e esposa e produtora de Edu Casanova.

Para a imprensa, Raoni viaja com um intérprete. O que não se noticiou, porém, é que a pessoa a traduzir Raoni, anônimo nas matérias, é seu sobrinho, Megaron Txucarramãe, primeiro líder indígena a ser diretor do Parque do Xingu. Treinado desde pequeno a ser um embaixador com o mundo dos brancos, Megaron trabalhou por 30 anos na Funai (Fundação Nacional do Índio), até ser demitido em 2011, e sofrer perseguição política por se opor à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, o principal projeto desenvolvimentista do governo Dilma.

Na época, ele declarou em entrevista que fizemos pelo telefone: “Não vou ser a favor de Belo Monte e nenhuma outra construção de barragem. Minha posição é só uma. Pode trazer para mim 100, 200 caminhões de dinheiro. Eu não vou aceitar”. Hoje, ouvimos um pouco de sua opinião sobre a conjuntura, a luta indígena e a festa momesca.

Sobre o carnaval

Carnaval, dançar, ficar alegre, beber cerveja, o povo fica alegre. Um dia para todo mundo esquecer do trabalho, dos problemas, da preocupação, e participar dessa alegria, dança, musica. Carnaval é muito bom para o povo. O povo que participa fica alegre, fica contente. É isso que eu vejo no carnaval.

Sobre a conjuntura

Os indígenas sempre sofreram com a ocupação dessa terra que se chama Brasil. Primeiro, era tudo indígena. Depois que veio o outro, outra pessoa, outra gente, outro jeito de fazer com a terra, com a floresta, explorar a riqueza como está sendo explorado. Desde o começo foi assim: explorar madeira, ouro, diamante, todas as riquezas que tem nessa terra. O homem branco pensa mais em explorar as riquezas naturais para ter dinheiro, para ter casa, restaurante, hotel, fazenda, tudo isso. E nós indígenas aprendemos muito pouco o que é dinheiro. Porque o dinheiro você pode ter muito hoje, gasta tudo e amanha não tem nada. Isso que é perigo para os indígenas. Se eles aprendessem a usar dinheiro para a comunidade ou para continuar a ter uma renda para eles, poderia ser bom. Mas nós indígenas lá do Xingu não estamos preparados: lá pega o dinheiro, gasta, e amanhã não tem nada. O dinheiro é perigoso. E o plano do governo de explorar riqueza natural na terra indígena, o arrendamento de terra, é muito perigoso. Muito, muito perigoso, para os indígenas que estão lá e são inocentes. Aqueles que são mais espertinhos vão ali ouvir o Bolsonaro: “vocês tem que sair dessa pobreza”. Mas índio não é pobre. Índio nunca foi pobre. Índio é assim, daquele jeito: ninguém é rico, ninguém tem mais coisas do que o outro. Todo mundo é igual.

Quem vai aproveitar a riqueza que vai ser explorada é mineradora, o madeireiro, o garimpeiro. O resto não vai. É a mesma coisa do passado, a gente já viu isso e teve experiência, testemunhou. É muito perigoso para as comunidades indígenas que têm riqueza nas suas terras e que o Bolsonaro quer explorar. Não o Bolsonaro, mas as empresas por trás dele que vão vir explorar. Ele está na frente e quer que o congresso autorize para ele. É muito perigoso.

O lado da luta

Minha luta é ao lado do povo, da comunidade, do território, da floresta. Sempre estive do lado do povo. O lado bom é o lado que nós podemos viver sem esse tipo de coisa de exploração, que quer viver sem destruição. Sem destruição do rio, poluição do rio, desmatamento, garimpeiro, mineração. Sem destruição das coisas.

Lado bom é o lado do povo que quer viver sem destruição, sem poluição. Não do lado desses que querem destruir, um lado ruim que alguns jovens estão entrando, e que não tem retorno. Depois que destruir, não tem retorno.

O meu lado é o lado do futuro, da geração que vem. Muita gente está lutando para isso, pensando para o futuro, pensando nos bisnetos. Muitos kayapó. São poucos querem ficar do lado da destruição.

Alianças para as lutas

Me perguntaram quando estivemos na Inglaterra, agora em janeiro, o que poderiam fazer para nos ajudar. Ajuda é muito importante, e a ajuda tem que ser na opinião pública, junto do governo dos outros países. Aqui, a opinião pública é muito importante. Se a opinião publica é de querer proteger, preservar a cultura, a floresta, a terra, o rio, isso é muito importante. Isso é que eu espero: que a opinião pública, das ongs que ajudam os povos indígenas, os artistas. Alguns indígenas seguem na cabeça do Bolsonaro de ficar contra ongs. Tem muitas ongs que ajudaram e que vêm ajudando os indígenas. As ongs no Xingu que eu conheço sempre tiveram a intenção de cuidar da floresta, da cultura, dos costumes indígenas. Ao contrário do que ele diz, a gente nunca foi pobre. A gente não está preso na nossa terra como bicho, como o Bolsonaro fala. A gente é livre, eu posso vir aqui em Salvador, posso ir a outro lugar.

A gente é livre. A gente não está preso como animal. A gente é ser humano e pode fazer o que a gente quer, e não são coisas que destroem a nossa terra. A opinião pública, das ongs, dos políticos que brigam ao lado da causa indígena, a opinião dos ambientalistas, são muito importantes para preservar, para não aprovar esse projeto do governo que, se não parar agora, depois ele não pode parar mais. Agora é o momento de mostrar que o projeto não é bom para os indígenas e nem para os brancos. Meu tio fala que nós temos que juntar aqueles que querem preservar para brigar agora, para preservar agora para o futuro, para os nossos netos, nossos bisnetos, para as pessoas que vão vir depois de nós. A destruição está muito feia.

Missionários e a conversão dos povos indígenas

Muitas missões no passado acabaram com a cultura, o costume, a língua dos indígenas, E a gente não quer isso de volta. A gente quer viver o nosso costume, a nossa cultura. Lá na aldeia Piaraçu chegou um pastorzinho. Quando nós estávamos fazendo festa, esse pastorzinho reuniu um grupinho lá e não deixou participar da dança. A gente chegou e falou para ele: pode ir embora, a gente não quer você aqui. O que você quer aqui? Quer ensinar o que, a nossa tradição, a nossa música? Não é não. E mandamos o pastor embora.

Mas a gente tem visto parentes, próprios kayapó, que tiveram esse problema de missão religiosa ir na aldeia deles e agora está mais forte porque tem igreja la dentro. É muito feio. Lá no Xingu, na aldeia Kaiabi, começou a construir igreja ano passado. Muitos não querem, porque muda. Muda, acaba com o pensamento, acaba com a cultura desse grupo. Tem duas aldeias kaiabi que tem esse problema, mas os outros não querem. Ali, vão ter que expulsar esses caras. Expulsar a missão para voltarem a fazer dança, festa, a cultura deles mesmo. Na nossa aldeia, a gente não quer, na aldeia Kapot, na aldeia Piaraçu, a gente não quer. Quando vem algum missionário, algum pastor, a gente expulsa logo eles. Pode até ser que daqui há uns 100 ou 200 anos a coisa mude. Mas nós vamos expulsar quem vier tentar nos converter.

Foto: Carol Garcia/Gov.BA

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