Em oficina, mulheres Dow e Baniwa compartilham conhecimentos sobre a medicina tradicional

FOIRN

A importância da valorização e compartilhamento dos saberes tradicionais indígenas sobre as plantas medicinais – a chamada farmácia viva – foi um dos temas tratados durante a oficina “Conhecimento das Mulheres Dãw e Baniwa para o bem viver”. O encontro foi realizado pelo Departamento de Mulheres da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN) na comunidade Yamado, nos dias 20 e 21 de fevereiro, em parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Rio Negro. Também participaram das atividades lideranças e representantes das comunidades Waruá e Cewari.

“Viemos reforçar sobre a necessidade de valorizar as plantas medicinais. Indígenas devem passar seus saberes para filhos e netos. Mas sem esquecer também da medicina ocidental”, disse a coordenadora do Departamento de Mulheres da FOIRN, Elizângela da Silva (Baré). “Estamos fortalecendo assim a rede de mulheres. E com mulheres fortalecidas, estamos reforçando a organização social dessas comunidades”, completou.

As mulheres da comunidade Yamado abriram suas casas – e seus quintais – para mostrar plantas medicinais cultivadas. A liderança do Waruá, professora Auxiliadora Fernandes da Silva, levou plantas medicinais para compartilhar com os indígenas das outras comunidades. “Não pode roubar nem pegar muda. Tem que trocar”, explicou Elizângela da Silva.

Durante os dois dias, o compartilhamento de saberes marcou o encontro, que também se destacou pela acolhida da comunidade do Yamado à equipe que promoveu a atividade. Mulheres, homens, crianças e alguns jovens participaram das palestras. Também houve refeição compartilhada, como é de costume. Com generosidade, a indígena Adelina Leopoldina Rodrigues, moradora antiga do Yamado, abriu sua cozinha e ofereceu vinho de pupunha aos visitantes.

Elizângela Silva ressaltou também que, durante os encontros, a FOIRN busca mobilizar e fortalecer as comunidades, além de levar informações sobre leis e direitos, inclusive de estar em seus territórios. “São leis que não são indígenas, mas que podem favorecê-los”, diz.

Coordenadora do Departamento de Jovens da FOIRN, Adelina Sampaio participou da ação e falou da importância do fortalecimento da participação e valorização juvenil. “Durante as oficinas há o fortalecimento dos laços de mães e filhos. E isso tem continuidade. Além disso, os jovens ficam curiosos sobre as lideranças jovens, como vão falar, e participam mais. Têm curiosidade de aprender e participam mais”, explica.

PLANTAS TRADICIONAIS E PROTAGONISMO DAS MULHERES

 A indígena Karine Viriate da Silva, da etnia Baniwa, foi quem reivindicou a realização da oficina no Yamado, onde mora. Ela é agricultora e foi uma das mulheres que mostrou as plantas medicinais que cultiva. Muito animada, ficou feliz de ver seu quintal cheio de gente. “Essa planta aqui é a Jiboia. Ela serve para atrair pessoas à sua casa. E olha como minha casa está cheia”, disse, com sorriso no rosto.

Ela mostrou ainda a folhagem chamada Orelha. A plantinha guarda um pouco de água. Esse líquido deve ser jogado no ouvido da pessoa de uma maneira especial, levando-a a ser mais inteligente. Karine ainda indicou uma planta boa para passar no cabelo. Mas, como todo indígena tem seus segredos, não quis revelar o nome dessa folhagem.

“Minha mãe me ensinou muita coisa. Aprendi vendo ela fazer. Precisamos dividir nosso conhecimento com os outros. Os jovens não querem aprender nossa cultura. Ficam só com celular. Se precisar fazer a pimenta jequitaia, não vai saber. Para tirar o remédio para dor de cabeça, não vai saber. Não vão ter nem onde tirar sabedoria”, disse.

A indígena Adelina Leopoldina Rodrigues compartilhou seus saberes mostrando o Pirarucu, uma folhagem usada contra feridas. Também mostrou o Dapuru, muito usado para dores no corpo. Ela ainda indicou uma pequena raiz que, ralada, deve ser colocada nos olhos para curar dor de cabeça. O nome? Não pode revelar. É segredo indígena. 

Já no quintal de Caroline Leodoldina Rodrigues é cultivada a Piripiriaca, usada contra picada de cobra. Há ainda a Borboleta, uma pequena folha utilizada pelas pessoas que estão precisando incrementar as vendas de seus produtos.

Liderança da comunidade Waruá, a professora Auxiliadora Fernandes da Silva explica que há remédios indígenas para diversos males, como diarreia, malária, gripe, contra picada de cobra, cólica, para emagrecer. Ela explica que os remédios caseiros são muito usados na comunidade, mas nem todos os indígenas sabem prepará-los. Ela acredita que os jovens podem se interessar pelo assunto se forem realizadas mais oficinas. “Pelo menos é assim no meu povo. Eu procuro dialogar”, disse.

Assessora do Dsei, a indígena da etnia Tukano Maria Miquelina compartilhou seus conhecimentos sobre a saúde dos povos tradicionais e também sobre medicina dos homens brancos. “Cada família indígena tem em seu quintal um pedacinho de remédio. E é preciso saber usar. Tem preparo especial, dosagem, como utilizar, o tempo, o período. É a chamada farmácia viva”, explicou, com sabedoria, Dona Mique, como é conhecida. “Eu tenho que compartilhar o que sei”, completa. Ela busca organizar as informações sobre plantas tradicionais e seus usos e, além disso, integra um grupo que tenta viabilizar a manipulação de remédios tradicionais pelos próprios indígenas.

MEDICINA DOS BRANCOS

Ainda durante o encontro foi abordada a importância da chamada medicina dos brancos. A enfermeira Kleice Almeida, do Dsei, falou sobre a saúde da mulher, ressaltando os temas pré-natal, parto e puerpério. “É muito importante que a mulher procure o serviço médico assim que souber da gravidez. Temos uma dificuldade de adesão ao pré-natal no primeiro trimestre gestação, o que aumenta o risco”, explica. Houve ainda palestra sobre dengue e malária.

Também integraram a ação os pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) professor e doutor José Miguel Nieto Olivar e a enfermeira obstétrica Danielle Ichikura Oliveira. Olivar falou sobre violência contra mulheres, na devolutiva de pesquisa realizada em São Gabriel.

O professor Alcir Ricardo Rodrigues, da comunidade Yamado, pediu que haja palestras para jovens sobre consequências da gravidez da adolescência. Ele informou que na comunidade há 60 jovens, sendo 30 homens e 30 mulheres. O professor Jaime Lopes, da comunidade Waruá, ressaltou também que é necessário alertar contra o uso de bebidas.

Capitão da comunidade Yamado, Paulo Lino Romero informou que na comunidade moram cerca de cem indígenas, a maioria da etnia Baniwa, havendo também Curipaco e Baré. O indígena Victor Camico da Silva, capitão do Cewari, informou que na sua comunidade vivem 72 pessoas da etnia Curipaco. Na comunidade Waruá vivem cerca de 145 pessoas, a grande maioria da etnia Dâw.

Também participaram do encontro no Yamado a integrante da coordenação do Departamento de Mulheres da FOIRN, Janete Alves; o coordenador do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas do Rio Negro (DAJIRN), Lucas Matos (Tariano); Departamento de Comunicação, com atuação de Ednéia Teles (Arapasso);  Maria do Rosário Piloto Martins, a Dadá Baniwa, que é mestranda do Museu Nacional do Rio de Janeiro em linguística e línguas indígenas; Anair Sampaio, aluna do curso de serviço social da Unip, que acompanhou o encontro como atividade complementar de seu curso. O antropólogo João Vitor Fontanelli Santos, que desenvolve pesquisa junto aos Dãw, acompanhou os indígenas do Waruá durante o encontro.

  • Colaborou jornalista Ana Amélia Hamdan Dadá Baniwa/UFRJ

Foto: Auxiliadora Dow, Karine Viriate da Silva e Carolina Rodriguês

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