Franciele Petry Schramm, Terra de Direitos
Quilombolas das três comunidades reconhecidas na cidade de Monte Alegre (PA) lotaram a Câmara de Vereadores em sessão especial realizada no último dia 18 de março. A chamada “casa do povo” foi o local onde aconteceu o lançamento do Protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada dos Quilombos Passagem, Nazaré do Airi e Peafú.
Esse material, elaborado pelas três comunidades através de reuniões e oficinas no último semestre, orienta como deve acontecer o processo de consulta às famílias quilombolas em casos de empreendimentos, projetos de leis ou outras medidas administrativas que possam impactar a vida das comunidades. O direito à consulta prévia, livre e informada está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um tratado internacional ratificado pelo Brasil desde 2004.
“Com o Protocolo de Consulta tem como melhorar a nossa comunidade. A gente vai tentar se organizar e tem a possibilidade de barrar qualquer coisa que venha prejudicar a própria comunidade”, destaca o quilombola Haroldo Bernardo dos Santos, presidente da Associação de Remanescente de Quilombo Passagem.
A elaboração dos Protocolos de Consulta dos Quilombos de Monte Alegre contou com apoio da Malungu – a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – e teve assessoria técnica da Terra de Direitos e do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular da Universidade Federal do Oeste do Pará – o Najup Cabano.
O documento será uma garantia a mais para as comunidades, que já enfrentam desafios como a exploração de minérios e piçarras – uma pedra usada em estradas – dentro do território. Para o presidente da Associação de Remanescente de Quilombo Peafú, Jakson Valente, o Protocolo representa um avanço para os quilombos da cidade. Bisneto de uma mulher negra escravizada trazida de uma nação onde está localizada a Nigéria, Jakson lembra que defender o quilombo é defender os antepassados e os ancestrais. “A gente é um povo de resistência eu sofreu mas que continua a luta pelo nosso território e pela nossa comunidade”, destaca.
“Esse é mais um passo dado no objetivo de crescimento e desenvolvimento das comunidades”, celebra Noelma Pantoja, a presidente da Associação de Remanescentes de Quilombo Nazaré do Airi.
Avanços nas comunidades
Além da possibilidade de discutir os impactos de projetos dentro do território, o Protocolo poder ser mais um instrumento na reivindicação de políticas públicas voltadas às comunidades. E os quilombolas sabem bem da importância de, além de efetivar o acesso à terra, garantir o acesso à politicas como de saúde e educação. Com a adoção de processos seletivos especiais para indígenas e quilombolas, atualmente 37 quilombolas do Quilombo Passagem estão na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
Uma das estudantes da comunidade, a jovem Aline Lemos atualmente cursa Direito na Ufopa e integra o Najup Cabano, o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular da universidade. Através desse coletivo ela pode participar da construção do Protocolo de Consulta como membra da associação quilombola, e também como assessora técnica, para ajudar às famílias a entenderem a importância e as possibilidades de um protocolo de consulta. “A gente tentou construir a partir das nossas especificidades, a partir das nossas tradições e de nossas crenças”, conta. Segundo ela, esse processo de construção permitiu que as comunidades ampliassem o entendimento do direito à consulta prévia, livre e informada. “É um instrumento jurídico à mais em defesa do nosso território. Mas o que seria isso? É um instrumento para que a gente possa por mais tempo ter um igarapé bem conservado, a nossa natureza e a nossa moradia, que já vem dos nossos antepassados, mas a gente tenta resistir a partir do direito de ser consultado”, destaca.
—
Imagem: Presidente do quilombo Nazaré do Airi, Noelma Pantonja comemora a produção do Protocolo de Consulta dos Quilombos de Monte Alegre.