PFDC e subprocuradores pedem a Aras ação no STF pela inconstitucionalidade de propaganda governamental que ameaça saúde pública

Documento é assinado por 18 representantes da alta cúpula do MPF e aponta que discurso adotado desarticula esforços para conter pandemia

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e um conjunto de subprocuradores-gerais da República encaminharam na tarde desta sexta-feira (27) ao procurador-geral da República, Augusto Aras, uma representação para que o chefe do Ministério Público Federal apresente ao Supremo Tribunal uma ação para estabelecer como inconstitucional toda publicidade feita pelo governo federal no enfrentamento do coronavírus que estimule o retorno da população às atividades normais – salvo nova orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

No documento, os representantes do MPF apontam que, em sentido contrário às orientações de caráter sanitário, o presidente do Brasil, em pronunciamento veiculado na noite de 24 de março, em cadeia nacional, refutou a necessidade de isolamento social em face da pandemia.

“Criticando o fechamento de escolas e do comércio, minimizando as consequências da enfermidade e, com isso, transmitindo à população brasileira sinais de desautorização das medidas sanitárias em curso, adotadas e estimuladas pelo próprio Poder Público Federal, com forte potencial de desarticular os esforços que vêm sendo empreendidos no sentido de conter a curva de contaminação comunitária”.

O texto também menciona conteúdo no mesmo sentido publicado pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República em sua conta no Instagram, bem como vídeo que passou a circular nas redes sociais com conteúdo que reforça a mensagem do governo federal de desestímulo ao isolamento social.

“A campanha publicitária do governo federal representa a visão de seu chefe de quais sejam as melhores medidas para o enfrentamento da pandemia da covid-19. Ela está em desconformidade com as orientações da Organização Mundial da Saúde e, por isso, destituída dos atributos que deveria acompanhá-la: ser educativa, informativa e de orientação social. Ao contrário, o que ela procura é adesão irrestrita ao pensamento governamental”.

O documento encaminhado a Augusto Aras também pede que seja declarada a invalidade do Decreto 10.292, de 25 de março de 2020, que passou a considerar o funcionamento de loterias e atividades religiosas como serviços públicos essenciais.

De acordo com o conjunto de subprocuradores, tanto a propaganda que vem sendo veiculada pelo governo federal no enfrentamento da pandemia, quanto o Decreto 10.292/2020, violam os princípios constitucionais reitores da administração pública, assim como o princípio republicano e o artigo 196 da Constituição Federal, que assegura a saúde como direito de todos e dever do Estado.

Acerca da questão, os signatários do documento ressaltam que não há, na atualidade, possibilidade de qualquer agente público, incluído o presidente da República, orientar a sua gestão a partir de preferências pessoais – visto que todo ato administrativo deve ser fundamentado em razões públicas, sindicáveis a partir das informações técnicas que as sustentam. “Daí causar perplexidade um decreto que passa a considerar como serviço público e atividades essenciais as atividades religiosas e unidades lotéricas”.

Critérios técnicos no direito à saúde

De acordo com os representantes do MPF, a extensão e a profundidade dos efeitos da pandemia requerem, dos agentes políticos formuladores de políticas públicas, o uso racional das evidências científicas disponíveis para a tomada de decisões. “Ainda que sejam medidas amargas, a seriedade do momento exige coragem e humildade para se recorrer a critérios técnicos na decisão sobre a vida e a morte de parcela substancial da população mundial e brasileira”.

Os signatários destacam que a decisão de manter, ou não, aberto o comércio e a atividade econômica em geral pode significar uma diferença de até quase 39 milhões de vidas no mundo – conforme apontou estudo do Imperial College do Reino Unido, publicado nessa quarta-feira (26). O levantamento aponta que sem a adoção de fortes intervenções pelos Estados em relação à propagação do vírus, haveria cerca de sete bilhões de infecções e 40 milhões de mortes apenas em 2020. 

De acordo com o estudo, estratégias de mitigação, tais como redução do contato social, sobretudo de idosos, mas também da população em geral, podem diminuir esses números pela metade, salvando 20 milhões de vidas.

“A diferença entre uma política de não-mitigação ou supressão social (normalidade de vida econômico-social) para uma política de quarentena horizontal precoce e ampla pode ser de mais de 1,1 milhão de vidas no Brasil”, reforçam os representantes do MPF. Além dos representantes da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – os subprocuradores Deborah Duprat e Domingos da Silveira, e os procuradores regionais Eugênia Augusta e Marlon Weichert –, assinam o documento os subprocuradores Antonio Bigonha, Aurelio Rios, Carlos Tigre Maia, Claudia Sampaio, Ela Wiecko, Jose Adonis, Jose Elaeres, Julieta Fajardo, Luiza Frischeisen, Mario Gisi, Mario Bonsaglia, Nicolao Dino, Nívio de Freitas e Sandra Cureau.

Assessoria de Comunicação e Informação
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)
Ministério Público Federal

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