Segurança hídrica municipal é chave para combater proliferação da COVID-19

Marussia Whately e Raquel Rolnik*, no blog da Raquel Rolnik

A COVID-19 é transmitida pelo ar e pelo contato entre as pessoas e as medidas de prevenção dependem muito  do acesso a saneamento básico. Populações sem acesso à água, expostas ao esgoto não têm como cumprir as práticas sanitárias recomendadas pelas autoridades para achatar a curva de expansão da doença no Brasil. 

No município de São Paulo quase 340 mil pessoas sofrem com interrupções de abastecimento de água, 85 mil ainda não têm acesso a este serviço e existem mais de 11 mil domicílios sem banheiro exclusivo¹. Existe ainda todo o universo de pessoas que, em função de condições precárias de moradia, não tem condições de adotar as medidas básicas de contenção da COVID-19. Nós nos referimos aqui à população de rua, aos indivíduos e famílias que vivem em cortiços e pensões com acesso precário a instalações sanitárias, assim como às milhares de famílias que compartilham tanques e banheiros. Esta situação está presente tanto em bairros da periferia como no centro.

A intermitência do serviço de abastecimento de água em regiões periféricas e áreas localizadas nas franjas entre diferentes sistemas produtivos ficou explícita durante a crise de abastecimento de 2014/2015 (como por exemplo, entre a área do Cantareira e do Alto Tietê). Cinco anos depois e em plena pandemia, a intermitência parece persistir, como aponta mapeamento iniciado pela Coalizão pelo Clima: entre 18 e 25 de março, foram registradas mais de 100 ocorrências de falta de água. 

Em contexto de crises sanitárias, os municípios devem agir em duas frentes: como os entes federativos capazes de integrar as políticas e ações de saneamento, defesa civil e saúde nos territórios; e como titulares dos serviços de saneamento, ou seja, contratantes das empresas que realizam o abastecimento de água e o afastamento de esgotos. Ou seja, são os municípios que podem e devem fazer as companhias de água, sejam elas municipais estaduais ou privadas, agirem.

No caso do município de São Paulo, tal protagonismo é possível e urgente. A cidade já conta com uma Política Municipal de Segurança Hídrica criada  em 2019 a partir da sanção da lei 17.104 pelo Prefeito Bruno Covas. A implementação dessa política passa por uma comissão que tem a participação de seis secretarias municipais: Governo, Desenvolvimento urbano, Gestão, Verde e Meio Ambiente, Saúde e Infraestrutura Urbana e Obras; e também conta com integrantes da sociedade civil. 

Caberia justamente à esta comissão liderar o processo de construção de plano de contingência e emergência para garantir o abastecimento de água articulado com Secretaria de Habitação e Sabesp, incluindo medidas como: 

  • revisão dos procedimentos de redução de pressão nas redes, considerando que, com mais pessoas em casa, os picos de consumo mudaram de horário;
  • ampliação da reservação de água em pontos críticos já conhecidos pela empresa de saneamento e/ou mapeados pela sociedade; 
  • construção de reservatórios para acesso emergencial à água potável em áreas onde o serviço público ainda não está disponível; 
  • distribuição de água por meio de caminhões pipa, com garantia de qualidade da água;
  • instalação emergencial de torneiras e banheiros em espaços públicos.

Dentro dos esforços da prefeitura para lidar com a pandemia, está a apresentação em regime de urgência do PL 180/2020, que prevê a transferência de recursos de diversos fundos públicos municipais para a Conta Única do Tesouro Municipal, entre eles o Fundo Municipal de Saneamento.  A Comissão de Segurança Hídrica deve participar do processo de decisão sobre a aplicação destes recursos e liderar a implementação de plano de contingência e emergência para garantir o acesso à água e produtos de limpeza nas áreas do município onde estes recursos não estão disponíveis.

Nota:

¹ Fonte: Instituto Trata Brasil, dados referente ao ano de 2018.

* Marussia Whately, arquiteta e urbanista, especialista em recursos hídricos, idealizadora da Aliança pela Água e uma das fundadoras do Instituto Água e Saneamento e Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.

Foto de Andris Bovo

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